Quilombos da Amazônia seguem na luta contra a pobreza, poluição e quase escravidão

Descendentes de escravos que se refugiaram em quilombos esperavam que, ao receber seus títulos de terras, teriam , educação e um lugar na . A realidade é outra: entre pobreza, poluição e quase escravidão.

Na margem do Rio Trombetas, um afluente do , as mulheres estão sentadas nos pequenos ancoradouros de madeira, ao lado de um monte de roupas e louças, as crianças brincam na água em torno delas. Acima, subindo a margem íngreme, estão suas coloridas cabanas sobre palafitas, rodeadas de mangueiras e bananeiras, formando o Quilombo Boa Vista.

Quilombos eram as aldeias onde se refugiavam os escravos em fuga, e onde hoje vivem seus descendentes. Durante a época colonial e mais além, africanos foram escravizados e traficados para o Brasil aos milhões. Apenas 130 anos atrás a escravatura foi abolida no país. No entanto isso não resultou em melhores condições de para os libertados.

“No Brasil, simplesmente não há sentimento de culpa por se ter escravizado certos grupos por tanto tempo. Os políticos não consideram tarefa deles integrar essas pessoas, eles simplesmente as deixam excluídas e vulneráveis a tomadas de , latifundiários e empresas mineradoras. É uma catástrofe”, diz Raquel Araújo Amaral, diretora do Setor Quilombola do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Santarém, Pará.

43725429 404Raquel Araújo Amaral, do Incra: “No Brasil não há sentimento de culpa pela escravidão”

Desde 1988 a brasileira concede aos quilombos o direito às escrituras de suas terras, como uma forma de reparação. No entanto até hoje apenas 220 dos 3 mil quilombos do país possuem esse documento. O problema é que cada caso deve ser verificado individualmente, até a concessão são 20 passos administrativos.

Ao todo, isso pode exigir mais de dez anos, e no momento todo o processo de concessão está paralisado. “O governo cortou as nossas verbas. O motivo oficial é a crise econômica, mas a coisa simplesmente não tem importância suficiente para a política”, explica Raquel Amaral, cujo órgão para que trabalha é responsável pelo processo. Para os quilombolas, a terra onde vivem é mais do que solo: eles se definem a partir dela, ela é sua .

43725465 401Silhueta do guindaste paira sobre Quilombo Boa Vista, barulho e luzes perturbam dia a dia moradores

Uma nova escravidão

O Quilombo Boa Vista, situado na selva amazônica, foi o primeiro do país a receber seu título de propriedade, em 1995. Seus habitantes estão em condições bem melhores do que muitas comunidades. No entanto, seguem enfrentando problemas.

A apenas dois quilômetros da aldeia erguem-se desde a década de 70 os prédios vermelhos da Mineração Rio Norte, extratora de bauxita. Quando lavam roupa na beira do rio, as mulheres veem o guindaste de transporte, as sirenes as impedem de dormir, os grandes navios de contêineres assustam os .

“Nossa comunidade sofre desde que a empresa chegou aqui. Lá onde eles estão extraindo bauxita eram os nossos campos”, conta a moradora Claudinete Cole de Souza, de 37 anos. “Hoje, nós somos totalmente dependentes da firma. Trabalhamos lá por um salário baixo e em más condições, nós nos sentimos como escravos. Mas aqui não tem outro trabalho, e nós precisamos ganhar dinheiro, porque não há mais campos nem peixes.”

43725447 404Quilombola Claudinete Cole de Souza: “Vamos ficar aqui e vamos apoiar os outros”

Há muito, denunciam os moradores, a mina poluiu a água e o ar, embora não haja estudos oficiais sobre a qualidade da água. Este seria um caso para as diversas organizações ambientais ativas na região. “Enquanto a companhia mineradora fizer tudo de acordo com a legislação vigente, não podemos fazer nada”, explica Marcelo Borges, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Estamos vivendo agora um momento em que as leis ambientais são enfraquecidas, atacadas mesmo, pelo governo, a favor das mineradoras e do agronegócio, para que os empresários tenham mais liberdades”, acusa a quilombola Claudinete de Souza, apoiando a cabeça nas mãos. “Estamos totalmente sós, aqui. Como a terra nos pertence, nós temos que lutar sozinhos. Mas a gente não tem advogados.”

Nas mãos dos poderosos

Há anos, o Quilombo Boa Vista luta para receber indenizações condizentes. “O governo dá o título de propriedade e isso é tudo”, diz Rogério de Oliveira Pereira, da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO), da qual Souza é presidente.

“Assim que a escritura é entregue, as pessoas estão por conta da própria . Aí vêm empresas, madeireiros e latifundiários e reivindicam as terras e recursos.” Ninguém contara com isso, admite Rogério Pereira. “Nós pensávamos que o título de propriedade também fosse nos proporcionar educação, saúde e uma presença na política. Infelizmente não é nada disso.”

Ele é pessimista em relação ao : “Nós sofremos muito com a situação da política no Brasil. O patrocínio estatal vai sendo cortado, muita coisa que nós conseguimos em décadas de lutas. Os títulos de propriedade vão muito longe. Quem vai nos ajudar, agora que Lula está na prisão?”

Porém Claudinete Cole de Souza se mostra combativa: “Nossa terra está contaminada e água, poluída. Mas nós vamos ficar. E vamos apoiar os outros quilombos na luta deles pela terra.” Ela está sentada à precária mesa de cozinha, ao seu lado a filha faz o dever de casa à luz de velas. Pela janela, além das copas das árvores, ela olha o céu fortemente iluminado pelos holofotes da mina de bauxita.

ANOTE AÍ:

Fonte: Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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