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TUÍRE KAYAPÓ CONVOCA LUTA CONTRA O MARCO TEMPORAL

TUÍRE KAYAPÓ CONVOCA LUTA CONTRA O MARCO TEMPORAL

Tuíre Kayapó convoca luta contra o : ‘O branco só quer destruir a nossa

Na luta desde a década de 1980, liderança convoca sociedade para barrar o marco temporal: ‘vamos lutar juntos’

Por Fernando Neto e Danilo Pontes/Mídia Ninja
Publicado originalmente no Brasil de Fato

Na última terça-feira, dia 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) 490, conhecido como PL do Marco Temporal. Entre outros retrocessos, o texto prevê que os povos indígenas só terão direito às terras que ocupavam em 1988, ignorando a ocupação ancestral do território pelos povos, muito antes da chegada dos invasores portugueses.

O placar foi tranquilo para os ruralistas e demais adversários da das terras indígenas: 283 a 155, sendo que apenas PT, PSOL, PCdoB e Rede orientaram o voto contra o projeto. Agora, o projeto vai passar por votação no Senado. Em paralelo, a discussão sobre a constitucionalidade da tese será retomada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 7 de junho.

Foi para falar sobre essas e outras batalhas que Tuíre Kayapó, lutadora histórica pelos , recebeu o Brasil de Fato em uma associação indígena em Belém (PA), onde estava hospedada. Ela estava acompanhada por seu marido, o cacique Dudu, que traduziu suas palavras na entrevista que aconteceu no sábado, dia 27, antes da aprovação do PL 490 pela Câmara.

Em 1989, Tuíre colocou um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, durante uma audiência sobre a construção da usina de Belo Monte, que anos mais tarde seria concluída a despeito de protestos dos povos indígenas.

TUÍRE KAYAPÓ CONVOCA LUTA CONTRA O MARCO TEMPORAL
Foto de Tuiré Kayapó encostando um facão no rosto de um representante da Eletronorte foi capa da revista Manchete, em março de 1989/ Reprodução

Tuíre confrontou com um facão os que insistiam em colocar motosserras sobre sua cabeça e a de seus parentes todos os dias. Agora, após décadas de luta pela preservação da Amazônia e dos territórios indígenas, Tuíre enfrenta uma nova batalha. Hoje, sua arma é a fala.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato: Na última terça-feira (30), a Câmara dos Deputados aprovou o PL do Marco Temporal, que agora vai para votação no Senado. Caso o projeto se torne lei, quais impactos ele trará para os povos indígenas e para a Amazônia?

Tuíre Kayapó –  Eu mando o recado para todos do Brasil, para todas as etnias. Eu peço para não deixar, para lutarmos juntos. Não deixem. Eu peço para todo mundo. Nós vamos lutar. Nós temos apoio do pessoal americano, do interior, e várias pessoas que estão nos ajudando. Não somos só nós não.

Por isso eu peço à todas as etnias do Brasil e aos brancos que estão nos ajudando. Nós vamos lutar juntos. E como meu nome é representante da Nação Kayapó, eu não aceito o Marco Temporal. Eu não aceito. Jornalista pode levar o meu recado para divulgar até no Congresso, para todo mundo ouvir minha conversa. Eu não quero Marco Temporal. Onde tem terra sobrando?

Não tem nenhuma floresta sobrando, na floresta não tem nenhum vazio. Tudo tem nome, tem dono. Somos nós índios. O pessoal poderia tirar dos ruralistas, tirar dos fazendeiros. Tem muita fazenda grande, tem que plantar alguma coisa para ele, tem que dividir para o pessoal dele. Mas da minha Amazônia eu não quero que tire, eu não quero. Por isso que eu não quero Marco Temporal.

Qual a relação que os Kayapó têm com o seu território? Por que as Terras Indígenas são tão importantes para vocês viverem e darem continuidade à sua cultura?

Tuíre Kayapó – Nossa vida é a floresta, a Amazônia. Estamos sempre vivendo na floresta, no rio. Nós nos acostumamos a morar dentro da Amazônia, porque a Amazônia está lá nos guiando. Lá nós nos alimentamos bem e não tem doença, nenhuma doença. Por isso o pessoal não pode destruir nossa Amazônia, nossa floresta.

TUÍRE KAYAPÓ CONVOCA LUTA CONTRA O MARCO TEMPORAL
Foto: Juliana Pesqueira/Anmiga

Eu não quero. Porque senador vive na cidade, deputado vive na cidade. Eles não moram dentro da floresta. Nós não, nós vivemos na floresta, na Amazônia. Por isso que eu não quero o Marco Temporal, eu não quero.

Eles deveriam fazer alguma coisa, algum programa deles para dentro da cidade. Eles só querem fazer os programas deles, projetos deles, dentro da nossa reserva, nossa floresta, nossa Amazônia. Essa terra aqui é nossa. Nós que vamos criar algum projeto, que vamos fazer algo dentro da nossa floresta. Eles não, eles estão na cidade.

