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MISSÃO CRULS: UM OLHAR SOBRE O CERRADO

MISSÃO CRULS: UM OLHAR SOBRE O CERRADO

Missão Cruls: Um olhar sobre o Cerrado

Sobre o livro do Jaime Sautchuk

Por Washington Novaes

Às voltas com frequência cada vez maior de chuvas ou secas intensas, com as chamadas mudanças climáticas, seguimos sem dar atenção, no Centro-Oeste, a conhecimentos que os pesquisadores da área para o futuro Distrito Federal já registravam há mais de um século em suas anotações – e que estão agora reproduzidas no livro Cruls –Histórias e andanças do cientista que inspirou JK a Fazer Brasília, escrito pelo jornalista Jaime Sautchuk (Geração Editorial, 2014).

Está documentado ali que Louis Ferdinand Cruls registrou em seu relatório de 1894 que “a geologia faz que as chapadas de altitude na região central do país funcionem como tanques que armazenam água para abastecer os córregos, rios e o próprio lençol freático o ano inteiro. Entretanto, a retirada da vegetação nativa faz essa água minguar ou até sumir”.

Ignorando isso ou fazendo de conta que não sabemos, continuamos a desmatar o Cerrado, que já perdeu essa vegetação nativa fundamental em mais de 50% do território. E chegamos ao que já foi registrado neste espaço em outros artigos: cientistas do Ministério do Meio Ambiente evidenciaram, já há alguns anos, que o “estoque” de água no subsolo do Cerrado baixou do suficiente para alimentar o fluxo hídrico durante sete anos para três; e continua baixando.

Não estranha, por isso, que as bacias do Araguaia, do São Francisco e do Paraná venham recebendo muito menos água – a ponto de o rio São Francisco praticamente secar no auge da última seca.

O indiscutível, diz Sautchuk, é que a  primeira expedição ao Brasil Central “totalmente dedicada à finalidade de demarcar uma área para a nova capital no interior da nascente República” foi a missão Cruls. Ela “demarcou o chamado Quadrilátero”, que definia o formato e os limites do novo Distrito Federal.

“Pode-se dizer – salienta o autor do livro – que o primeiro Relatório de Impacto Ambiental elaborado no Brasil foi certamente o Relatório Cruls, publicado em 1894”. Ele fez “meticuloso levantamento de flores, fauna, clima, topografia, recursos hídricos e das populações humanas que ocupavam esses sertões”. Não nos faltavam, portanto, desde as primeiras ocupações do centro do país, informações para modos mais adequados para as atividades humanas.

A ideia de uma capital no centro do país era até mais antiga. O Conselheiro Joaquim Nabuco, por exemplo, já a defendera algumas décadas antes. Fora inscrita na Constituição republicana de 1891.

O Visconde de Porto Seguro, após uma viagem de seis meses ainda no Brasil Império, sugerira “um triângulo entre três lagoas existentes no município de Formosa” (GO). Mas até o Alferes Tiradentes sugerira a escolha de São João d´El Rey para capital. O Marquês de Pombal preferia “algum ponto às margens do rio Amazonas”. José Bonifácio apontara a região do Brasil Central como “a mais apropriada”. Houve quem também quem sugerisse Paracatu para acolher a nova capital. 

Mas D. Pedro II, que já conhecera Cruls e o nomeara diretor do Observatório Imperial, encarregou-o de comandar os trabalhos para definir o local do Distrito Federal. E assim aconteceu em 1891, quando a comissão partiu do Rio de Janeiro e, por via férrea chegou a Uberaba. A partir daí, no lombo de 300 mulas, seus membros foram transportados junto com quase 10 toneladas de caixas de alimentos e equipamentos. Havia entre eles astrônomos, meteorologistas, geólogos e outros estudiosos – lembra Sautchuk. E seus conhecimentos foram decisivos na descrição do local escolhido.

O francês Saint-Hilaire já descrevera os cerrados por ele percorridos no início do século XIX como um “jardim permanentemente florido”,registra o autor do livro, onde pudera admirar “a canela-de-ema, a quaresminha, o pau-santo, a caliandra, o pepalanto, a sempre-viva, orquídeas, bromélias, cada uma no seu tempo, com suas flores encantadoras”.

Mais de um século depois, botânicos de fato registraram que só no território do Distrito Federal havia mais espécies de orquídeas que em toda a Amazônia. Hoje se afirma que há no Cerrado  10 mil espécies vegetais, das quais 4 mil endêmicas – e praticamente todas ameaçadas.. 

À margem do livro, pode-se dizer que a escolha da comissão – levada à prática por Juscelino Kubitschek na década de 1950,  não contava – devido à população muito pequena no seu tempo – que a altitude do local escolhido no planalto tornava menos abundante do que seria necessária hoje a disponibilidade de recursos hídricos.

O autor destas linhas, quando secretário de Meio Ambiente Ciência e Tecnologia do Distrito Federal (1991/92) tentou impedir a ocupação intensiva da chamada área do São Bartolomeu, onde está a maior parte das nascentes no Distrito Federal., Mas foi derrotado pela conjugação de interesses imobiliários e políticos. E hoje a região metropolitana de Brasília tem mais de 3,7 milhões de pessoas.

Seja como for, no livro de Jaime Sautchuk estão as preciosas informações sobre o Planalto Central e a escolha do Distrito Federal. Elas podem ajudar-nos muito, ainda hoje, na preservação da riqueza descrita por Cruls.

 

Luiz Cruls e foto de capa: acervos históricos

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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