Thiago de Mello: Poeta da Resistência

Thiago de Mello: Poeta da Resistência

Por Kleytton Morais

Thiago de Mello, o grande poeta da Resistência, partiu deste mundo em 14 de janeiro de 2022, aos 95 anos. Escreveu muito,  lutou muito, sonhou muito, fez do verso arma do esperançar. Dele e nosso. Como legado, nos deixou  “Os Estatutos do Homem”,  escrito no Chile, no mês de abril do ano de chumbo de 1964, como sua expressão mais profunda de crença na humanidade. Nós, do Sindicato dos Bancários de Brasília, nos somamos à Revista Xapuri nas homenagens ao imortal Thiago de Mello.

 OS ESTATUTOS DO HOMEM

(Ato Institucional Permanente)

Thiago de Mello

A Carlos Heitor Cony

Artigo I – Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que, de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II – Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III – Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV – Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem, que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único – O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.


Artigo V –
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.


Artigo VI –
Fica estabelecida, durante os séculos da vida, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII – Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada da alma do povo.

Artigo VIII – Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama sabendo que é a água que dá a planta o milagre da flor.

Artigo XIX – Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal do seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X – Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

Artigo XI – Fica decretado por definição que o homem é o animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII –
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com imensa begônia na lapela.

Parágrafo único – Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII –
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final – Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante, a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Kleytton Morais – Presidente do Sindicato dos Bancários Brasília. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Foto: Acervo TaQuiPraTi. 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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