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Leolinda Daltro:

Leolinda Daltro: justiceira dos humildes, defensora dos povos indígenas

Leolinda Daltro: justiceira dos humildes, defensora dos povos indígenas

Precursora do verdadeiro feminismo pátrio, justiceira notável dos humildes e da humanização respeitadora dos povos indígenas

LeolindaNo mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, trazemos a fi gura icônica de Leolinda Daltro, mulher altruísta e possuidora de enorme sentimento de justiça, que se preocupou sobremaneira com a sua condição de mulher, com a condição de outras mulheres de seu tempo, e sempre tendo por objetivo a necessidade de minorar o sofrimento humano, por intermédio de suas ações. O nome inteiro era Leolinda Figueiredo Daltro. Linda desde o nome, chegando à feição, às ações e ao caráter. Memorável brasileira, mãe, educadora e mulher pioneira como ativista da causa indígena e feminista no século XIX.

De seu nascimento, sabe-se o ano – 1859 ou 1860. Mas afinal, dia, mês e ano certo de seu nascimento não interferem na sua destacada forma de atuar dentro da sociedade patriarcal e machista em que vivia. Foi precursora em manter seus ideais modernos, sua atuação ideológica e prática desde o século XIX, e de seus ideais nunca se afastou, tendo mantido suas convicções até o fi m de seus dias, em 1935.

Nasceu na Bahia, mas mudou-se em tenra idade para o Rio de Janeiro, onde cresceu e viveu grande parte de sua vida. Viveu em Cascadura, subúrbio carioca, e viajou pelos sertões brasileiros, onde viu, viveu e se indignou com as condições impostas pela miséria e pelo desmando em seu país. Nessas viagens a longínquos sertões para alfabetização de povos indígenas, aos quais não buscava civilizar, mas – palavras de Leolinda: “dar dignidade por meio da Palavra (dita e escrita). Ensinar o índio a ler e escrever era dar-lhe possibilidade de ser brasileiro”.

Nossa heroína acreditava na defesa da educação laica para indígenas, preocupava-se e cuidava para que essa interferência não configurasse a desnaturalização da raça indígena, que sucumbia sob o caráter hegemônico atribuído às religiões cristãs, que impunham crenças afastadas dos valores culturais dos índios brasileiros. Tomou para si essa luta e por onde passou e atuou deixou seu traço de respeito às diferenças culturais.

Cresceu, casou-se, foi mãe de cinco fi lhos; e virou ativista de destaque por sua atuação pelos direitos as mulheres quando, em 1910, fundou o Partido Republicano Feminino (PRF). Daltro era professora, lia muito e era uma mulher extremamente inteligente, não cabia nos moldes estabelecidos para seu tempo. Sendo assim, logo se destacou por seus pensamentos e ações que lhe trouxeram uma carga de muito preconceito. Conta-se que, em razão de suas ideias, Leolinda sofreu, em Uberaba-MG, toda sorte de perseguições por parte da elite local, chegando a ser escorraçada da cidade por uma turba que a chamava de mulher do diabo.

Ela publicou em 1920 um artigo (mais de 20 anos após ter se afastado da causa indigenista) onde registrou o atentado sofrido contra sua vida, situação em que foram assassinados seus protetores, o coronel Leão Leda e seu fi lho. Leolinda vivenciou, portanto, uma situação clássica em que a palavra, que discrimina, ofende e oprime, anuncia e respalda intenções ou atentados contra a integridade física ou contra a própria vida. Foi enxovalhada por xingamentos e conforme conta: “teve que lutar contra a pior das armas de que se serviam os adversários da mulher: o ridículo”.

Leolinda incomodava. Quem era aquela que ousava desafiar as leis e homens daquele período (1909 a 1935)? Quem era aquela que lutava pelos direitos das mulheres, dos indígenas, pelo direito às diferentes formas de cultos religiosos? Quem era aquela rebelde que mal conseguira manter seu casamento (era desquitada), por se envolver em assuntos de homens? Quem era essa mulher tão querida por seus familiares e tão odiada pela opinião pública? Só poderia ser “A Mulher do Diabo”.

