Os cocos que Nice quebra
Maria Nice Machado Aires, mulher preta, quilombola do Maranhão, extrativista e ex-professora, mora na Reserva Extrativista da Baixada Maranhense, onde exerce a honrosa profissão de quebradeira de cocos.
Por Iêda Leal
Para sobreviver, Nice, como é chamada, quebra cocos nos babaçuais do município de Penalva. E é quebrando cocos que ela vai traçando sua trajetória de resistência, a partir dos saberes da territorialidade ouvida de seu pai, Apolônio, de Joana Birgona, sua avó, de Pedro Celestino, seu bisavô, de Sebastiana Ferreira, sua tia, e de Sátiro Costa, seu tio lutador.
São as referências de luta dessa sua ancestralidade negra que fizeram de Nice liderança respeitada na luta pelos direitos territoriais, sociais e ambientais de sua comunidade penalvense do Quilombo Saubeiro, onde ela viveu até os 14 anos de idade.
Do Saubeiro, pelas mãos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Nice alçou voo para atuar, em defesa do povo quilombola, em vasta região da Baixada Maranhense, que inclui os campos de babaçu nativo de Viana, Penalva, Monção, Pedro do Rosário, Santa Helena e Cajari.
Assim, ancorada no norteamento histórico de seu pertencimento, Nice, que se autodefine como quilombola, quebradeira de coco de babaçu e, quando a luta permite, cantora do grupo Encantadeiras, formado por quebradeiras de coco de babaçu do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará.
Sim, quando a luta permite, porque, desde os anos 1970, Nice vem reunindo lideranças de 180 comunidades quilombolas do campo, da floresta e das águas, hoje divididos em quatro territórios: Enseada da mata, Formoso, Monte Cristo e Sansapé.
Com seu povo mobilizado, Nice começa a organizar as primeiras associações da região, sediadas em casas feitas de taipa e cobertas de palha. É por meio dessas associações que o povo de Nice resiste contra a violência agrária, que tenta expulsar as famílias quilombolas de seus territórios.
Nice, eu ainda não conheço você. Sua história me chegou pelas mãos generosas da companheira Edel Moraes, do MMA. Mas eu sei que somos companheiras de luta e de partido. Seus mais de 40 anos de luta merecem respeito e reverência.
Peço sua licença para, em seu nome, homenagear todas as mulheres negras que, como você, quebrando cocos e cantando loas à vida, vão forjando esse Brasil inclusivo e forte que buscamos construir.
A benção, Nice!
Iêda Leal – Conselheira da Revista Xapuri
Em uma de suas gravações com Lucélia Santos, Chico Mendes explica, didaticamente, o conceito das Reservas Extrativistas, apresentado por ele mesmo durante o I Encontro do CNS, em 1985, em Brasília:
A proposta das Reservas Extrativistas é o seguinte: as terras [es] tão supostamente aí nas mãos dos grandes latifundiários. Em toda a área do Acre, apenas dez donos dominam todo o poderio de terras no Acre. Dez mandantes.
O que nós queremos é o seguinte: É que essas terras passem para o domínio da União, que o governo desaproprie essas áreas, que elas passem para o domínio da União, não do Estado, da União, e que elas se transformem em usufruto para os habitantes da floresta, ou seja, para os seringueiros.
E aí nós estamos colocando como proposta [o] cooperativismo, nós estamos colocando como proposta prioritária uma melhor forma de comercialização da borracha, a comercialização da castanha;
nós queremos criar indústrias caseiras para se dar prioridade às outras riquezas porque, veja bem, quando nós defendemos a Reserva Extrativista…
e quando nós defendemos e que nós apostamos que a Reserva Extrativista é economicamente viável para o Brasil, para a Amazônia e para a humanidade, é que nós não defendemos simplesmente hoje só a economia da borracha, não só a economia da castanha…
mas a copaíba, os produtos extrativistas que são vários em toda a região da floresta e que estão sendo destruídos: o coco da tucumã, o patoá, o açaí, a copaíba, outra série…
falta pesquisa nessa Amazônia, as árvores medicinais que é impossível ser[em] contadas, falta pesquisa…
Basta que o governo leve a sério e nos dê essa possibilidade que em pouco tempo nós vamos provar que é possível se conservar a Amazônia e transformar essa Amazônia numa região economicamente viável para o Brasil e para o mundo. Isso, nós temos clareza disso!
Francisco Mendes Alves Filho – Chico Mendes