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MARGARIDA MARIA ALVES: “DA LUTA EU NÃO FUJO”

MARGARIDA MARIA ALVES: “DA LUTA EU NÃO FUJO”

Margarida maria alves: “da luta eu não fujo”

A paraibana arretada, que ainda hoje nos ensina a “nunca fugir da luta”, morreu lutando, no dia 12 de agosto de 1983

Por Zezé Weiss

Passava um pouco das 17 horas na comunidade de Alagoa Grande, no Brejo da Paraíba, na Região Imediata de Campina Grande, quando um tiro de escopeta calibre 12, disparado por um pistoleiro a mando do latifúndio, tirou a vida da líder camponesa Margarida Maria Alves, no portão de sua casa, na frente de seu marido e de seu único filho, José de Arimateia, que tinha apenas 8 anos de idade. 

Margarida Maria Alves nasceu em 5 de agosto de 1933 e morreu poucos dias depois de completar 50 anos.

Ela lutava pelos direitos básicos dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais, como carteira de trabalho assinada, jornada de trabalho de oito horas, férias e 13º salário. Depois de 12 anos à frente do Sindicato de Alagoa Grande, em seu discurso-denúncia do dia 1º de maio, em Sapé, na Paraíba, Margarida parecia antever o crime político cometido contra ela para calar, de vez, a sua voz.

Entretanto, como por vezes acontece, no lugar do silêncio, o chumbo que esgarçou o rosto de Margarida fez brotar belas sementes de esplendorosas margaridas, que seguem bordando o campo brasileiro com extraordinários exemplos de luta pela reforma agrária, pela reconstrução do Brasil e pelo bem-viver do povo brasileiro.

Ainda hoje, mais de quatro décadas depois de seu assassinato, “uma mulher camponesa sindicalista, uma grande liderança e uma pessoa que vivenciou importantes transições na igreja e no movimento sindical”, no dizer da historiadora Ana Paula Romão, Margarida Maria Alves continua inspirando milhares de mulheres brasileiras a lutarem por seus direitos.

São essas mulheres do campo, da floresta e das águas, e muitas também das cidades que, desde 2000, a cada quatro anos, organizam uma grande Marcha, com milhares de mulheres-margaridas vindo a Brasília para defender uma pauta política, construída coletivamente em todos os rincões do Brasil.

Fundadora do Movimento Mulheres do Brejo, do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto a Paulo Freire, em sua Paraíba natal, é o exemplo de Margarida Maria Alves, traduzido em seu discurso-denúncia de 01/05/1983, Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, que move tantas mulheres para a luta coletiva no Brasil inteiro.

MARGARIDA MARIA ALVES DISCURSO HISTÓRICO EM 01/05/1983

“No campo e na cidade, queremos liberdade. Companheiras de Alagoa Grande (PB), do Brasil e da América Latina, nós estamos aqui para denunciar as irregularidades no campo e na cidade contra os trabalhadores.

A prepotência dos proprietários de Alagoa Grande estão oprimindo a diretoria do Sindicato e, ainda na última sexta-feira, recebemos ameaças dentro de nossa sede, mas eu quero dizer a vocês que nós não tememos qualquer ameaça e que nós vamos até o fim em luta por melhores condições de vida para os trabalhadores – doa isso a quem doer, goste quem gostar.

Da luta eu não fujo, porque entendo que é melhor morrer na luta do que morrer de fome. Fiquem certos, trabalhadores, que mais fácil será saber que nós tombamos do que vocês ouvirem dizer que nós fugimos correndo. Dizem os proprietários
de Alagoa Grande que nós estamos invadindo as suas propriedades – invadindo estão eles!

Denuncio em bom e alto som: invadiram os direitos dos trabalhadores. Precisamos que vocês cerquem fileiras do nosso lado porque a situação está cada vez pior. Eu quero pedir que, quando vocês voltarem para as vossas casas, lembrem-se e rezem por aqueles que já tombaram na luta, rezem também por aqueles que estão na luta, enfrentando a ameaça dos poderosos, na frente da batalha.

Não poderia calar diante de tudo isso e, se assim eu fizesse, um líder teria só um nome de líder porque a ninguém é dado o direito de baixar a cabeça, cruzar os braços, ficar calado diante de uma calamidade pública.

Por que vamos cruzar os braços se a fome bate na porta do povo? Deus não deixou escritura para ninguém não, Deus deixou a terra para os seus filhos, e hoje ela tá na mão de um grupinho muito pequeno – esse grupinho é o latifundiário, o usineiro, o senhor de engenho.

Vamos dizer um não para esses proprietários que têm tudo e querem tudo para eles. Não os pago e é por isso que todo mundo está morrendo de fome.

MARGARIDA MARIA ALVES: PARA SEMPRE, PRESENTE! 

MARGARIDA MARIA ALVES:
“DA LUTA EU NÃO FUJO”
Fotos: Ricardo Stuckert / PR

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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