Violência no Campo: Como sobrevivem as lideranças rurais juradas de morte

Juradas de morte: como sobrevivem lideranças rurais em meio ao aumento da violência no campo

rurais que não abrem mão da terra são ameaçados por madeireiros, fazendeiros e até empresas mineradoras por todo o país. Enfraquecimento na política de reforma agrária é apontado como principal fator para escalada de assassinatos.

Antes das 19h, Osvalinda Pereira tranca a porta, fecha as janelas e não sai mais de casa no de Assentamento Areias, em Trairão, no Oeste do Pará. Ela e o marido, Daniel Pereira, estão jurados de . “A expectativa é de chegar alguém aqui e fazer o pior”, diz a assentada.

Há duas semanas, cavaram duas covas e fincaram duas cruzes, uma para ela e outra para o marido, na última ameaça feita pelos madeireiros que exploram ilegalmente o local onde o casal vive. O ato macabro foi deixado no quintal deles.

covasDuas covas foram cavadas no quintal da casa de Osvalinda e Daniel no que foi entendido como mais uma ameaça contra o casal. Foto: arquivo pessoal/ Osvalinda

Osvalinda e Daniel não são coniventes com o crime ambiental dos madeireiros. Pelo contrário, ela preside a associação de mulheres e desenvolve atividades que buscam diversificar as formas de das 300 famílias do Projeto de Assentamento Areias, criado em 1998.

A militância incomoda os criminosos, que usam as estradas do assentamento como rota para o contrabando de madeira. As ameaças são constantes nos últimos seis anos. Motocicletas com homens armados e encapuzados rodeiam a casa do casal.

Assim como Osvalinda e Daniel, em todo o Brasil lideranças rurais que lutam pela terra e pela água são ameaçados por madeireiros, grileiros, fazendeiros e até mesmo por grupos ligados a empreendimentos privados e do Estado. A Repórter Brasil reuniu 10 depoimentos no vídeo Jurados de Morte. São relatos de pessoas que vivem sob risco constante na Bahia, , , Tocantins e Pará.

As ameaças estão inseridas em um contexto de aumento da violência no campo nos últimos anos. De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017 foram registrados 1.431 conflitos no campo com 71 mortes. É o maior número de assassinatos desde 2003, quando 73 morreram por conflitos rurais.

O período de 2015 até 2017 é classificado pela CPT como “ruptura política”, que inclui o primeiro ano do turbulento segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) e o atual governo de Michel Temer (MDB). A média de morte em conflitos no campo neste período é de 60 por ano. Entre 2007 e 2010, no segundo mandato de Lula (PT), a média foi de 28.

Série de mortes em Anapu

Um dos locais onde a violência cresce é Anapu, no Sudoeste do Pará, onde foi assassinada a missionária norte-americana Dorothy Stang em 2005. Em um acampamento na região conhecida como Gleba Bacajá, onde a freira foi executada, uma sequência de assassinatos já tirou a de três pessoas da mesma família. O último crime ocorreu neste domingo, quando o assentado Leoci Resplandes de Souza foi morto a tiros em frente da sua casa.

Em janeiro, o tio de Leoci, Valdemir Resplandes, foi executado com tiros nas costas. Em 2015, o primo de Leoci, Hércules Santos de Souza, também foi morto ao sair de uma festa em Anapu. “Todas as mortes precisam de uma linha comum de investigação, pois são crimes ligados à disputa pela terra”, afirma a defensora agrária de Altamira, Andrea Barreto.

O assassinato não foi uma surpresa. Na terça passada, portanto seis dias antes da morte de Leoci, a sua mãe, Iraci Resplandes, procurara a defensora. Ela comunicou que observava a movimentação de pessoas suspeitas, algo semelhante ao que ocorreu antes da morte de Valdemir.

“Foi dado sinal verde para o poder privado soltar as asas e pegar o que puder”, afirma Jeane Bellini, integrante da coordenação nacional da CPT.  Bellini avalia que há uma relação direta entre a falta de ação do estado e a violência no campo. “O governo tem se ausentado”, afirma.

