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Uma história que vem da África

Uma história que vem da África

Era uma vez um político, também educador popular, chamado James Aggrey. Ele era natural de Gana, pequeno país da África Ocidental. Até agora, talvez, um ilustre desconhecido. Mas, certa feita, contou uma história tão bonita que, com certeza, já circulou pelo mundo, tornando seu autor e sua narração inesquecíveis.

Por Leonardo Boff

Como muitas pessoas provavelmente não tiveram a oportunidade de conhecer sua história, nem de conhecer seu país, vamos imediatamente falar um pouco de Gana e relembrar aquela história.

Gana está situado no Golfo da Guiné, entre a Costa do Marfim e o Togo. Sua longa história vem do século IV. Alcançou o apogeu entre 700 e 1200 de nossa Era. Naquela época havia tanto ouro que até os cães de raça usavam coleiras e adornos com esse precioso metal. 

No século XVI, Gana foi feita colônia pelos portugueses. E por causa do ouro abundante chamavam-na de Costa do Ouro. Outros, como os traficantes de pessoas escravizadas, denominavam-na também de Costa da Mina.

No século XVIII, época do chamado ciclo da Costa da Mina, vieram dessa região, especialmente para a Bahia, cerca de 350 mil pessoas escravizadas. Com eles vieram e foram incorporados muitos elementos de sua cultura. O uso medicinal das folhas (ewé) que curam somente quando acompanhadas de palavras mágicas e de encantamento. 

E sua religião, o iorubá ou o candomblé, que possui uma das teologias mais fascinantes do mundo. Faz de cada pessoa humana uma espécie de Jesus Cristo, quer dizer, um virtual incorporador dos orixás, divindades ligadas à natureza e suas energias vitais. 

As pessoas eram negociadas em troca de fumo de terceira. Refugado por Lisboa, esse fumo era muito apreciado na África por causa de seu perfume. Dizia-se até: “A Bahia tem fumo e quer ‘escravos’; Costa da Mina tem ‘escravos’ e quer fumo; portanto, façamos um negócio que é bom para os dois lados”.

A maioria das pessoas escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar nos Estados Unidos vieram também da região de Gana. 

A pretexto de combater a exportação de pessoas escravizadas para as Américas, a Inglaterra se apoderou dessa colônia portuguesa. De início, em 1874, ocupou a costa e, em seguida, em 1895, invadiu todo o território. Gana perdeu assim a liberdade, tornando-se apenas mais uma colônia inglesa. 

A LIBERTAÇÃO COMEÇA NA CONSCIÊNCIA

A população ganense sempre demonstrou forte consciência da ancestralidade de sua história e muito orgulho da nobreza de suas tradições religiosas e culturais. Em consequência, foi constante sua oposição a todo tipo de colonização. 

James Aggrey, considerado um dos precursores do nacionalismo africano e do moderno pan-africanismo, fortaleceu significativamente este sentimento. Ele teve grande relevância política como educador de seu povo. 

Para libertar o país – pensava ele à semelhança de Paulo Freire – precisamos, antes de tudo, libertar a consciência do povo. Ela vem sendo escravizada por ideias e valores antipopulares, introjetados pelos colonizadores.

Com efeito, os colonizadores, para ocultar a violência de sua conquista, impiedosamente desmoralizavam os colonizados. Afirmavam, por exemplo, que os habitantes da Costa do Ouro e de toda a África eram seres inferiores, incultos e bárbaros. Por isso mesmo deviam ser colonizados. De outra forma, jamais seriam civilizados e inseridos na dimensão do espírito universal.

Os ingleses reproduziram tais difamações em livros. Difundiam-nas nas escolas. Pregavam-nas do alto dos púlpitos das igrejas. E propalavam-nas em todos os atos oficiais.

O martelamento era tanto que muitos colonizados acabaram hospedando dentro de si os colonizadores com seus preconceitos. Acreditaram que de fato nada valiam. Que eram realmente bárbaros, suas línguas, rudes, suas tradições, ridículas, suas divindades, falsas, sua história, sem heróis autênticos, todos efetivamente ignorantes e bárbaros.

Pelo fato de serem diferentes dos brancos, dos cristãos e dos europeus, foram tratados com desigualdade, discriminados. A diferença de raça, de religião e de cultura não foi vista pelos colonizadores como riqueza humana. Grande equívoco: a diferença foi vista como inferioridade!

Processo semelhante ocorreu no século XVI com os indígenas da América e com os colonizados da Ásia. E ocorre ainda hoje com os países que não foram inseridos no novo sistema mundial de produção, de consumo e de mercado global, como a maioria das nações da América Latina, da África e da Ásia. 

Elas são consideradas “sem interesse para o capital”, tidas, em termos globais, como “zeros econômicos”, e suas populações vistas como “massas humanas descartáveis”, “sobrantes”, do processo de modernização.

São entregues à própria fome, à miséria e à margem da história feita pelos que presumem serem os senhores do mundo. Esses mostram, por isso, uma insensibilidade e uma desumanidade que dificilmente encontra paralelos na história humana. 

leonardoboff1 ViomundoLeonardo Boff Teólogo e escritor, em A águia e a galinha – Uma memória da condição humana – 30ª edição. Editora Vozes, 1997. Pintura: Divulgação/ Johann Moritz Rugenda

 

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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