Em 1966, ao incrementar o investimento público em projetos agropecuários de grande porte, o governo federal jogou a última pá de cal no modelo de desenvolvimento autônomo da Amazônia, que a encarava como se ela fosse um país dentro do Brasil.
Seu isolamento físico do restante do território nacional (do qual ocupava dois terços) funcionava como uma barreira alfandegária. A região iria se desenvolver substituindo suas importações passando a produzi-las internamente, se industrializando. Em 1975, o governo mais tecnocrata do regime militar, chefiado pelo general Ernesto Geisel (que fora presidente da Petrobrás), definiu a nova vocação da Amazônia: tornar-se fronteira mundial, capaz de produzir mercadorias de larga aceitação no mercado internacional. Viraria uma usina de dólares.
O principal produto seriam os minérios, que começaram a ser mapeados em detalhe pelo maior levantamento de recursos naturais até então executado no Brasil, o Projeto Radam. Em 1975, a pauta regional de exportação não ia além de 300 milhões de dólares, composta por madeira, pimenta do reino, juta e riquezas típicas da fase de extrativismo vegetal.
Frutos e sementes da floresta eram coletados na mata, sem alteração da fisionomia amazônica.A diretriz, fixada no II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1975-79) se manteve, a despeito do fim da ditadura, em 1985. E não foi alterada (pelo contrário: foi reforçada) nos oito anos da social democracia de Fernando Henrique Cardoso e no populismo alegadamente redistributivista de Lula e Dilma. Incólume se encontra até hoje, sob Michel Temer.
Os resultados desse modelo são um sucesso, segundo os seus propósitos: a Amazônia se tornou uma província planetária, uma colônia de matérias primas ao velho estilo, apenas maquiado pela retórica da globalização. No ano passado, os minérios foram responsáveis por quase 90% das exportações do Pará, o 5º maior exportador brasileiro. Foram 12,6 bilhões de dólares em um total de US$ 14,5 bilhões (algo em torno de 50 bilhões de reais).
O desempenho do Pará no ano passado pôs fim à liderança tradicional de Minas Gerais, ao menos quanto à exportação. A receita mineral de exportação de Minas Gerais foi de 11,6 bilhões de dólares, US$ 1 bilhão a menos do que no Pará, que, 40 anos atrás, só produzia pequeno volume de minérios, sobretudo o ouro, através de garimpos, em atividade predominantemente ilegal, com nenhuma expressão internacional.
Dos US$ 12,6 bilhões de receita mineral do Pará (que exportou um total de US$14,5 bilhões), US$ 7,8 bilhões resultaram da venda de 123 milhões de toneladas de minério de ferro, sendo US$ 5 bilhões enviados para a China. Um perfil bem parecido ao de Minas, que obteve US$ 8,9 bilhões com o minério de ferro, sendo US$ 7,3 bilhões para a China.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
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