Paulo Souza Neto: O monge das boas causas

PAULO SOUZA NETO: O MONGE DAS BOAS CAUSAS

Paulo Souza Neto: O monge das boas causas

Pescar nos belos rios de Goiás, em especial no Araguaia e no Tocantins, era uma prática histórica. Caminhões, caminhonetas e carros comuns faziam filas nas estradas repletos de peixes, contrariando a lei. Não haveria autoridade ambiental ou policial que desse conta de tanta apreensão.

Por Jaime Sautchuk

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente partiu, então, pra conscientização. Criou uma ampla campanha denominada “Peixe não anda de carro” e conseguiu um baita sucesso. Fez a cabeça de famílias inteiras, crianças e mulheres com mais força, que viraram parceiros na defesa dos peixes e dos rios. E os rios voltaram a ser piscosos.

O autor de tal feito foi Paulo Souza Neto, então no comando da Agência Ambiental de Goiás. Era mais uma causa deste religioso, que já trajou batina redentorista e acredita que político e servidor público devem servir ao povo, com alma, não com visão profissional, que é o que ocorre hoje, em seu entender. E lhe causa certo desencanto.

De todo jeito, ele criou ou faz parte de uma série de outras atividades em defesa das águas de Goiás. No Araguaia, que no mês de julho se torna a praia dos goianos, há vários outros projetos que tratam de lixo, poluição de áreas verdes, dunas de areia e da própria água. São ações de governos de estados, prefeituras, ONGs e comunidades.

Ele nasceu e Ivolândia, pequena cidade do oeste goiano, surgida na década de 1930, com o garimpo de pedras preciosas, que atraiu hordas de baianos e mineiros. Esgotados os veios às margens do rio Claro, ficou um núcleo de famílias que formou a cidade, hoje com menos de três mil habitantes.

Seu pai, Juvêncio, era farmacêutico prático, mas ganhou a vida como alfaiate. Casou-se com Abadia Paes de Souza e, juntos, tiveram 12 filhos, nove homens e três mulheres. A mãe era uma dona de casa, mas trabalhava muito e teve grande influência espiritual sobre a filharada. Querer o bem a todos era o mote das conversas.

Arranjar estudo e empregos pra tanta gente na cidade era difícil. Assim, a família se mudou pra Goiânia, em 1969, quando Paulo iria completar sete anos.

Na Capital, as oportunidades, de fato, existiam. Mas as dificuldades também, e muitas.

Aos nove anos, Paulo já trabalhava em atividades diversas e logo se ligou a grupos da juventude cristã. Aos 19 anos, foi morar com os padres Redentoristas, no Seminário São José, na Vila Aurora, onde iniciou o curso Filosofia (completado mais tarde na UFG).

A Igreja desenvolvia, à época, o programa Comunidades Eclesiais de Base (CEB), que aproximava sua ação pastoral da cidadania. Nessas chamadas experiências inseridas, Paulo se juntou a outros seminaristas, sob a coordenação do padre Rubens Moraes, e foi morar em um bairro popular da periferia de Goiânia, Água Branca.

Voltou ao seminário por três anos e depois, como militante e agente pastoral, participou de várias outras ações das CEBs na periferia da Capital. Atuou no movimento de posseiros urbanos que ocupou várias áreas da cidade, hoje transformadas em bairros.

Essa atividade o levou a ser eleito vereador de Goiânia, em 1988. Na Câmara Municipal, concentrou suas ações em três temas: planejamento urbano, meio ambiente e mobilidade urbana. Dedicado, estudioso, disposto a arregaçar as mangas sempre que necessário, nas ruas, ele se tornou referência nessas questões.

Desistiu de se candidatar a novos mandatos por achar que a política parlamentar deve ser atividade passageira. Partiu, então, pra cargos no executivo, com o mesmo vigor e novos sonhos a tornar realidade.

Foi secretário municipal de Meio Ambiente, presidente do Instituto Municipal de Planejamento, da Agência Goiana de Meio Ambiente e também da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, dentre outras funções públicas.

“Faço uma avaliação positiva de minha atuação em todos eles. Contudo, existe um esgarçamento da gestão pública. O modelo atual ruiu e não serve mais. Infelizmente, foi contagiado pela política com “p” minúsculo. Pena”, afirma ele.

No decorrer dos anos, Paulo atuou em grande número de atividades culturais. Participou, por exemplo, do grupo que criou a Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), realizado anualmente, desde 1999, na Cidade de Goiás (Goiás Velho).

Mantém, do mesmo modo, sua atividade religiosa, que inclui visitas esporádicas a templos católicos e orações em diversos momentos do dia, como nas horas de refeições. E mantém fortes relações com setores progressistas da Igreja em diversas áreas. Mas adverte que “a igreja principal está em nossos corações”.

Nos últimos anos, ele tem se dedicado a estudar e praticar Comunicação Social, como forma de usar os meios disponíveis na mídia alternativa pra expor ideias e promover debates.

Atualmente, Paulo coordena um grupo técnico multidisciplinar sobre desenvolvimento municipal na Federação Goiana dos Municípios e, com um amigo, presta consultoria na área de planejamento municipal.

“O desafio é como repensar a gestão pública a partir da escala local, onde as pessoas vivem. A atual crise política, econômica e institucional expressa um modelo velho, já corroído pelas suas contradições”, explica ele.

Paulo é solteiro, por opção, mas namorador. É pai de uma filha, Lisa Pessoa Souza, de 20 anos, que cursa Direito na UFG e usa com frequência o quarto que tem no espaçoso apartamento de seu pai, no Setor Universitário, em Goiânia.

Ele prefere ficar em casa, só, como um monge a elaborar novas boas ações. Uma faxineira vai cuidar da limpeza da casa em alguns dias da semana. A comida, ele mesmo faz. Uma mistura de sucos e grãos dietéticos com a boa feijoada goiana, galinhada com pequi e essas coisas.

Publicado originalmente em 24 de ago de 2016

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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