Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.

O uso de agrotóxicos é uma escolha política

O uso de é uma escolha política

No Brasil entre 2010 e 2019, 56 mil pessoas foram intoxicadas com agrotóxicos, e a subnotificação é de 1 caso a cada 50…

Por Larissa Bombardi / Brasil de Fato

“A gente não pode dar uma justificativa natural para uma escolha que é política e social. O fato de o Brasil ter clima tropical não é o que responde pelo fato de nós sermos um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos. É uma escolha política converter uma área equivalente à da Alemanha em . A gente poderia ter feito outra escolha. Infelizmente o brasileiro tem servido para mediar tanto os interesses das indústrias oligopolísticas transnacionais quanto os da oligarquia que controla a ”.

Palavras da geógrafa Larissa Bombardi ao Tutaméia. Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), pós-doutora em geografia humana, ela precisou se exilar em razão de ameaças que sofreu depois de ter publicado estudos demonstrando os efeitos nocivos dos agrotóxicos.

Em março, anunciou sua saída do país e passou a receber uma avalanche de manifestações de de instituições científicas do Brasil e do .

Do exterior, ela fala ao Tutaméia sobre esses apoios e sobre as pesquisas a respeito dos danos que os venenos usados na agricultura causam à saúde humana e ao ambiente.

Trata também sobre as razões do avanço desses insumos químicos na lavoura, considera “gravíssima” a explosão nas liberações de agrotóxicos no governo Bolsonaro e mostra a relação colonial embutida nesse processo.

Na conversa, Larissa defende a , que muitas vezes vai de encontro aos interesses econômicos, e advoga a necessidade de um projeto de país que priorize a segurança e a soberania alimentar (acompanhe no vídeo do TUTAMÉIA TV).

Alguns trechos do que nos disse Larissa:

Contaminação e doenças

No Brasil entre 2010 e 2019, 56 mil pessoas foram intoxicadas com agrotóxicos, segundo o Ministério da Saúde. De acordo com o próprio ministério, para cada caso notificado, tem 50 casos que não chegaram a conhecimento.

Quais as doenças associadas à exposição aos agrotóxicos? Má formação fetal, disrupção endócrina, câncer. Sobre a disrupção endócrina, há casos de puberdade precoce entre : meninas de dois anos, bebês, com mamas e pelos pubianos em função da exposição a agrotóxicos.

Há crianças que tiveram câncer identificado no ultrassom na barriga da mãe. Não tem limite seguro para agrotóxico.

Há maior incidência de casos de câncer, má formação fetal e tentativas de suicídio em regiões de uso de agrotóxicos. Oeste da Bahia, regiões do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso, ao norte de Campinas, Ribeirão Preto e Franca.

Água com veneno

Na água potável, o Brasil autoriza a presença do resíduo de glifosato em níveis cinco mil vezes maiores do que o permitido na União Europeia. Se uma de 4 a 8 anos ingerir o que ela precisa de água num dia, dentro do limite de glifosato permitido no Brasil, ela extrapola o que o seu peso corporal poderia tolerar dessa substância. O glifosato é uma substância considerada, desde 2015, como potencialmente cancerígena para seres humanos.

“Dos sete agrotóxicos mais vendidos no Brasil, três são proibidos na União Europeia”

Dos sete agrotóxicos mais vendidos no Brasil, três são proibidos na União Europeia. Um foi recentemente proibido no Brasil, mas os estoques ainda estão sendo vendidos.

No Brasil é permitida a pulverização aérea. O que é um absurdo. Ela é considerada uma das principais formas de contaminação ambiental por agrotóxico.

Projeto colonial 

Em dois anos [no governo Bolsonaro], foram liberados quase mil agrotóxicos, um terço de todos os produtos comercializados no país.

Liberação de agrotóxicos no governo Bolsonaro é a maior dos últimos 14 anos

Estamos falando de um projeto de nação, ainda que nós não tenhamos nos dado conta disso. Como diz o Eduardo Galeano: “A se especializou em perder”.

No capitalismo, na divisão internacional do trabalho, a América Latina e o Brasil especificamente ocupam um lugar de países agroexportadores. Por isso a gente está nesse patamar de uso de agrotóxicos.

A gente tem no Brasil uma área equivalente à da Alemanha só em soja, quase toda ela transgênica. Nos quatro países do Mercosul, é uma área equivalente à da França só de soja. Isso tem um rebatimento enorme ambiental e da saúde humana.

Economia e vida humana

Nos governos anteriores tinha tensão entre ministérios [Agricultura, Ambiente e Anvisa]. Agora é como se os interesses do ministério da agricultura estivessem acima, indicando quais as pautas a serem defendidas no ambiente e na saúde. Esse avanço na aprovação dessas substâncias, muitas delas proibidas na União Europeia, traz um quadro gravíssimo. O aspecto econômico está acima da vida humana.

