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Por que me ufano do meu País

Dez razões por que me ufano do meu país

Por José Ribamar Bessa Freire

Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste! Criança, não verás país nenhum como este”.

(Olavo Bilac, Poesias Infantis, 1904)

Nesses tempos bicudos, muitos brasileiros andam cabisbaixos, com vergonha de nosso país, sobretudo quando tomam conhecimento dos fatos pela mídia nacional e estrangeira.

Convém levantar os ânimos e renovar as esperanças, seguindo o exemplo da irmã Consolata, nossa professora do Ginásio de Aparecida, em Manaus. No ano do golpe de 1964, ela leu e releu em sala de aula as “Poesias Infantis” de Bilac e o livro do conde Affonso Celso “Por que me ufano do meu país”, publicado em 1900. Lá, o escritor monarquista apresenta onze razões pelas quais podemos nos orgulhar do Brasil, entre as quais a diversidade e a beleza de sua natureza hoje agredida.

De lá pra cá, o Brasil mudou muito, a Mata Atlântica cedeu lugar a grandes empreendimentos que trouxeram o progresso como as barragens da Cia. Vale do Rio Doce em Mariana e Brumadinho. Temos assim que atualizar as razões para nos ufanarmos. É o que agora faremos.

 

1ª razão – O Brasil hoje é presidido por um estadista destemido e de raro brilho intelectual, como ficou claro na sexta-feira, 28 de junho, na reunião do G20 no Japão. Quando a chanceler Ângela Merkel veio com o mimimi de que a floreta Amazônica está sendo desmatada, provocando o aquecimento global, Bolsonaro, altaneiro, falou grosso com ela: “Em matéria de preservação, os alemães têm a aprender muito conosco. O presidente do Brasil que está aqui não é como alguns anteriores que vieram aqui para serem advertidos por outros países”. No olho! Tá pensando o quê? Os nossos rios podem estar poluídos, mas as crianças vão decorar a fórmula H2O. É preciso ter muito peito para dar um chega pra lá no país mais rico da Europa, o quarto maior parceiro comercial do Brasil, com um intercâmbio comercial que em 2018 atingiu US$ 15 bilhões. Não importa se isso pode prejudicar economicamente o Brasil. O importante é dar o troco, talquei?

2ª razão – O Brasil tem um ministro de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, que obedeceu ao capitão, e também botou quente: “Quem tem moral para falar da preservação do meio ambiente no Brasil? Estes países que criticam? Vão procurar a sua turma”.  Esses argumentos tiveram tanta eficácia que, segundo o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi por causa dessa porrada que Merkel começou a se tremer toda. Já Trump, da nossa turma, declarou que Bolsonaro “é um homem especial”.  Creia, nem em Tróia verás um Heleno guerreiro como este: “In Trump We Trust”.

3ª razão – Se o presidente viaja, temos um vice à altura. O sargento preso pela polícia da Espanha, transportando 39 kg de cocaína no avião da FAB, da comitiva do presidente Bolsonaro, nos envergonhou ante o mundo. Cadê a Segurança Institucional? Cadê a revista policial no embarque? O general Hamilton Mourão, para quem “a indolência dos índios e a malandragem dos africanos” formou o ethos nacional, teve a coragem desassombrada de colocar os pontos nos ii: o sargento é uma “mula qualificada”, ou seja “filho de padre”, “mula-sem-cabeça”, até que se conheça o chefe do tráfico.

4ª razão – Diga lá, meu amigo, qual o país do mundo que tem um ministro da Educação do naipe de Abraham Weintraub, cuja educação, delicadeza e senso de humor conseguem provocar riso generalizado do Oiapoque ao Chuí? Hoje, ele é a alegria dos brasileiros, seja “singing in the rain”, seja minimizando o episódio da cocaína complementar – ha, ha, há – que o “avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?” Ha! ha! há! Abraham representa esse humor refinado e inteligente característico do brasileiro. Um Zé Carioca da Disney.

5ª razão – Não existe em 193 países do mundo nenhum ministro da Justiça que, como o juiz Sergio Moro, foi capaz de romper regrinhas bestas da legalidade para condenar quem ele tinha certeza de que era corrupto, embora o procurador alegasse que as provas eram inconsistentes.  Lugar de corrupto é na cadeia, menos os corruptos do nosso lado. Por isso, ao mesmo tempo esse juiz durão, motivo de orgulho de todos nós, soube também ser misericordioso, quando perdoou Onyx Lorenzoni, réu confesso no uso de Caixa 2, “porque ele já admitiu e pediu desculpas”, ao contrário de Lula. Criança, não verás juiz nenhum como este!


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6ª razão – Criança, diz-me em que país do mundo um ministro do Meio Ambiente tem a coragem de um Ricardo Salles para propor uma política ambiental contrariando os ecochatos? Precisa ter aquilo roxo para querer transformar a Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, numa Cancún brasileira, aberta ao turismo internacional, gerando emprego e renda, como Brumadinho e Mariana. O ousado Salles não hesitou em chamar oito ex-ministros do meio ambiente, de diferentes partidos políticos, que criticaram sua política, de servirem a “um plano orquestrado de comunistas”.

7ª razão – Qualquer criança brasileira tem motivos de orgulho, porque a titular do Ministério da Agricultura é Tereza Cristina, pecuarista, líder da bancada ruralista.  Ela enfrentou Deus e o mundo para liberar os agrotóxicos no Brasil e não se importou de ser chamada de “Musa do Veneno” que chegará à mesa de quem não pode consumir orgânicos. Com bravura e galhardia, defendeu o uso de pesticidas, que matam todas as pestes, incluindo ambientalistas, índios, sem-terrra e movimentos sociais. Por via das dúvidas, ela não come o que produz.

8ª razão – Só alguém como o intrépido Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, podia “ajudar o Brasil e o mundo a ser libertarem da ideologia globalista pilotada pelo marxismo cultural”, ele disse, inaugurando inédita diplomacia nunca vista na face da Terra, o que é mais um motivo para o nosso ufanismo. Contrariando os historiadores, ele revelou para o mundo que “o fascismo e o nazismo são movimentos de esquerda”, sem se incomodar com o juízo do embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, para quem tal informação “é uma enorme besteira”.

9ª razão – Diga lá se você já viu em algum país do mundo uma ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que de cima de uma goiabeira falou com Jesus? Na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, ao ser questionada sobre se a mulher deveria ser submissa ao homem, respondeu que “sim, dentro da doutrina cristã, o homem é o líder do casamento”, criando assim um neofeminismo revolucionário.  Pronta para escrever um evangelho revisitado, criticou ainda com bravura a teoria evolucionista. É ou não é motivo de orgulho para todos nós?

10ª razão – Em qual país do mundo existe alguém como Fabrício Queiroz, um laranja que vira fumaça? Ou um ministro cítrico como Marcelo Álvaro Antônio, que tem a função de atrair turistas do mundo todo? Mesmo coberto de lama em plena atividade, com vários assessores presos por corrupção, ele não foge à luta.

Nem no país imaginário do poeta espanhol José Augustin Goytosolo encontramos motivos para tanto orgulho. No seu poema “El lobito Bueno”, ele sonhou com o mundo de cabeça pra baixo: “Era uma vez um lobo bom, que era torturado pelos cordeiros. Havia também um príncipe malvado, uma bruxa linda e um pirata honrado”.

Criança, não verás país nenhum como este!

José Ribamar Bessa Freire – Escritor, em www.taquiprati.org.br.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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