Há fotos que falam

Há fotos que falam (Esta fala)

Marcelo Abreu

“Ela se Carmelinda, mora no quilombo de Santana dos Pretos, em Pinheiro, Maranhão”, me disse o dono desta foto maravilhosa.
 
Pinheiro fica depois do mar da ilha de São Luís. Eu nunca fui a Pinheiro. Na verdade, como saí aos 17 anos da ilha (mesmo voltando todos os anos, exceto nesta maldita pandemia), conheço quase nada desse Maranhão profundo.
 
Depois do mar, só Alcântara, onde já fiz a travessia por cinco vezes. Numa delas para fazer um Caderno Especial de Turismo pro Correio Braziliense.
 
Mas tenho vontade de mergulhar nesse Maranhão profundo e ouvir as histórias dessas gentes.
Gente como Carmelinda.
 
Nesta foto, em que ou quem ela pensava? Que vida teve? Quais são as suas histórias? Os sonhos realizados? Os que deixou para trás? As alegrias? Os prantos?
 
Eu queria tomar o café de Carmelinda, feito por ela, no coador de pano surrado, servido no copo, e ouvir tudo. Pacientemente.
 
Ouvir, ouvir, ouvir. Tenho certeza que Carmelinda me emocionaria.
 
Se, ao vê-la nesta foto, eu me comovi, imagina pessoalmente.
 
Eu preciso fazer a travessia do mar, às vezes tenso, assustador e revolto, e chegar à Carmelinda.
 
*** Esta foto é de @emersonricardopessoal. O cara que gosta dos retratos das gentes reais. O trabalho dele é muito bom.
 
A “pintura” de Carmelinda é a prova do meu encantamento. Gente (REAL) me paralisa.
 
Marcelo Abreu – Jornalista. Conta a beleza da vida humana.
 
Pode ser um close-up de pessoa, criança e sentando

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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