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O GOLPE DE 8 DE JANEIRO 

O GOLPE DE 8 DE JANEIRO 

O caminho para a construção do golpe de 8 de janeiro começou com o suporte das Forças Armadas ao golpe jurídico-parlamentar contra a presidente e foi pavimentado pelo apoio dos militares à eleição de Jair Bolsonaro em 2018, pela forte presença em seu governo autoritário e negacionista, e pela conivência dos chefes militares com os acampamentos em frente aos quartéis após a eleição de Lula.

Por José Dirceu

Podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que o golpe de 8 de janeiro foi uma consequência natural do ciclo que se abriu com a volta dos militares à , uma vocação histórica não resolvida na transição democrática e na Constituinte de 1988. O ovo da serpente manteve-se preservado dentro da instituição militar uma vez que os militares não foram julgados e responsabilizados nem pelo golpe de 1964, nem pelos crimes e violações dos direitos humanos cometidos em nome do Estado durante a ditadura por eles comandada.

Trinta anos após o restabelecimento da democracia no , a mão invisível dos militares esteve presente no golpe parlamentar-judicial que depôs a presidente constitucional Dilma Rousseff. Ela foi personificada na figura do general Sergio Etchegoyen, fiador da posse do vice-presidente Michel Temer e delegado das Forças Armadas junto à presidência. Ele iniciou o processo de reorganização e controle da Inteligência do Estado, depois consumado pelo seu colega de armas, general Augusto Heleno.

Em entrevista, Sergio Etchegoyen listou as três razões para a deposição da presidente Dilma Rousseff: instalação da Comissão da Verdade, promoção nas Forças Armadas e nas escolas militares. Ou seja, disse textualmente que as Forças Armadas não aceitavam as iniciativas de submeter o poder militar ao poder civil como manda a Constituição, já que a presidente ou o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas.

Em seguida, mais uma intervenção militar na vida política do país: o tuíte do então comandante do Exército, general Villas Boas, sugerindo (mais que sugestão, uma voz de comando) ao STF para não conceder um habeas corpus ao , preso injustamente num processo político, sumário e de exceção promovido pela Lava Jato. Do ponto de vista jurídico, é bom lembrar, o habeas corpus era um direito líquido e certo de Lula.

Na esteira desses acontecimentos, as Forças Armadas retomaram sua ilegal e inconstitucional atuação, com o objetivo de voltar a dirigir os destinos do Brasil. Apoiaram e sustentaram a candidatura de Jair Bolsonaro, apesar de ele ter sido processado e julgado por violar o juramento militar, na prática uma expulsão branca. Depois de sua eleição para a Presidência da República, grande parte do generalato de quatro estrelas foi para o governo e milhares de oficiais da reserva e da ativa ganharam cargos públicos, numa demonstração do caráter militar do governo.

Durante os quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro montou sua estratégia golpista e autoritária ou com apoio explícito das Forças Armadas ou, pelo menos, com sua complacência. Não foi diferente durante a epidemia da , quando os militares apoiaram ou fizeram vista grossa à atuação criminosa de Jair Bolsonaro, ao seu negacionismo e obscurantismo. Também não foi diferente quando Jair Bolsonaro empreendeu campanha com o objetivo de descredenciar e desmoralizar as urnas eletrônicas e o processo democrático.

Apesar da resistência dos partidos de oposição aos atentados à democracia, das reiteradas denúncias sobre a politização das forças militares – Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Abin e das Forças Armadas – e do aumento de seu poder, o e o STF foram tímidos em suas respostas. Tímidos e tíbios. A única exceção foi a ação imediata do STF na pandemia.

CAMINHO PAVIMENTADO

Esse roteiro abriu caminho para Jair Bolsonaro construir o golpe de 8 de janeiro, com apoio de empresários, principalmente do agronegócio; de setores beneficiados pelo seu governo; de deputados e senadores, partidos e governadores. 

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Foto: Divulgação/ Alfredo Rizzutti/Estadão.

A preparação para o golpe explica a escalada de atos e mobilizações em todo país durante o ano eleitoral e, após a derrota de Jair Bolsonaro e vitória de Lula, os acampamentos em frente aos quartéis do Exército, fator decisivo para o sucesso do dia 8 de janeiro com a ocupação e destruição das sedes dos Três Poderes da República.

Capítulo à parte foi a atuação, nas redes sociais, dos financiadores e controladores de várias contas e perfis e de dezenas de meios de comunicação que sustentaram Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018.

Embora acampamentos em áreas militares, quartéis ou qualquer outra instalação militar seja crime, os chefes militares não fizeram nenhum movimento para impedir a sua instalação ou desmobilizá-los. Ao contrário, viram os acampamentos com tolerância e benevolência, o que estimulou sua permanência. 

Assim, a responsabilidade civil e penal dos chefes militares é mais do que evidente e sua atitude omissa em relação aos acampamentos, para não dizer cúmplice, foi decisiva para a mobilização de 8 de janeiro e para fortalecer a confiança dos manifestantes de que teriam apoio militar para um golpe de Estado.

Não se pode registrar a do dia 8 de janeiro – o dia da infâmia – sem cobrar a responsabilidade das Forças Armadas e de seus chefes e cadeia de comando. Ou seja, daqueles que no governo e na PM de , na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal apoiaram abertamente o golpe. 

Golpe que foi derrotado graças à falta de suporte aos golpistas em outras partes do país fora de Brasília, à pronta resposta do STF e do TSE, à ação imediata do presidente Lula e de seu governo, Ministério da Justiça à frente, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que encontraram forte respaldo na sociedade civil, na maioria dos partidos políticos e governadores, em parte das Forças Armadas, nos meios de comunicação e na comunidade internacional.

O que a sociedade quer saber é se todos os implicados nesse crime de traição à Constituição e à democracia em nosso país, sejam eles civis ou militares, populares ou empresários, responsáveis pelas redes sociais, políticos ou não, vão ter as penas que merecem. Só teremos as respostas com a conclusão dos inquéritos e processos conduzidos legitimamente pelo ministro Alexandre de Moraes.

A verdade histórica é que se pregou e se tentou um golpe de Estado sob a inspiração e direção de Jair Bolsonaro. Todos os responsáveis, independentemente de sua origem e status, devem ser processados. E, os que forem condenados, devem ser impedidos de participar da vida política do país.

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Foto : Cadu Gomes/VPR

age20140703240 3José Dirceu – Ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula. Autor, dentre outros livros, de – Vol. 1 (Geração Editorial, 2018, 496 págs.), em A Terra é redonda. Foto: divulgação.

 
 
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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