De certo modo, era mesmo diabólica, na medida em que abria brechas, abalava pilares de um Brasil fervorosamente católico da época. Levava sua voz e a distribuía aos quatro ventos, carregando o preconceito e as condenações que lhe eram impostas por ser uma mulher desquitada, ativa politicamente, por circular em ambientes masculinos, proclamando e arrebatando também alguns poucos admiradores e maior quantidade de admiradoras que acreditavam na transformação de uma sociedade menos injusta, pela educação e pela luta. Leolinda lutou ferrenhamente para garantir o direito das mulheres ao voto. Isso só poderia ser coisa de “Mulher do Diabo”. A imprensa e seus desafetos lhe dedicavam controversos adjetivos: “santa, anjo, excêntrica, monomaníaca, visionária, heroína, louca de hospício, doce mãe, aproveitadora, herege e anticristo”.

Leolinda se incomodava intensamente com o fato das mulheres ainda não poderem votar. Assim, ela fundou o Partido Republicano Feminino, em 1910, que tinha como missão mobilizar o público feminino para lutar por seus direitos. A agremiação era uma espécie de “antipartido”. Leolinda criou táticas para “fazer barulho”: solicitava audiências, fazia passeatas e mantinha sua inspiração nas sufragistas europeias.

Em 1911, como docente da Escola Orsina da Fonseca, mobilizou e liderou suas alunas, em passeata, até o Palácio do Catete. A imprensa não a perdoou, e ela foi alvo de muitas críticas, a maior delas era a de que as mulheres não podiam participar da política, porque não lutavam nas guerras. A valente Leolinda não se deixou abater e, a partir daquele momento, em suas aulas, passou a ensinar as suas alunas a manejar armas.

Fez mais, apresentou requerimento, que foi negado, pedindo direito para o voto feminino, em leolinda1916. Fez campanhas educativas e em 1919 – há cem anos – lançou-se como a primeira brasileira candidata às eleições municipais. Em sua plataforma de governo, defendia a diminuição das desigualdades, da miséria e a equiparação dos direitos civis. Sua candidatura teve o registro cassado e negado. Entretanto, ela conseguiu que a questão da emancipação política feminina fosse debatida. Leolinda não aceitava essa diminuição intelectual e social das mulheres. Questionava essa “superioridade” dos homens, que negava às mulheres, por exemplo, o direito ao voto ou a ser votada. Com mais de 70 anos de idade candidatou-se a constituinte.

Daltro reivindicava e lutava, também, pelo direito de uma educação laica para os índios e do amplo acesso dos mesmos à educação, de forma que sua identidade cultural fosse o mais possível preservada. A atuante professora trabalhou, inclusive, em turmas noturnas para crianças e mulheres que tinham necessidade de trabalhar ao longo do dia, atividade que manteve por longos anos e que se estendeu até sua velhice.

A vida de Leolinda não foi fácil, por conta de seus ideais e ações recebia toda uma carga de violência simbólica que se manifestava através da linguagem (escrita e falada). Esse era um mecanismo recorrente que foi utilizado como instrumento de opressão das lutas femininas. Leolinda seguiu passos de importantes precursoras da história como Joana D’Arc1 e Hipátia2, e nessa cadeia de coragem e valentia a própria Leolinda serviu e serve de exemplo de ativismo político e social para as mulheres dos tempos contemporâneos. Essas precursoras estão refletidas, por exemplo, na luta e ação de Marielle Franco e Anderson, mártires que lutaram na mesma trincheira, em defesa dos direitos das mulheres e pelo respeito à diversidade de gênero.

A professora visionária deu os primeiros passos, outras aprofundaram a questão da dicotomização entre os gêneros. Hoje, a pauta dos movimentos de mulheres é bem ampla e passa pela reclamação de remunerações igualitárias para a mesma função exercida pelos homens. Também, destaca a violência física contra mulheres, que reflete o poder dos homens sobre os corpos femininos, esses são grandes e importantes pilares da luta contemporânea.

Pelo seu papel na História brasileira merece ser conhecida, reconhecida e saudada: Salve, Leolinda!

http://xapuri.info/leolinda-daltro/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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