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Uma sociedade justa é o que nós desejamos

Uma justa é o que nós desejamos

Se a sua necessidade for grande e o seu desejo pequeno, você receberá delicioso alimento.”
Muskil Gusha, comentário sufi.

Por Lucélia Santos

Basicamente não poderíamos deixar de falar do COVID-19, dessa Pandemia que está assolando toda a humanidade. Gostaria de refletir sobre isso, estabelecer alguns pontos de comparação entre a sociedade brasileira e a portuguesa. Isso será evidentemente uma reflexão conjuntural, mas necessariamente, quando mergulhados na realidade dos dois países, estaremos enfrentando uma questão estrutural.

Portugal é um país com governo socialista, uma sociedade que busca o equilíbrio do ponto de vista social, econômico, cultural e ambiental. Estive recentemente a viver por nove meses em Lisboa. Trabalhando na TVI. Retornei ao em março de 2020, ou seja, há dois meses.

Exatos quatro dias depois da minha chegada foi declarada pela Organização Mundial de Saúde, a Pandemia. Esse termo em si já é assustador, a nossa vida passou a ser dentro das nossas casas. Nunca mais sai de casa desde que voltei de Portugal. Não me queixo disso, ao contrário, tem sido um período extremamente rico e de grande aprendizagem.

Tenho família em Portugal, meu filho, minha nora e minha neta. Pude, portanto, acompanhar o comportamento e as ações sociais em Portugal com muita atenção. A maneira como o governo português tratou a pandemia e os cidadãos. Senti-me segura vendo daqui e acompanhando todos os passos.

Enquanto isso, no Brasil, estamos sendo obrigados a viver uma experiência de demência pura. Bolsonaro, nosso presidente, principal mandatário e principal responsável pela República brasileira não respeita nem o seu cargo nem o seu povo, nem assume responsabilidade sobre a nação. Numa atitude totalmente egoísta, debocha da doença, a subestima, influencia negativamente a população, induzindo as pessoas a não cumprirem a quarentena e o isolamento social. Dá maus exemplos indo pras ruas todos os fins de semana sem máscara e abraçando seus seguidores fanáticos.

Está descumprindo essa atividade mínima que é onde a sociedade poderia efetivamente participar para o controle da disseminação da doença, que está se tornando uma grande desgraça no Brasil. Ontem em 24 horas morreram quase mil pessoas, números sempre subestimados. Segundo avaliação científica e de especialistas, o que eles admitem hoje que são 349.113 contaminados na verdade já são muito mais. Os hospitais estão já em grande número de brasileiras colapsados.

Uma coisa que me causa grande dor é ver os profissionais de saúde expostos por não terem equipamento adequado e necessário para sua proteção. Eles estão cumprindo profissionalmente as suas atividades de forma heróica, todavia é imenso o número de profissionais da saúde contaminados com COVID-19 no Brasil.

Isso me faz pensar: será que não existe um fórum internacional de direitos humanos e ética em que se pudesse enquadrar uma pessoa como Bolsonaro? Exatamente por estar praticando as coisas mais hediondas como está no momento dessa tragédia internacional? Creio que a humanidade está alerta e percebendo tudo o que está acontecendo aqui. Todavia é fundamental denunciar. Por que é escandaloso, absurdo, criminoso, fora de qualquer parâmetro e extremamente dramático.

Bolsonaro na verdade tem o apoio da sociedade brasileira em 30%. Os que votaram nele. Ele não cresceu, nem iria, pois não conseguiu cumprir o projeto econômico prometido para a sociedade. Antes do coronavírus e da pandemia, a situação econômica no Brasil já estava fora de controle. Ele não conseguiu equilibrar as finanças, tudo o que Paulo Guedes prometeu, não aconteceu. Antes da doença se estabelecer, o dólar já era o mais alto desde há muito tempo para os brasileiros. Quando cheguei há dois meses o dólar estava a cinco por um.

O fato é que o governo está usando a pandemia como escudo pra se defender da sua incompetência flagrante. E sua incompetência e vulgaridade estão enterrando friamente milhares de brasileiros sem cerimônia e sem adeus.

