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Mangabeiras em flor

Mangabeiras em flor

Esta crônica é dedicada 

a todos os lobos travestidos de cordeiros 

que, em nome do amor, 

cultivam ignorâncias, vaidades e ganâncias.”

Por Altair Sales Barbosa

Certa vez, não faz tanto tempo assim, nas peregrinações que fazíamos pela imensidão do Cerrado, ocorreu de montarmos o acampamento de estudo e repouso, bem longe, lá no centro do Tabuleiro da Tamarana.

Era setembro, e quando a noite chegava, a lua refletia seu clarão, como um espelho, nas flores esbranquiçadas das mangabeiras, que pingavam gotas de esperança no lago do meu coração e no coração dos companheiros.

Essa visagem, clareava um caminho, que tinha uns barulhos, que ficam em silêncio, mas que traziam uma força libertando a reprimida busca constante pelo conhecimento e reforçavam os ideais da luta voraz que, por quase meio século, travamos contra os gigantes da destruição e mecanismos controladores do poder, que nunca se cansavam de entulhar nossos caminhos com lixo sórdido e malcheiroso.

Enquanto isso, o futuro foi chegando, com seus disfarces camuflados e, quando pensávamos que seguíamos à frente, estávamos era voltando.

A força da ganância destruiu o Tabuleiro, tirou dele as mangabeiras e as

vaidades qual lanças cravadas no peito, cuidaram do resto, não sobraram ilusões, nem sonhos, nem amores, nem fortunas, nem conhecimento para a gente que ali vivia.

O tempo obscuro podou a esperança. Alguns companheiros se acomodaram pelo caminho, outros se sentaram na pedra da desilusão. Poucos ainda carregam no coração a coerência da esperança, irradiada pelas gotas confortantes das flores das mangabeiras.

Num desses dias, em meu sonho, lá estava eu no Tabuleiro da Tamarana,

quando a noite trouxe, no clarão da lua, a esperança da ilusão, era só boniteza, mas depois de certo tempo percebi que algo estranho acontecia: das gotas das flores das mangabeiras pingavam lágrimas, que ferviam no lago do meu coração.

Quando acordei,

Ainda desorientado,

Vendo um céu azulado,

Busquei na magia um pincel,

E, com tintas do coração,

Pintei a desilusão.

altair sales barbosa 15 12 09 ed pelikano 11Altair Sales Barbosa Pesquisador do CNPq. Pesquisador convidado da UniE VANGÉLICA de Anápolis. Sócio-Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Conselheiro da Revista Xapuri. Foto: divulgação.

 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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