A hora em que a história nos obriga a escolher um lado

A hora em que a história nos obriga a escolher um lado

Por: Leonardo Boff 

Estamos num momento crucial de nossa história, que nos obriga escolher um lado. Tornou-se claro que estão se enfrentando dois projetos que irão definir o futuro de nosso país: a recolonização ou a refundação.

O projeto da recolonização do força-o a ser mero exportador de commodities para os países centrais. Isso implica mais que privatizar os bens públicos, mas de desnacionalizar nosso parque industrial, nosso petróleo, grandes instituições públicas, quem sabe até universidades. Trata-se de dar o maior espaço possível ao mercado concorrencial e nada cooperativo e reservar ao só funções mínimas.

Este projeto conta com aliados internos e externos. Os internos são aqueles que deram o golpe e aqueles 71.440 multibilionários que o IPEA, sob Jessé Souza, elencou e que controlam grande parte das finanças e financiam o Estado com pesados juros. O aliado externo são as grandes corporações globais, interessadas em nosso mercado interno e principalmente o Pentágono, o órgão que zela pelos interesses globais dos Estados Unidos.

O grande analista das políticas imperiais, recém falecido, Moniz Bandeira e o notável intelectual norte-americano Noam Chomsky bem como Snowden nos revelaram a estratégia de dominação global. Ela se rege por três ideias-forças: a primeira, um mundo e um império; a segunda, a dominação de todo o espaço (full spectrum dominace), cobrindo o com 800 bases militares, muitas com ogivas nucleares.

É prevista, sob o olhar do neoliberal presidente da Argentina, Macri, uma grande base na tríplice fronteira (Brasil, Paraguai, Argentina) para controlar o Brasil e particularmente o Guarani, decisivo para o futuro próximo de grande parte da humanidade sedenta e que poderia abastecer de água o Brasil por 300 anos; a terceira, desestabilizar os governos progressistas que estão construindo um caminho de soberania própria e que devem ser alinhados à lógica imperial.

A desestabilização não se fará por via militar, mas por via parlamentar, já ensaiada eficazmente em Honduras e no Paraguai e agora no Brasil. Trata-se de demolir as lideranças carismáticas, fazer da política o mundo do sujo e desmantelar políticas sociais para os pobres. Um conluio foi arquitetado entre parlamentares venais, estratos do judiciário, do ministério público e da polícia militar, secundados pela mídia conservadora que nunca apreciou a e sempre apoiou os golpes.

Conseguiram apear a presidenta Dilma, democraticamente eleita e instalar um Estado de exceção, antipopular, corrupto e violento. Todos os itens político-sociais, desde então, só pioraram dia a dia. Especialmente foram tirados direitos sociais dos trabalhadores, fruto de anos de luta.

O outro projeto é o da refundação de nosso país. Ele já vinha sendo esboçado muito antes, mas ganhou força sob o governo do PT e aliados, para o qual a centralidade é dada aos milhões de filhos e filhas da pobreza, descendentes da senzala, apesar dos constrangimentos impostos pelo neoliberalismo imperante no mundo e no Brasil. Junto com a garantia do substrato vital para milhões de excluídos através dos vários projetos sociais, foi a dignidade humana, sempre aviltada, que foi resgatada. Esse é um dado civilizatório de magnitude histórica.

Esse projeto da refundação do Brasil sob outras bases, com uma democracia construída a partir de baixo, popular, participativa socioecológica e aberta ao mundo constitui, certamente, nosso sonho bom e nossa alvissareira.

Três pilastras a sustentarão: a natureza de riqueza singular, fundamental para o equilíbrio ecológico da Casa Comum, a Terra, a nossa criativa, original, diversa e apreciada no mundo inteiro e, por fim, o povo brasileiro inteligente, inventivo, hospitaleiro e místico a ponto de pensar que Deus é brasileiro.

Essas energias poderosas poderão construir nos trópicos, não direi o sonho de Darcy Ribeiro, a Roma dos trópicos, mas uma nação soberana, ecumênica que integrará os milhões de deserdados e que contribuirá à nova fase da humanidade, a planetária, com mais humanidade, humor, alegria e que sabe conjugar com festa. Importa derrotar as elites do atraso e antinacionais que representam um Brasil agregado e sócio menor do projeto-mundo.

Não anuncio otimismo, mas esperança. Santo Agostinho que não era europeu, mas africano, um dos maiores gênios do cristianismo, bispo de Hipona, hoje Tunísia, deixou escrito em sua biografia, as Confissões, esta palavra que será a minha última.

A esperança, já o disse muitas vezes, tem duas formosas irmãs: a indignação e a coragem. A indignação para rejeitar tudo o que se apresenta como injusto e ruim. A coragem para transformar a política do Brasil de ruim e péssima em boa e justa e refundar um Brasil onde todos possam caber, a natureza incluída.

Hoje precisamos cultivar a indignação contra as maldades oficiais que transbordaram o cálice da amargura. E a coragem para irmos às ruas, às praças, para salvar a democracia, garantir a possibilidade da candidatura presidencial de Lula e assegurar um país soberano, nosso, com um destino definido pelo próprio povo.

Alimentamos a certeza de que chegará o dia em que a justiça e a igualdade triunfarão. Uma sociedade não pode se sustentar sobre a injustiça, a profunda desigualdade e a estrutural. A luz tem mais direito que todas as trevas que nos estão ocultando o horizonte. Esta luz triunfará e nos mostrará o melhor caminho que juntos queremos trilhar.

Obs.: publicado originalmente em 11 de mar de 2018


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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