Os seres das águas
Os seres das águas são muitos: ostras, caranguejos, tartarugas, iaçás e tracajás, lontras e ariranhas, certas cobras, jacarés, botos, mas, sobretudo, os peixes…
Por Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida
Os seringueiros classificam os peixes de vários modos: Uma das classificações mais abrangentes e óbvias é a morfológica. Mas aqui também há uma pluralidade de critérios possíveis: um, o mais comum, é o que distingue os peixes de escama, os de couro e os de casca.
No entanto, esse critério nem sempre prevalece: arraias e soias, de um lado, e poraquês, muçus e sarapós, de outro, são em geral mencionados como famílias à parte, e incluem tanto peixes de escama como de couro: nesses casos, é o modelo ou forma do peixe o critério de agrupamento.
Outros peixes difíceis de classificar, e que ocasionalmente são assimilados aos peixes de couro, são os cuiús e os bacus, que têm couro, mas também uma parte de casco.
Outra classificação genética assenta-se no tamanho: peixes grandes são uma categoria em si. Incluem a tambaqui e a pirapitinga (que são de escama), o cuiú e às vezes o bacu, além de muitos peixes de couro – surubim, vários jundiás (jundiá-preto ou açu, camisa-de-meia, manteiga, amarelo), caparari, filhote, dourado. Os seringueiros conhecem outros peixes grandes, como o pirarucu e o aruanã, que parecem não ocorrer na Reserva [Extrativista do Alto Juruá].
Dentre as alternativas classificatórias, vale a pena chamar a atenção para uma solução sui generis: os seringueiros parecem agrupar as famílias de peixes com critérios em que o termo “família”, de metafórico, passa a ser literal, ou seja, uma unidade cujos membros compartilham comida e tendem a se deslocar juntos. Portanto, são agrupados em famílias aqueles peixes que comem o mesmo tipo de comida e “viajam” juntos.
A viagem de que se trata aqui é a da piracema, a grande migração anual de várias espécies de peixes por ocasião do verão. Assim, por exemplo, a frecheira ou cubiú é tida por parente dos piaus, porque come lodo e semente como os piaus e “viaja” com eles na piracema.
O pacu, a piaba-chata ou reis, a matapiri e as piabinhas-mirim formam outra família, que inclui a sardinha, porque comem sementes e viajam em um mesmo grupo – isso apesar de a sardinha ter espinhas e os outros membros da família não.
A gata e a madalena também viajam nesse contingente, mas como têm um regime de alimentação diferente, por comerem piabinhas, não fazem parte da família. E o saburu é “quase” da família das piabas, porém não come semente, só lodo e lama.
Com esse critério implícito, peixes que não fazem piracema e cuidam dos filhotes – como o jacundá, o cará, o tucunaré, a traíra, o pirarucu – distinguem-se dos demais e, embora muito diferentes entre si sob outros aspectos, podem ser agrupados.
Manuela Carneiro da Cunha – Copiar do mês passado.
Mauro Almeida – Copiar do mês passado.
https://xapuri.info/e-quando-falha-a-memoria/