Milei e a realidade distópica

A vitória, mesmo que por pequena margem, nas primárias argentinas do ultraliberal Javier Milei demonstra cabalmente que “outsiders” vêm crescentemente ganhado espaço nas disputas eleitorais. Não é um fato isolado.

Por Alberto Cantalice/Revista Focus Brasil

A persistente liderança de Donald Trump para o pleito eleitoral dos Estados Unidos de 2024 aponta o grau de dissociação com a realidade de várias parcelas das populações.

A série de imputações criminosas enfrentadas por Trump, longe de atrapalhar sua caminhada de volta à Casa Branca, parece turbinar suas pretensões.

É fato cada vez mais notório de que o motor que põe em movimento essa escalada distópica são as crises econômicas motivadas pela financeirização do capital, a quebra de direitos sociais e a falta de perspectivas de futuro para um crescente número de jovens.

A uberização do mundo do trabalho amplia o sentimento individualista criando uma falsa ilusão de que, para o trabalhador precarizado, mas que se considera empreendedor, as burocracias e os custos da manutenção do Estado dificultam sua vida e aumentam seus custos.

É essa ideologia que as forças dos mercados via plataformas digitais tem construído no imaginário das pessoas.

Os setores progressistas mundo afora estão tendo sérias dificuldades para enfrentar esse estado de coisas. Ao passo que compreendem que na fase atual do capitalismo e de sua face neoliberal e ultraliberal não há caminho, claudicam na construção de uma iniciativa que, juntando Estado e mercado, possam abrir novas alternativas.

É mais que urgente a necessidade de se mudar a nova matriz energética do mundo. O crescente apoio às pautas ecológicas, do antirracismo, da lgbtfobia, da misoginia e contra o capacitismo ajudam a reposicionar as esquerdas. Todavia, só essas pautas não resolvem. É preciso taxar o capital em escala internacional. É urgente uma nova concertação ao estilo Bretton Woods de 1944, organizada pela ONU, para resolução dos graves problemas econômicos que assolam a humanidade.

A ausência de ações efetivas para eliminar a pobreza e a miséria é o terreno fértil para Mileis, Trumps, Bolsonaros e outros que, como vermes, se espalham pelos tecidos sociais causando estragos permanentes. 

Fonte: Revista Focus Brasil Capa: Alejandro Pagni/AFP


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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