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Será fusão mesmo ou apenas fim do Ministério do Meio Ambiente?

Tudo o que você queria saber sobre o fim do Ministério do Meio Ambiente (mas não podia perguntar no posto Ipiranga)

Perguntas e respostas sobre a (con)fusão ministerial que está tirando o sono de ambientalistas e até de ruralistas

Ilustração: Thales Gaspari

Ilustração: Thales Gaspari
Em suas primeiras 48 horas de governo de transição, Jair Bolsonaro já criou cizânia: dois de seus principais assessores, Ônyx Lorenzoni e Paulo “Posto Ipiranga” Guedes, afirmaram na terça-feira (30) que as pastas de Meio Ambiente (MMA) e Agricultura (Mapa) serão fundidas, afinal. A hipótese fora aventada por Bolsonaro na campanha, mas descartada nos últimos dias do segundo turno por outro assessor, Nabhan Garcia.A promessa causou protestos no país inteiro, tanto de ambientalistas quanto de representantes do preocupados com as exportações do setor, como o ministro Blairo Maggi (Agricultura). O ministro Edson Duarte (Meio Ambiente) soltou no dia seguinte uma nota protestando. Uma petição pública contra a fusão obteve 745 mil assinaturas em dois dias.Pressionado, Bolsonaro ensaiou o recuo do recuo do recuo e disse ele mesmo à imprensa nesta quinta-feira que, “pelo que tudo indica”, serão dois ministérios. Até o presidente se decidir, segue o suspense. Nestas perguntas e respostas você entenderá por que eliminar o MMA é uma péssima ideia.

1 – O Ministério do Meio Ambiente vai acabar?

De acordo com os anúncios feitos por Jair Bolsonaro durante a campanha, confirmados na última terça-feira (30) pelo futuro ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, e meio que desmentidos por Bolsonaro na quinta-feira, vai. O termo que o governo eleito está usando é “fusão”, mas fusão é quando se juntam duas coisas de características distintas para produzir uma terceira. Todas as declarações do governo eleito sobre o tema foram no sentido de submeter a agenda ambiental à agrícola, inclusive tendo alguém ligado à agricultura no comando da pasta. O nome correto é “extinção”.

2 – Mas outros países também não fizeram isso?

Hm, não. Nenhum grande produtor de commodities e nenhum país com as dimensões do tem essa junção ou submissão. Nos EUA, na Índia, na China, no Canadá, no México, na Argentina e na Espanha as pastas são separadas. Na Austrália Meio Ambiente incorpora Energia; na Alemanha, integra segurança nuclear; na Holanda, atribuições do Ministério do Meio Ambiente são divididas em três pastas: Infraestrutura e Gerenciamento Hídrico, Agricultura, e Qualidade Alimentar e Economia e de Clima. No Reino Unido, agricultura e meio ambiente são unidas no Defra (Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais). No Reino Unido a junção faz sentido, porque 56% do território do país é composto por pastos e lavouras e cerca de 30% por ambientes naturais. No Brasil a proporção é inversa. Além disso, no Reino Unido, como na Holanda, existe um ministério separado para mudanças climáticas, unido com Energia. Nos dois países europeus, buscou-se a transversalidade das políticas, mas priorizando o meio ambiente.

3 – Qual é a justificativa técnica para a fusão?

Não foi apresentada nenhuma. Ao contrário, a proposta visa submeter um órgão regulador a um setor regulado. Mal comparando, seria como deixar adolescentes numa escola encarregados de vigiar a própria e lançar as próprias notas no boletim.

4 – É viável juntar as duas pastas?

Na prática não. Além de implementar o Código Florestal e fiscalizar o , o Ministério do Meio Ambiente cuida de agendas que não têm nada a ver com a agricultura. Na área urbana, por exemplo: zoneamento ambiental urbano, Plano Nacional de Adaptação, certificação de prédios públicos e implementação da Política Nacional de . Também trata de licenciar, via Ibama, atividades industriais e o setor de petróleo. Dos 2.800 processos de licenciamento no Ibama, só 29 têm relação com agropecuária. Além disso, cuida de mudanças climáticas, qualidade ambiental, poluição de águas e poluição do ar. Por meio da Agência Nacional de Águas, o MMA outorga uso de água para cada usina hidrelétrica do país. Além disso, todos os veículos automotores do Brasil são homologados pelo Ibama. Então, para que a junção acontecesse, o resultado seria um Frankenstein administrativo.

