Eduardo Meirelles Uma breve introdução ao lawfare brasileiro

Uma breve introdução ao lawfare brasileiro

Uma breve introdução ao lawfare brasileiro

“Precisamos urgentemente de uma solução para as vítimas de processos corrompidos”

Por Eduardo Meirelles

Por volta dos anos 60, golpes militares passaram a ser frequentes em países da América Latina, onde governos democráticos eram depostos e substituídos por ditaduras militares que perseguiam, torturavam e matavam oponentes. Para conseguir centralizar e organizar estes golpes existia um plano, denominado Condor, orientado pelo governo dos EUA. Os anos se passaram e os imperialistas perceberam que precisavam mudar seu modo de operação nestas nações cujos líderes de esquerda passaram a apresentar reais riscos à manutenção dos EUA como potência mundial. 

O como um todo tomou ódio e horror às ditaduras como as que ocorriam nas décadas de 60 e 70. Os EUA tiveram que adaptar o modelo de destruição dos seus inimigos. A deixou de ser feita pelos fuzis e passou a ser feita pelas leis. O judiciário passou a ser o meio para a destruição dos oponentes aos objetivos estadunidenses. Nas últimas duas décadas, líderes que implementavam projetos desenvolvimentistas foram depostos por meio de processos judiciais nos países latino-americanos. Eram mandatários de nações soberanas que estavam no rumo de fortalecer suas indústrias e economias a ponto de se tornarem competitivas com o eixo norte da América.

Para frear o desenvolvimento dessas nações emergentes e impedir que competissem com o “senhor do norte”, era necessário que fossem enfraquecidas e desacreditadas. Era necessário criar um conflito interno, colocar irmãos para brigarem entre si enquanto os ladrões entravam em sua casa e roubavam seus bens de maior valor e destruíam o que estava sendo construído. Sucatear para se tornar presa fácil.

Era um absurdo para os interesses estadunidenses, sobretudo para as nações do Trópico de Câncer, que os países em desenvolvimento cooperassem entre si, como foi o caso do BRICS e criassem um banco que competisse com o FMI (Fundo Monetário Internacional) que empresta dinheiro às custas da penalização e do sofrimento dos das nações menos desenvolvidas. 

Era uma afronta aos poderosos que empresas brasileiras crescessem e passassem a concorrer em igualdade de condições com as do chamado primeiro mundo. O conteúdo nacional, instituído já em 2003 pelo governo do PT para garantir a presença da indústria nacional no setor de e gás, era uma afronta à potência hegemônica. Algo precisava ser feito. 

Lawfare é guerra. Guerra jurídica. O termo lawfare = “law (lei) + warfare (guerra)” é inglês, pois é uma estratégia cuja teoria foi criada e desenvolvida nos EUA para ser aplicada em países que estão abaixo deles na pirâmide alimentar do capitalismo. Sendo uma guerra, há um inimigo a ser destruído. A forma de destruição é acusá-lo de , assim, o mundo todo desenvolve seu ódio irracional aos que são acusados do crime. O simples fato de se fazer uma denúncia contra alguém, por mais que ela venha a ser inocentada na primeira etapa do inquérito, já a torna inimiga número 1 da nação. A pessoa é hostilizada, torturada e condenada no tribunal da mídia e das consciências antes mesmo de apresentar a sua defesa. A mídia é parte crucial dessa guerra.

O lawfare é uma guerra híbrida. Combina ações midiáticas e judiciais como operações policiais espetaculosas, prisões cautelares e julgamentos transmitidos pela TV como grandes espetáculos, quando, na verdade, são shows de horrores, onde abundam ilegalidades e violações aos princípios constitucionais e onde agentes do Judiciário são transformados em superstars e “salvadores da ”. Na maioria das vezes, a defesa sequer é ouvida e provas de inocência são ignoradas. O lawfare tem um foco: a destruição do inimigo, pois é uma guerra. Harry S. Truman não queria saber se quem morresse com a explosão da bomba atômica sobre Hiroshima era culpado ou inocente, ele queria apenas destruir.

O Brasil foi o principal laboratório do método que passou a ser testado por meio da Ação Penal 470, conhecida como mensalão. O governo do presidente que emergiu da classe trabalhadora era um disparate para os poderosos. Como ousa, um metalúrgico pernambucano, afrontar a hegemonia dos EUA? Como ousa colocar preto e pobre no orçamento, e pior, colocá-los em universidades junto com os filhos dos patrões? Lula precisava ser aniquilado. Desde que parou de dizer que tinha horror à política e começou a organizar a fundação do PT que tentam lhe imputar a pecha de corrupto. Ele precisava ser destruído. Mesmo que para isso, inocentes fossem condenados. 

O mensalão foi a tentativa de interromper o governo do prendendo seus principais líderes. Fracassaram em prender o ex-presidente, mas foram exitosos em tachar a pecha de corruptos no partido, em seus líderes, filiados e simpatizantes. Foi vitorioso em torturar moralmente e psicologicamente suas vítimas, além de destruir as suas carreiras, reputações, vidas e famílias. Os acusados tiveram suas defesas ignoradas em um julgamento repleto de ilegalidades e pagam o preço até os dias de hoje.

A guerra não se encerrou. Na sequência da AP 470, veio a chamada “operação lava-jato”, que desencadeou e deu munição para o golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff e, em seguida, a prisão ilegal do ex-, candidato favorito às eleições de 2018, levando Jair Bolsonaro ao poder. 

O lawfare não acabou. As ilegalidades da lava-jato foram premiadas, Sergio Moro e sua esposa foram eleitos, Deltan Dallagnol, o do powerpoint, foi eleito. Declararam “lava-jato vive”. O que estamos fazendo para blindar o novo governo petista de operações que seguirão o mesmo modo que operou mensalão e lava-jato? O que estamos fazendo para cuidar das vítimas? O que estamos fazendo para impedir que os operadores do lawfare sigam atuando livremente? 

Agora, lava-jato vive e tem mandato parlamentar. Precisamos urgentemente de soluções para detectar e neutralizar o lawfare visando defender a soberania nacional, o democrático de direito e a , esta última, para que não seja sequestrada por maus promotores e juízes. 

Precisamos de soluções, dentre elas: lei que tipifique o lawfare como crime; criar uma comissão permanente no Congresso Nacional para detectar o lawfare e impedir que prossiga; uma estrutura administrativa no Ministério da Justiça para analisar as leis existentes que favorecem ações de lawfare e propor novas leis para impedi-lo; criar uma estrutura no Itamaraty para intercambiar experiências internacionais a fim de combater o lawfare e garantir a nossa soberania; credenciar e preparar escritórios de advocacia para atuarem na defesa da nossa soberania e contra o lawfare; propor e ajustar currículos universitários para formar pessoas com conhecimento e capacidade para enfrentar o lawfare. E mais. Precisamos urgentemente de uma solução para as vítimas de processos corrompidos. Precisamos falar em anistia para todas as vítimas do lawfare.

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https://xapuri.info/dor-nao-passa-enquanto-existir-ameaca/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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