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Sonho de Lilo Clareto, Projeto Aldeias promove reconexão dos jovens de Altamira com as suas raízes

Sonho de Lilo Clareto, Projeto Aldeias promove reconexão dos jovens de Altamira com as suas raízes 

Iniciativa do Instituto Lilar tem o objetivo de estimular, por meio da e da educação, as trocas de saberes, o convívio social e o ambientalismo para a população atingida pela construção da Usina Belo Monte. Na imagem acima, alunos em sala de aula da comunidade Paratizão (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real/2018)
Por Nicoly Ambrosio/via Amazonia Real
Com o objetivo de fortalecer os laços comunitários em Altamira, no Pará, e incentivar os jovens da região a se reconectarem com a e com o rio Xingu, nasceu o Projeto Aldeias. Um sonho do fotojornalista Lilo Clareto, morto em 2021, e da ativista socioambiental Daniela Silva, o projeto conta hoje com participações voluntárias da própria comunidade e de profissionais sensíveis às causas da , como a jornalista Eliane Brum e o engenheiro de produção química Marcelo Salazar, e visa realizar atividades culturais e educacionais com crianças, jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e econômica, negligenciados pelo Estado.
A inquietação de Daniela e Lilo diante da situação dos moradores de Altamira deve-se principalmente à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, fato que mudou drasticamente o modo de vida dos moradores e da própria cidade. As famílias, que antes moravam à beira do rio e próximas a igarapés e à , foram removidas para os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), construídos nas periferias da cidade e com infraestrutura precária.
A mudança teve impactos, como o enfraquecimento dos laços comunitários e de vizinhança dos moradores, assim como dificultou o acesso das novas gerações ao rio e à , destruindo a sensação de pertencimento amazônico.

Daniela Silva com a filha em frente à imagem feita por Lilo Clareto durante a Mostra SP de Fotografia, na Vila Madalena
(Foto: @mostraspdefotografia)

“As crianças de Altamira vivenciam uma violência simbólica e física que a gente percebe que está ligada aos impactos sociais e ambientais da construção da hidrelétrica de Belo Monte. Porque antes as famílias de Altamira residiam no Centro, com acesso à escola, farmácia, supermercado, igreja e aos principais igarapés da cidade e ao rio Xingu, que é central para a gente entender a dinâmica da cidade. Então, as famílias tinham uma forte relação comunitária, construída há anos”, diz Daniela.
Ela lembra que essa relação chegava ao ponto de uma mãe deixar os filhos com a vizinhança quando precisava sair de casa por algum motivo. Era, segundo a ativista, uma rede comunitária forte, apesar da das políticas sociais e públicas. “Existia ali uma relação que ajudava as nossas famílias a terem uma vida comunitária de afeto e de cuidado mútuo”, reforça. 
A injustiça cometida contra as famílias de Altamira impulsionou Daniela a continuar o sonho pensado inicialmente em parceria com seu marido, o fotojornalista Lilo Clareto. Ele morreu em abril de 2021, vítima da Covid-19. A ativista lembra a angústia sentida por ela e Lilo quando, nos primeiros meses de 2020, mais de 10 jovens e adolescentes haviam cometido suicídio em Altamira, segundo o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Pará. 
“A gente sempre associou que esse contexto de desesperança entre os jovens está relacionado com a questão do impacto social da violência e a retirada do território, porque as famílias residiam em um lugar de uma forte rede comunitária e perto de onde havia lazer e, de repente, não têm mais isso e hoje estão mais para a periferia da cidade”, analisa.
Criado como iniciativa do Instituto Lilar, uma organização nova que está em construção pela família e amigos de Lilo Clareto, o Projeto Aldeias pretende a longo prazo fazer com que os jovens envolvidos se engajem na luta climática e socioambiental na região e que futuramente sejam tomadores de decisões e ocupem espaços políticos formais, influenciando nas decisões pautadas na luta pelo e pela Amazônia. 

Oficinas de fotografia

Lilo
Lilo Clareto no rio Xingu (Foto: Vinicius Honorato/ISA)

Para resgatar a identidade das famílias afetadas pelo contexto socioeconômico vulnerável em que a cidade se encontra são implementadas ações que envolvem toda a comunidade. “A gente propõe reconectar os jovens e suas famílias com o sentimento de pertencimento amazônico, com o rio (Xingu) e com a floresta. Sentimento que foi retirado a partir de Belo Monte. E para isso existe um conjunto de atividades e oficinas que trazem uma proposta mais cultural, artística e educacional. A gente pretende envolver a comunidade local para estabelecer um diálogo com o poder público”, afirma Daniela.
O Projeto Aldeias pretende também ter a fotografia e o trabalho audiovisual como carro-chefe, continuando o de Lilo Clareto. “Estamos planejando para as próximas atividades realizar oficinas de fotografia. O Lilo falava que queria muito fazer essas oficinas para as crianças contarem as suas histórias a partir do olhar delas, fotografando o cotidiano, mostrando a vivência através da fotografia”. 
Conforme o calendário de atividades, podem participar crianças e jovens na faixa etária de 4 a 25 anos. Todas as oficinas são participativas e mediadas por meio de rodas de leitura e conversa, aulas práticas com produções de poemas e fotografias, com base na metodologia do educador Paulo Freire.
As crianças e os jovens que participam do projeto são selecionados por meio de instituições sociais de Altamira, de acordo com uma avaliação sobre a vulnerabilidade social de cada um. 
Para Daniela, o trabalho do Projeto Aldeias vai além do contato com a natureza e o rio Xingu. Também alcança uma questão simbólica para os moradores da região, que diz respeito ao pertencimento amazônico, perdido no processo de construção de Belo Monte e da consequente mudança no modo de vida ribeirinho e interiorano de Altamira. 
“Eu sou da geração em que a gente matava aula para se banhar nos igarapés, a gente se reunia em volta dos igarapés. Hoje, esses jovens desses bairros (RUCs) estão sendo assediados pela criminalidade, com pouco acesso à e ao lazer, não se reconhecem amazônidas e isso é preocupante, porque não se reconhecer parte de algo significa não defender. Defender a Amazônia é de suma importância para os povos que residem aqui, a gente está vivendo um ataque muito grande de construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia, mineração e desmatamento. As crianças precisam ter um olhar especial para entender essas questões e entender que são fundamentais para o futuro”, conclui. 

GALERIA CRIANÇAS RIBEIRINHAS
Crianças e jovens na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Vitória de Souzel, no município de Senador José Porfírio
(Foto de Lilo Clareto cedida à Amazônia Real em 20/12/2017)

Para apoiar financeiramente ou se voluntariar ao Projeto Aldeias acesse: https://www.instagram.com/projetoaldeias/
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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