Por isso eu não quero Marco Temporal. Porque eles não podem prejudicar a minha comunidade. Eu quero que defendam para todo mundo, para o Brasil inteiro. Para ter a nossa comunidade. Está vendo que eu estou no mato ainda? Será que algum senador já entrou na minha floresta, já comeu fruta?

Durante o governo Bolsonaro, os povos indígenas sofreram ataques constantes. Apesar do Congresso eleito ser muito conservador, esperava-se que com a eleição de Lula os povos indígenas viveriam momentos de paz. Como você vê mais esse ataque, em um momento em que se esperava progresso nas pautas indígenas?

Tuíre Kayapó – No tempo do governo anterior, de Bolsonaro, quando ele era governante do país, logo ele entrou e já começou criticar os índios, e fez muitos ataques também. Por isso, nós índios começamos a fazer reuniões de mobilização grandes.

Nós fizemos para a gente combinar de votar em outro governo. Por isso nós votamos para o governo Lula. Porque o governo Lula estava ajudando o índio, porque ele fez demarcação, estava homologando muita terra indígena. E aí quando ele assumiu, ele criou o Ministério Indígena para nós.

Mas o partido do governo Bolsonaro ainda está no Congresso, por isso ele estava criticando o trabalho do atual governo. Esse projeto do Marco Temporal é do partido de Bolsonaro. Por isso que senador, deputado do Bolsonaro, dentro do Congresso, eles são contra nós e contra o serviço do Lula e estão querendo tirar a do partido dele.

Desde criança eu sou cacique da nação indígena, não acaba como política. Bolsonaro já saiu, seu mandato já acabou, ele não tem poder para mais nada. Mas quem está criticando, ainda, é o partido dele. Por isso, eu estou falando para vocês ouvirem, que a minha história não acaba, não é política.

Política é cada pessoa que entrou e tem o projeto dele, história dele para fazer, aí quando o mandato dele acaba já está parado. Aí alguém entra e manda tudo parar, e aí começa outro. Nós não.

Quais são as estratégias do Kayapó, em conjunto com outras etnias, para impedir que o Marco Temporal seja transformado em lei?

Tuíre Kayapó –  Nossa estratégia, nossas etnias todas já foram reunidas para fazer grande mobilização. Porque o pessoal do Mato Grosso já saiu para lá [Brasília]. Lá do sul também vão sair amanhã. E Kayapó também, tem três povos Kayapó que vão para lá. No dia de votação lá no Tribunal estará todo mundo lá. Por isso que o pessoal estava me ligando direto. Eu estou doente, aí mandei só recado para lá, no Congresso. Minha força é toda para os indígenas.

Além do Marco Temporal, há outras ameaças à Amazônia em curso. Os projetos de extração de petróleo na chamada Margem Equatorial, o , o garimpo etc. Eu queria que você falasse um pouco sobre essas ameaças.

Tuíre Kayapó –  O Marco Temporal tem muito interesse em nosso petróleo, tem garimpo, minério, madeira, óleo, nossa Amazônia tem. Por isso que o branco estava se sentindo ameaçado com a gente, nós não deixamos, não deixamos. Eu não deixo. Porque o branco só quer destruir a nossa Amazônia, até o nosso indígena, a minha comunidade. Porque se deixar aprovar o Marco Temporal uma criança vai morrer, adulto vai morrer. Por isso eu não quero, eu não aceito.

A Amazônia é importante na preservação do planeta e na luta contra o . Preservar e demarcar as terras indígenas é, também, preservar o planeta. Gostaria de ouvir sobre a importância da Amazônia para o planeta e para as futuras gerações, não só dos povos indígenas, mas também de todas as pessoas.

Tuíre Kayapó –  A , porque nós queríamos preservar… É uma questão global. Nós queremos preservar a nossa Amazônia para ficar frio. Nuvem chega em cima da folha e vem descendo, pela raiz, até os solos. Nós vamos ficar com saúde, e nós que vamos plantar alguma coisa para crescer boa, o alimento nosso, para gente alimentar.

Até a caça, peixe, estavam alegres. Castanha, açaí, bacaba, tem muita fruta no mato para ficar alegre, e nós também ficamos. Vida boa, muito boa. Tem muito pessoal que está destruindo o mato, a Amazônia, a floresta. Onde só tem campo, aí tá quente, quente, quente. Aí onde a caça vai alimentar, onde? Onde o pessoal vai banhar?

Não, isso aí é prejudicado demais, tem que ter mato para preservar, para ficar bom para nós, ficar frio. Porque isso aí é o trabalho do nosso pai, Deus. Ele não quer também, para não destruir o serviço dele.

Fonte: Mídia Ninja      Capa: Mídia Ninja

TUÍRE KAYAPÓ CONVOCA LUTA CONTRA O MARCO TEMPORAL
Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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