5 – O Brasil precisa de um Ministério do Meio Ambiente independente?

Sim. Nenhum país do tem as características ambientais do Brasil: a maior biodiversidade do planeta, mais de 50% do território coberto por vegetação nativa, a maior floresta tropical e maior bacia hidrográfica do mundo, uma agricultura tropical fortemente dependente de chuvas e quase 30% do território coberto por áreas protegidas, entre e terras indígenas. Esses ativos são cruciais não apenas para a qualidade de vida, mas também para a economia: por exemplo, 80% da energia hidrelétrica do país é gerada por rios que nascem em ou passam por unidades de , e o maior projeto de mineração de ferro do planeta está dentro de uma unidade de conservação no Pará. Submeter esse patrimônio à agenda de um único setor da economia significa prejuízo potencial a outros e a toda a sociedade.

6 – Mas e a tal “indústria de multas” do Ibama, não prejudica o produtor?

O argumento da “indústria de multas” usado por Bolsonaro é tão real quanto o Kit Gay e a mamadeira com bico em forma de pênis: são fake news propagadas na campanha. O Ibama mantém há uma década um número constante de operações anuais contra o crime ambiental, cerca de 1.500. O valor total de autuações aplicadas tem-se mantido igualmente constante, em torno de R$ 3 bilhões. Em média, desse total, apenas 5% é de fato pago, porque os infratores recorrem administrativamente e em quatro instâncias judiciais. O próprio Bolsonaro, autuado em R$ 10 mil por pesca ilegal numa unidade de conservação em 2012, até hoje não pagou sua multa. Além disso, apenas 20% do valor arrecadado fica na área ambiental: 80% vai para o Tesouro. É difícil falar em sanha arrecadatória quando o dinheiro não fica no órgão que aplica as multas.

7 – O que aconteceria se o Ministério do Meio Ambiente acabasse?

O país pararia, já que todas as obras de grande porte dependem de licenciamento do Ibama. Dezenas de milhões de dólares em convênios com órgãos internacionais ficariam com aplicação suspensa. O desmatamento dispararia, diante da perspectiva de impunidade – como disparou em 36% nos quatro meses de campanha eleitoral, com 80% de elevação somente em agosto e setembro deste ano. A violência no campo cresceria, com mais assassinatos de ativistas, num país que já é o que mais mata ambientalistas no mundo. E haveria perdas generalizadas na agropecuária.

8 – Por que a agropecuária perderia?

Porque o Brasil não existe isolado no mundo: ele vende suas commodities, como soja e suco de laranja, no mercado externo. Somente em 2017 o Brasil exportou US$ 96 bilhões em produtos agrícolas, o que contribuiu em grande parte para o superávit recorde de US$ 67 bilhões na balança comercial. A existência de uma governança ambiental no país é lastro de grande parte dessas exportações, já que bancos estrangeiros que aderem a princípios internacionais de salvaguardas ambientais (os chamados Princípios do Equador), como o IFC (braço privado do Banco Mundial), financiam o agronegócio. Além disso, uma explosão no desmatamento ou na violência no campo daria justificativa a países para cancelar acordos comerciais ou impor barreiras não-tarifárias a produtos brasileiros como biocombustíveis. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é grande produtor de soja e sabe disso tudo – daí ter manifestado oposição à fusão.

9 – Quem ganharia, então?

O ganho seria sobretudo político para alguns representantes da bancada ruralista, que poderiam vender às suas bases uma vitória sobre o meio ambiente. No curto prazo, também ganhariam os pecuaristas menos tecnificados, que produzem para o mercado interno com baixíssima eficiência e querem acesso fácil a terras baratas.

10 – Bolsonaro pode submeter o Ministério do Meio Ambiente ao agronegócio sem extingui-lo formalmente?

É até mais fácil: basta fazer como que Donald Trump fez nos EUA e botar uma pessoa ligada ao agronegócio no comando da pasta. Já sinalizou que poderá fazê-lo, dizendo que não quer “nenhum xiita” à frente do MMA. Este é um desejo antigo da bancada ruralista, inclusive, que pode finalmente ser satisfeito.

ANOTE AÍ

Fonte: Observatório do Clima

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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