Antinatural e invertida

Falar em vocação agrícola do Brasil é querer dar um caráter moral ou psicológico para uma escolha que é econômica, política. Não dá para a gente justificar do ponto de vista natural o uso dessas substâncias.

Como produzir uma agricultura saudável no clima tropical? Clima tropical é ter alto calor e alta umidade conjugados. Com esses elementos, a gente tem maior produção de biomassa e maior biodiversidade. O que não é natural é impor aos trópicos a monocultura. É antinatural.

A gente não tem uma agricultura, num clima tropical, que demanda esses produtos. A gente tem uma indústria do pós-Segunda Guerra Mundial que demanda uma agricultura para se reproduzir. Tem uma coisa muito invertida no nosso imaginário de achar que a agricultura é que demanda.

Na verdade, tem duas coisas: uma indústria que vai demandar uma agricultura para consumir esses produtos e uma agricultura controlado por um setor minúsculo da sociedade que atende ao interesse também minúsculo.

Oligopólio e oligarquia

Hoje cinco grandes empresas controlam 70% das vendas mundiais de agrotóxicos. Por um lado, tem essas empresas. Por outro, tem uma oligarquia que controla a propriedade da terra no Brasil e em outros países da América Latina.

O Brasil é um dos países com maior concentração fundiária do planeta. Um por cento dos proprietários controla cerca de 50% das terras. Temos um Estado que medeia esses interesses no executivo e no legislativo, para não falar no judiciário.

Tem também as grandes tradings que controlam o comércio mundial de grãos, que deixaram de ser alimento. É o Estado brasileiro a serviço de uma oligarquia rural que está ligada aos bancos, que financiam tudo isso, e também e a esse capital transnacional oligopolista.

Commodities e fome

Se a gente tivesse falando de alimentos, a fome estaria superada. Esse avanço tecnológico que houve não superou a fome. O argumento para o uso desses insumos é que se precisa alimentar a humanidade, mas a única coisa que tem acontecido é que a gente não está alimentando a humanidade. Um sexto da população mundial continua passando fome.

“A gente não está alimentando; a gente está produzindo commodities”

A gente não está alimentando; a gente está produzindo commodities. Nos últimos anos, a área de soja dobrou e a área para feijão, arroz, trigo e mandioca, que são os pilares da alimentação brasileira, caiu entre 20 e 40%.

Saiba mais: “Hipocrisia S/A”: gigantes do agronegócio fazem campanha para arrecadar alimentos

A gente tem mais do que um boi por pessoa no brasil.  O Brasil importa feijão há dez anos. Isso é suficiente para saber que a gente não está produzindo alimentos.

Isso atende a uma lógica do comercio mundial; não atende a uma coisa básica que é a alimentação. A gente perde em segurança alimentar, perde soberania alimentar. E a sociedade como um todo sustenta esse modelo agrícola, e não o contrário.

Debate para a humanidade

É preciso consciência para enfrentar essa situação. É preciso construir um projeto de nação que tenha como pano de fundo a questão do alimento, da segurança e da soberania alimentar.

“É preciso romper a subordinação da renda da terra ao capital”

A população está mais consciente, há experiências de agroecologia, que são tão ou mais produtivas do que as formas químico-dependentes, com ganho fantástico da saúde humana e da saúde ambiental.

É um debate para a humanidade. É preciso rediscutir a sociedade, o que a gente quer como pacto de civilidade, que projeto de nação a gente quer construir.

É preciso romper também com formas de comercialização que sempre tem um intermediário. É preciso romper a subordinação da renda da terra ao capital.

Na produção que é dependente dos insumos químicos, uma parcela da renda que seria do agricultor fica subordinada a essas cadeias. O financiamento bancário também subordina. São três as formas de subordinação da renda da terra ao capital: comercial, financeira e industrial.

Na produção agroecológica, com comercialização direta, há o rompimento com as três formas clássicas de subordinação. É muito emancipatório.

Ataques contra a ciência

“O conhecimento científico muitas vezes vai na contramão dos interesses econômicos” 

Os ataques servem aos interesses econômicos. A ciência é comprometida com o bem comum. É uma conquista da humanidade, de comprometimento ao bem comum, não subordinada aos interesses econômicos.

O conhecimento científico muitas vezes vai na contramão dos interesses econômicos. Na contramão de uma indústria riquíssima, do capital financeiro, de empresas transnacionais, tradings e da classe dos grandes proprietários nesses países.

Fonte: Brasil de Fato

http://xapuri.info/musa-do-veneno-notificada-ou-brasil-reduz-agrotoxicos-ou-russia-nao-compra-soja/

[smartslider3 slider=43]

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA

[instagram-feed]