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“Onipresença em tempos atuais: Mamãe eu morri!”

“Onipresença em tempos atuais: Mamãe eu morri!”
 
Texto dedicado ao povo brasileiro
 
 
Não podemos mais ser onipresentes como antes. Não podemos ir às ruas por causa da Covid e da violência.
Hoje o barro na rua, nessa roça tranquila e desértica onde moramos, impossibilitava-nos de caminhar até a praia.
 
Hoje não pudemos estar nas manifestações políticas em Brasília sobre direitos dos e nem nas do povo em luta, nem na Síria. O gás lacrimogêneo se alastrou por todo território nacional e internacional.
 
Hoje não pudemos ir às “Diretas Já”, nem ir ao enterro do estudante nesta ditadura, não temos dinheiro para o ônibus, para o trem, para o barco ou para o jegue. E nem para o lanche e estamos exaustos. Os cavalos dos militares e policiais estão a pisotear nossas cabeças.
 
Hoje não pudemos ir ao enterro de Marielle Franco. O dia de hoje não há aulas nas escolas e as crianças e jovens começam a adoecer na angústia do “querer conhecimento”. Há Covid, balas perdidas, violência de gênero, violência verbal, de raça, etnia, desemprego, miséria e os bandidos que não conseguiram estudar.
 
Hoje impera a corrupção. Não pudemos sair e assistir o desenrolar da nova Constituição de 1988. A idade já não permite quando se tem limitações e sem nas ruas, nas estradas da vida, nos ônibus, nos trens, nos aviões, nos planetas e nas estrelas. Os satélites nos empreitam. A Covid está no ar. O poderio governamental está no ar fétido a querer invadir nossas mentes e poluir nossos cérebros e corações.
 
Hoje não podemos sair, Adolf Hitler colocou todo seu exército nas ruas a assassinar os judeus e ao enviá-los à morte nas câmeras de gás disfarçadas de chuveiros. Querem fazer pousada forçada em nossas almas e energias.
 
Hoje só restou ver o céu cinza, as nuvens encorpadas, os respingos da chuva ácida e envenenadas em nossas almas e a fumaça doentia da queima das florestas.
 
Antes éramos onipresentes nos campos e cidades quando a Ku Klux Klan incendiou casas e celeiros, assim como os Lords o fizeram na África e na Ásia.
 
Nossas pernas e do povo empobrecido de todas as Américas caminhavam quilômetros e não cansavam. Os cavalos brancos e pretos dos Sioux, Navajos y hermanos podiam subir e descer . Saíamos atrás das galinhas e a brigar com os cachorros que queriam saborear-se com seus ovos.
 
Hoje as cordas de roupas lavadas com sacrifício dos braços e força de mamãe não arrebentaram. Ela não precisou mais lavar tudo de novo. Era greve geral e revolucionários estavam a postos. Hoje ela não cantou e não tocamos os instrumentos musicais: acordeon, violino, flauta, flautim, tuba, piston. Hoje ninguém debochou de nós, família pobre, ou preta, mas honradas e a quererem trabalhar e estudar.
 
Hoje acabou o fumo de rolo da vovó e sua cachaça infernal. Hoje ela não tinha mais forças para vender bananas na feira. Hoje ela morreu de pneumonia e tristeza. Assim morreu papai de tuberculose contraída da “Miséria do “Mundo” e assassinado.
 
Hoje às vozes emudeceram assim como os instrumentos. Hoje não conseguimos pão, lápis e papel…Hoje não caminhamos duas horas para chegar à escola. Estávamos presos em nossas próprias paredes psicológicas. Hoje nem pudemos ir ao brejinho espantar cobras e lagartos.
 
Nossos irmãos de sangue e arteiros não puderam mais fritar suas rãs pegas nos riachinhos. Hoje o mato parou de crescer. Não há mais húmus na . No dia de hoje as músicas pararam de soar e o sol ficou escuro, mas hoje teve angu com bofe e ontem, caldo de feijão engrossado com farinha de trigo feito por mamãe. Mas ontem nada tinha. E assim são os nossos dias.
 
Hoje os peixes dos rios, mares e lagoas morreram. As plantações secaram e o do empresariado chegou às casas dos ricos. Hoje, a noite chegou fria e suspeitosa.
 
Mamãe, mamãe !… Tenho dor de ouvido e de garganta! Quero gritar e a voz não sai… Quero enxergar e meus olhos embaçam, quero sentir e o coração dói. O que faço mamãe?
 
_”Hoje eu não pude viver e ver o sol tão alegre_”, disseram os que morreram de Covid-19.
 
Hoje já não sinto mais nada.
 
Eliane Potiguara – escritora indígena, militante da Resistência. 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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