Raoni: “Se a floresta for destruída, não é só o índio que vai morrer”
Os poderosos preparam-se para acabar com as reservas florestais. A diversidade cultural e a própria condição humana estão em risco
Por Nirlando Beirão/Carta Capital
A antropologia deu errado. Aquela antropologia que começou a se desenhar na segunda metade do século 19, na trilha da expansão colonial dos impérios europeus África adentro, para decifrar os nativos e, assim, propiciar para os invasores as ferramentas de submissão mais sutis do que a ostentação das armas.
A antropologia deu certo. Antropólogos e etnólogos acabaram descobrindo o fascínio de seu objeto de estudo, ao perceberem a riqueza cultural e a densidade humana dos povos a quem os poderes autoinvestidos do monopólio da “civilização” desprezavam como exóticos, excêntricos, quando não “primitivos”.
A percepção de que as tribos humanas são diferentes, sem que isso signifique a primazia de uma sobre a outra, sedimentou a travessia de milhares de antropólogos e etnólogos por um largo acervo de culturas africanas, asiáticas, norte e sul-americanas. Os povos chamados selvagens foram buscando uma respeitabilidade nem sempre fácil de ser reconhecida.
No Brasil, o fluxo de pesquisadores franceses recrutados por ocasião da inauguração da USP, nos anos 1930 e 1940, desviou-se a princípio para o estudo de outra cultura igualmente polimórfica, oprimida, desprezada e eventualmente clandestina nos subterrâneos da cultura branca dominante.
A cavalaria da milícia sonha em aniquilar as reservas das 225 etnias restantes. Sem o índio, o ecossistema falece
Já os povos indígenas do Brasil foram brindados pelo estudo de campo daquele que foi considerado o mais renomado antropólogo do século 20. O belga de formação francesa Claude Lévi-Strauss internou-se, na segunda metade dos anos 1930, nas profundezas de Mato Grosso e frequentou as comunidade Bororo e Kadiwéu. Em 1938, organizou a Expedição Serra do Norte, com apoio do Museu do Homem, de Paris, estendendo seu interesse científico aos Nambikwara, Mundé e Tupi-Kawahib.
Ali, entre os menosprezados silvícolas do Centro-Oeste, um Lévi-Strauss de 20 e poucos anos começou a fecundar aquela que seria sua obra da maturidade, a mais revolucionária: O Pensamento Selvagem (1962). Mesmo as comunidades iletradas são capazes de produzir sistemas de apreensão da realidade, de conhecimento do mundo, de produção simbólica de mitos e lendas de uma extrema sofisticação – por que não? – intelectual. Uma das mais citadas frases de Lévi-Strauss diz: “Para serem felizes, os cidadãos dos países ricos precisariam incorporar algumas lições das sociedades primitivas”.
A perspicácia de antropólogo e o amor pela fotografia conduziram Lévi-Strauss até as aldeias do asfalto. Em contraste com os “selvagens da floresta”, despejou sua fina ironia naquela São Paulo que se espelhava na Europa, mas que não conseguia ser senão provinciana e caipira.
Fonte: Carta Capital – com edições da Redação Xapuri