PAU PEREIRA: O PROFESSOR DO ABCERRADO

Pau Pereira: o professor do ABCerrado

O professor Flávio Paulo Pereira (Pau Pereira) passou sua infância em Planaltina-DF, tendo como espaço para brincadeiras o próprio Cerrado, que sempre lhe despertou grande curiosidade 

Por Lívia dos Reis Amorim

Pau Pereira ABCerrado 1 1

Por meio da observação e de suas vivências com a comunidade local, e com seus pais, que eram “raizeiros”, adquiriu imenso conhecimento empírico e consciência ecológica sobre a biodiversidade do Bioma Cerrado.

Mesmo sem possuir nenhum diploma relacionado ao assunto, é grande conhecedor das particularidades do Cerrado. “Pois, no Cerrado, não sou um observador distante, ou um visitante. O Cerrado é o contexto onde faço sentido. Faço parte dele. O Cerrado é o lugar do meu espaço-tempo: nele, eu sou”.

Pau Pereira é um artista nato, excepcional poeta, desenhista, pintor, escultor e músico, que vem consolidando um método de ensino com enorme eficácia, no qual trabalha o bioma Cerrado contextualizado com a realidade dos alunos.

A alfabetização se dá com o uso de objetos da cotidianidade do contexto social, físico e cultural dos alunos. A criança é envolvida e motivada de forma lúdica a participar de todas as atividades.  Tornando-se efetivamente um sujeito ecológico, aprende na prática as especificidades do ambiente em que vive, se sente parte desse espaço; responsável por sua preservação, desenvolve atitudes sustentáveis. Assim, a escola exerce seu papel, se torna capaz de melhorar a comunidade e preservar o ambiente em que está inserida.

Segundo o professor Pau Pereira, em 1999, ao iniciar suas atividades na Secretaria de Educação do Distrito Federal como professor da Escola-Classe Pipiripau, na zona rural de Planaltina-DF, percebeu que os alunos não demonstravam alegria durante as aulas; constatou que alfabetizar usando o E de elefante o Z de zebra parecia muitas vezes monótono e sem significado.

Então, com muita cautela e receio, começou a utilizar em suas aulas animais e plantas do Cerrado para auxiliar o processo de alfabetização. As professoras questionaram o professor sobre seu método de ensino, pois notaram a grande transformação no rendimento das crianças, que aprendiam com muita alegria. De acordo com o professor, seu objetivo era fazer com que os alunos aprendessem com prazer. E continua sendo.

Com o propósito de a escola ser lugar de alegria, o professor Pau Pereira vem a cada ano ampliando seu projeto denominado ABCerrado. A fauna e a flora passam a ser referência para as letras do alfabeto, trabalha-se a relação letra/som/fonema, formas, cores dentro de algo palpável, utilizando a musicalidade, a ludicidade e a transdisciplinaridade em todos os momentos, tendo o Cerrado como tema central.

Para complementar o projeto, o professor criou o bicho serrador e a MATOmática. No bicho serrador, os alunos coletam matéria morta do Cerrado para produção de esculturas, brinquedos, móveis e instrumentos utilizados na capoeira.

Na MATOmática ou matemática do mato, as crianças utilizam de forma lúdica quantidade de folhas e folíolos de árvores do Cerrado para conhecerem os números e realizar operações matemáticas de forma prazerosa. Uma aprendizagem de qualidade, em que os alunos tenham alegria e interesse em conhecer através das plantas e animais do Cerrado, esta é a proposta educativa do professor Pau Pereira.

Atualmente, o professor Pau Pereira atua na Escola Classe Córrego do Meio, em Planaltina-DF, onde desenvolve suas práxis educativa através de práticas ecológicas na educação infantil e nas séries iniciais. Ao acompanhar uma trilha guiada pelo professor Pau Pereira e alunos do 4º e 5º anos, confesso que não acreditei em um primeiro momento, mas é realidade, aprendizagem para a vida toda.

As crianças conhecem o lugar onde vivem –  sua flora e fauna, sabem seus nomes, suas características, o valor da biodiversidade do Cerrado e a importância de sua preservação. É surpreendente observar as crianças falarem com propriedade sobre plantas e animais do Cerrado, em poucos minutos aprendi muito com elas.

Muitos especialistas não têm o conhecimento que essas crianças adquiriram, confirmando a afirmação de Moacir Gadotti “a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação”.

O projeto ABCerrado recebeu o Prêmio EAP de melhor projeto da educação infantil (2002) e o Prêmio Tom do Pantanal da Fundação Roberto Marinho (2003), por estimular a valorização da sociobiodiversidade do Cerrado, melhorando a relação ser humano/natureza, pois prepara as crianças para uma aprendizagem baseada na natureza.

Para Altair Sales Barbosa, um dos maiores pesquisadores do bioma Cerrado, os educadores deveriam pensar que ainda é tempo de salvar o que resta do Cerrado, as escolas têm de trabalhar a consciência e não apenas o conhecimento. Sendo assim, o professor Pau Pereira com seu projeto ABCerrado deve ser exemplo a ser seguido por ser capaz de formar uma consciência ecológica nos alunos e estimular a construção do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades.

BEM-TE-VI

Bem-te-vi, bem-te-vi

Quando fui no Cerrado

Tava comendo pequi

Bem-te-vi, bem-te-vi

Quando eu ia no Cerrado

Ia caçar murici

Bem-te-vi, bem-te-vi

Acabaram com o Cerrado

E você fugiu daqui.

Pau Pereira Paisagem

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA

💚 Apoie a Revista Xapuri

Contribua com qualquer valor e ajude a manter vivo o jornalismo socioambiental independente.

A chave Pix será copiada automaticamente.
Depois é só abrir seu banco, escolher Pix com chave (e-mail), colar a chave e digitar o valor escolhido.