Bolsonaro está construindo um exército miliciano de fanáticos. São pessoas ricas, de classe média alta, com dinheiro, carros importados, blindados, muito caros, que o apóiam. É gente do agronegócio, são grileiros, invasores de terra, madeireiros e mineradores, os garimpeiros ilegais. Em diversos estados brasileiros onde, geralmente, encontram-se as comunidades indígenas e quilombolas, além dos e extrativistas, gente que vive da terra, dos rios, da , portanto do equilíbrio ambiental que esses invasores afetam e destroem.

Pessoas que andam pelas ruas enrolados na bandeira brasileira, nos aviões, nos bares, nos restaurantes. São arrogantes, agressivos, podem ser violentos. Temos tido vários casos de agressões públicas dessa gente na frente do STF, do Congresso, contra a imprensa de modo geral e contra os jornalistas. Contra o Congresso Nacional, que querem fechar. Contra os enfermeiros, os médicos e profissionais de saúde.

Gente que desfila com adesivos nos carros pedindo a volta do AI-5 e, sinceramente, acho que eles não têm ideia do que tenha sido o AI-5.

A situação está insustentável. Hoje o obituário chegou a 22.165 mortos. Não são apenas números, estatísticas, são seres humanos. São pessoas que poderiam ser nossos familiares, podiam ser nós mesmos. A capa do jornal O Globo de 10 de Maio dramaticamente tratou disso, trazendo os nomes de todas as dez mil vítimas de então e com a manchete ’10 mil
histórias’. Enquanto isso, do Planalto Central, um demente criminoso inescrupuloso e cruel, um homem mau, que foi eleito presidente da República, debocha dos mortos. Acompanham- no pessoas desse mesmo nível de perversidade, chegando ao requinte de irem para as ruas fazer encenações de deboche sobre os mortos e a pandemia.

Tudo parece ser uma estratégia de Bolsonaro, bastante competente ao que tudo indica. Ele está usando a pandemia para fazer passar seus projetos políticos espúrios na calada da noite. Hoje o que mais preocupa é o Projeto de Lei 2633/2020, que dá continuidade à medida provisória MP 910, a MP da Grilagem, que trata de legalizar a invasão em terras indígenas e nas reservas florestais. Se nada for feito imediatamente de forma frontal, a Floresta Amazônica, a e o , serão completamente destruídos no próximo ano, nos próximos meses. Parece que esse presidente foi contratado pelo próprio demônio para acabar com o Brasil e com todas as nossas riquezas e patrimônio nacional.

Todas as bobagens e ações piadistas de Bolsonaro acontecem apenas para tirar atenção e o foco do que realmente importa. É uma estratégia. Enquanto as pessoas discutiam o churrasco que ele queria fazer para os amigos no dia em que se batia recorde de mortos pelo coronavírus, ele pressionava a votação da MP 910, um projeto pessoal dele. Creio que nesse momento toda humanidade deveria prestar atenção ao que está acontecendo no Brasil, e reagir fortemente pela preservação das florestas, das nossas fauna e flora, e dos nossos irmãos índios, quilombolas, extrativistas e todos os povos originários. Os verdadeiros donos da terra. E que estão sendo expulsos e humilhados como sempre. Temos que ter auxílio internacional para barrar as atrocidades de Bolsonaro. Há uma classe brasileira de pessoas que o apoiam que estão vampirizando a nação.

Mudanças de comportamento social, um verdadeiro abrir mão de excesso de consumo, de consumo desnecessário, seriam muito bem-vindos e absolutamente necessários nesse momento pra se entender o que é necessidade e o que é desejo. A sociedade de consumo atual, desejada pelos bolsominions, constituída como está pelo abuso, pelo exagero e pela luxúria tem de ser apagada do mapa.

Temos de pensar uma sociedade onde as necessidades de todos possam ser atendidas. Onde haja segurança alimentar, saúde, educação, escola e universidade, e . E onde haja, acima de tudo diversão, lazer e .

Essa, a sociedade da necessidade, e não a do desejo, a que eu espero poder ainda vivenciar nessa minha encarnação. Para já, peço atenção aos brasileiros, do que estamos passando por aqui, as nossas necessidades reais e, sobretudo, culturais. Espero podermos conseguir passar por tudo isso e sairmos mais dignos, mais alertas, mais humanos, solidários e compassivos, irmãos. Unidos no espírito comum. E com arte, amor e sol abundante para juntos celebrarmos a vida.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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