Contra o olvido do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips…
Por Pedro Tierra
I.
A urna silenciosa
protege dos meus olhos
a carne destroçada
de um homem morto.
Essa é a insuportável verdade
que meus olhos
e meu coração
recebem das mãos de um estado cúmplice.
Para iludir o espanto do país
diante do horror,
do horror que nos assalta
(e nos define),
a urna mortuária cerca
no contorno de sua madeira opaca,
lacrada,
os ”remanescentes” do corpo
a caminho do pó e do esquecimento.
Alessandra: Poderá o poeta atender
à dimensão da dor que me devasta o peito?
À palavra que a língua recusa proferir?
Ouço a voz de Beatriz
quando o coro dos Xucuru entoa o Toré,
nessa tarde gris
e semeia as cinzas de Bruno
num caminho de estrelas
em véspera de explodir.
Sei que não haverá urna capaz
de encerrar sonhos partilhados.
E não haverá como prender
a canção que cavalga
os ombros do vento,
o voo das araras
vermelhas, azuis, canindés…
sobre o vale do Javari,
a ternura entoada
pela voz de povos-criança,
últimos descendentes
da inocência do mundo.
Curiosa gente
que designamos selvagens,
antes de matá-los.
II.
Reerguer a memória da tarde.
Inscrever, na pedra, no metal,
no silício,
em todas as telas que fragmentam
nossa percepção do real,
os nomes: Bruno Pereira,
Dom Phillips.
Como um sinal.
Cortados assim à fogo
que a um só tempo queima e ilumina.
Para nos condenar à vigília
e manter acesa a memória da barbárie.
E dizer a quem nos queira ouvir:
somos a nação que pratica
e recusa a barbárie.
E fundir, por fim, com a luz de suas vidas
uma aliança como a que resta
na palma de minha mão.
Uma aliança que clama por justiça
contra a maldição do olvido.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.
Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.
Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
P.S. Você que nos lê pode pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapui.info. Gratidão!
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