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IRMÃO CORAGEM

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A memória guardará o que valer a pena. 

A memória sabe de mim mais que eu; 

e ela não perde o que merece ser salvo.

Eduardo Galeano

O que posso dizer do meu irmão Athos? Quem tinha o dom da palavra era ele. Um homem de bem! Sua coragem, espontaneidade, honestidade, generosidade, simplicidade, amizade e franqueza farão falta neste mundo. Um irmão companheiro e amigo. Um homem que carregou em si várias culturas trazidas por suas leituras e vivências, mas que em seu íntimo ainda guardava o menino simples do interior do Brasil. Suas lutas estarão vivas em nossas mentes e corações.  Guardo as recordações e as boas memórias.  Ainda sinto o apertar de suas mãos quando a voz já não era audível. Meu coração se alegra por ter tido o privilégio de ser sua irmã. Segue daí, que seguimos daqui, na certeza de que em algum momento nossos corações se juntarão novamente. 

Maria José da Costa, Mazé, irmã de Athos Pereira, mãe de Ana Maria, avó de Clara e Davi

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Athos, meu irmão, meu afilhado, meu ídolo, construiu uma vida digna, abraçado com a ética, único caminho que enobrece o ser humano. Homem simples, despido de vaidade e humilde de origem familiar.  Um dia resolveu dar uma volta pelas ruas de Porto Nacional. Não se preocupava se o sapato, sandália ou chinelo estavam em ordem para a sua caminhada. Descuidava, como sempre, se a roupa estava passada a ferro ou não, sabia que estava vestido e calçado.  Andava a passos lentos, deixando para trás a poeira das ruas não asfaltadas. No seu trajeto, ouvia uma pessoa, outra pessoa e mais pessoas que faziam as suas narrativas pessoais, pois ele queria conhecer os meandros de uma sociedade à qual ele pertencia. Analisando o que ouviu, encontrou contrastes no meio em que vivia. Algumas personagens se alimentavam bem e bebiam vinhos importados de Portugal, eram os ricos; os pobres comiam arroz, feijão, pequi, era a fome em potencial. Os ricos tinham moradias suntuosas mobiliadas com móveis importados da Áustria, via Belém do Pará; o pobre descansava em choupanas de sapé, parede de pau a pique ou passava a noite em casa de enchimento. Os ricos tinham tratamento médico de verdade, com uso de medicamentos manipulados com matéria prima vinda da França ou Alemanha; o pobre, para cuidar sua doença, bebia chá de erva-cidreira para baixar a febre e aplicava sinapismos de mostarda para sarar pneumonia.

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Pelo que ouviu pelas ruas, concluiu que havia uma profunda desigualdade social e que era preciso combatê-la para que todos os segmentos da sociedade tivessem tratamentos iguais, afinal o ser humano é um só, não importa a cor e outros penduricalhos, pois o direito à cidadania é universal. Athos entendeu que essa anomalia não era um privilégio de Porto Nacional, ela ultrapassava seus limites e alcançava o Brasil por inteiro. Dessa conclusão ele partiu para a luta contra a desigualdade social, contra o racismo, contra a cruel ditadura, regime de exceção que ceifava vidas inocentes, deixando para trás órfãos, viúvas e desaparecidos.  Athos, com a sua coragem, clamava às autoridades pela melhoria da educação e saúde para o povo brasileiro, banalizadas pelo regime ditatorial. A sua luta lhe custou sofrimentos, dor, prisão, exílio, privado de viver em seu país e distante dos familiares. Mesmo diante de incontáveis dificuldades, não se abatia, ia à luta por um Brasil democrático e o brasileiro feliz. Infelizmente meu herói [acabou por] terminar sua luta no dia 13/08/24 após muito sofrimento, deixando saudades e perpetuando a sua pessoa na memória de familiares e amigos. Deixou ainda como legado para a posteridade a coerência de suas ideias, acreditando que a democracia é o regime político-administrativo próprio de povos e países civilizados. 

Hosterno Pereira, irmão primogênito de Athos Pereira, casado com Rosilene, pai de Hosterno Júnior, Marcos e Sabino. Avô de Augusto, João Marcos, Lucas, Pedro, Gabriel e Laura

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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