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O boi de mestre Teodoro

O boi de mestre Teodoro – O folclore maranhense sempre foi muito bem representado no Distrito Federal pelas brincadeiras e danças que Teodoro Freire, o mestre entre os mestres, conduziu – e muito bem – nos espaços por onde passou.

Por Guilherme Cobelo 

Seja na Universidade de Brasília, local em que trabalhou durante 28 anos, seja no Centro de Tradições Populares em Sobradinho, ou onde quer que fosse, o boi de Seu Teodoro fez a alegria de muita gente com suas cheganças e despedidas, suas toadas dolentes, seus rituais antiquíssimos dos quais era exímio e memorioso executor.

Nascido em São Vicente Ferrer, a 280 km de São Luís, no ano da graça de 1920, o gosto pelo bumba-meu-boi e pelo tambor de crioula surgiu com ele ainda menino, quando escapava dos olhares vigilantes da sinhá para assistir aos ensaios que aconteciam nas redondezas.

Teodoro nunca brincava. Olhava, via, escutava, ouvia, impregnando corpo e mente com todo aquele mistério, memorizando os detalhes, as melodias, o passo-a-passo do rito. Como uma esponja, absorveu tudo para mais tarde jorrar conhecimento em outras bandas.

Seu aprendizado sentimental, por assim dizer, deu-se no . Mas sua atividade cultural mesmo só se desenvolveu quando, levado pelo desemprego, deixou o Maranhão e foi parar no Rio de Janeiro em busca de vida melhor. Foi por lá, no Rio, nos anos 1950, em uma colônia maranhense, que começou a organizar as brincadeiras.

Há quem diga que foi a saudade que lhe instigou a busca pela identidade. A maneira mais eficaz que encontrou para aniquilar as léguas tiranas foi representando a lenda do e da Mãe Catirina, seus desejos, receios e percalços para ter ao menos a língua do Mimoso, o boi dileto do patrão, senhor de terras e cabeças de gado.

Isso porque Catirina estava “arredia e preguiçosa, com criança na barriga, cheia de desejamento”, como cantou seu conterrâneo Papete: não podia ser nenhum outro boi, tinha que ser aquele. Daí toda a tragédia que o boi-bumbá encerra.

Desde então, até sua despedida desse nosso mundo, em 15 de janeiro de 2012, em Brasília, Teodoro nunca mais parou de conduzir o enredo. Ele, que dizia nunca haver brincado de boi, sabia, no entanto, mais que o suficiente para congregar uma multidão de brincantes e tocadores.

Além da matraca e do maracá, sabia muito bem as toadas para reunir o povo na fogueira, o guarnicê, o lá vai, a chegada, as toadas para chamar o boi, o urro do boi e a despedida. De cabeça ou de improviso. Tampouco ignorava a certidão do compasso, o ritual em si. Não à toa, era um mestre.

E deve ter sido como puxador de toada que ele conquistou a simpatia de um certo deputado que acabou convidando seu grupo para a celebração do primeiro aniversário de Brasília, em 1961.

20130620180222728854oNo Distrito Federal, junto com a esposa, Dona José Serra Pereira Freire, trabalhou em algumas granjas da cidade serrana de Sobradinho. Depois disso Teodoro foi empregado na UnB como contínuo. E por lá ficou um tempão, tornando-se figura marcante do campus. Um ícone, de fato.

A história do boi no Planalto Central ganhou um novo impulso em 1963, quando se inaugurou a “Sociedade Brasiliense de Folclore”, atualmente “Centro de Tradições Populares”, na quadra 15 de Sobradinho. Seu poder de atração era capaz de mobilizar pessoas até no Maranhão, que para ali migravam a exemplo do casal Freire.

Habitantes de outras cidades do DF, como Ceilândia e Samambaia, também acorriam até o Centro. Havia até gente de Valparaíso de Goiás que era atraída pelo boi. E não havia como ser diferente. Quem assistiu, ouviu e brincou sabe a força que ele tem.

Não há como negar que o Boi de Seu Teodoro é um dos mais importantes grupos de popular do DF. É Patrimônio Imaterial. Seus festejos anuais comovem milhares de pessoas. Experimente e saberá do que digo. É o coletivo pulsando, vibrante. O grupo mesmo tem algo em torno de 80 pessoas, mas sua força é inumerável.

Nos últimos anos, quem está à frente da coisa toda é um dos 11 filhos que o casal teve, Guarapiranga, ou simplesmente . E apesar do que acontecia nos primórdios do grupo, quando a maioria era composta de velhos, os jovens parecem ter revisto seus preconceitos e encarado o bumba-meu-boi com outros olhos, não mais como “macumba”, e sim como cultura, tradição, festa.

E é por essas e outras que Seu Teodoro é um símbolo de resistência. Neste ano de 2015, seu boi comemora 52 anos de existência. Que venham muitos outros! E que urre bastante. Com a bença de São Sebastião.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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