O antropólogo e pesquisador dos conflitos fundiários na Amazônia, Igor Rolemberg, destaca algumas medidas, como a redução orçamentária à reforma agrária e o bloqueio do acesso ao crédito rural por parte de 500 mil famílias assentadas, como fatores que acirram a violência no campo.

“Se por um lado o governo deixa de criar assentamentos, por outro a demanda por terra não deixa de existir por parte das famílias acampadas ou em ocupações”, explica.

A política do governo de Michel Temer é ampliar a emissão de títulos individuais de propriedade, em detrimento de apoio aos assentamentos. Entre 2015 e 2016, enquanto a emissão de títulos individuais aumentou de 1.222 para 7.356, a quantidade de famílias assentadas caiu de 26.335 para 1.686 no mesmo período.

Com essa política, o governo deixa de investir na infraestrutura e o apoio para que o pequeno agricultor permaneça e produza na terra, pois assentamentos exigem a construção de estradas, escolas e postos de saúde, além de financiamento para o plantio.

Conflitos podem piorar

“Se não houver mudança política eu não vejo como mudar esse quadro”, entende Jeane Bellini, da CPT. Na análise da coordenadora da comissão, a situação pode piorar. “Quem mandou pistoleiros e ameaçou no ano passado pode consumar o fato em 2018”, afirma.

Esse é um dos temores de Ednaldo Padilha, da comunidade Camaputiua, em Carajari, no Maranhão. Cabeça, como Ednaldo é conhecido por todos na região, é um líder comunitário e já participou de diversas ações de resistência contra a entrada dos latifundiários nas terras quilombolas.

As lutas renderam diversas ameaças veladas até que, em setembro do ano passado, dispararam três tiros na casa dele.  Cabeça procurou a polícia e chegou a ficar dois meses fora em um programa de proteção à pessoas ameaçadas de morte. Ele não tem dúvidas sobre a das ameaças. “Quem ameaça são fazendeiros e políticos locais que querem tomar a terra da gente”, afirma.

A CPT divide os conflitos em quatro tipos: por terra, pela água, trabalhistas e a última categoria que envolve outros casos: confrontos em tempos de seca, os ligados à política agrícola e ao garimpo.

Em , 66 pessoas estão inseridas em um programa de proteção aos ameaçados de morte do governo estadual. O maior grupo, com 17 pessoas, é de conflitos com empresas mineradoras.

O casal Vanessa e Reginaldo dos Santos integra a lista. Eles tomaram a frente na luta contra o empreendimento da mineradora Anglo American. Após a construção do mineroduto, tiveram que deixar o sítio onde viviam na comunidade Cabeceira do Turco, pois a casa passou a tremer. “O minério passa a 24 metros da minha casa. Todas as propriedades próximas tremem”, afirma.

O casal mudou para um imóvel alugado pela mineradora em Conceição do Mato Dentro e, ao se oporem a um projeto expansão da mineração solicitando judicialmente o cancelamento de uma audiência pública, passaram a ser perseguidos.

Um jornal local publicou matéria com o nome deles e dos outros três autores da ação. Depois disso, passaram a receber ameaças sob o argumento de que estariam atrapalhando o desenvolvimento econômico da cidade. Um dos autores da ação junto com o casal, Elias Souza, chegou a ser agredido fisicamente.

“Recebi um bilhete dizendo que eu seria a próxima”, afirma Vanessa, que relata ser constante motoqueiros buzinarem na porta da casa dela de madrugada. Além das ameaças, Vanessa reclama de não conseguir emprego na cidade. “Somos taxados de ser contra a mineração. Não somos. Nós somos contra as violações de direitos que a mineração faz”, afirma.

ANOTE AÍ:

Fonte: http://reporterbrasil.org.br/2018/06/juradas-de-morte-como-sobrevivem-liderancas-rurais-em-meio-ao-aumento-da-violencia-no-campo/

Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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