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WILSON ROCHA: OS DEUSES ANTIGOS

WILSON ROCHA: OS DEUSES ANTIGOS

Poemas de Wilson Rocha

“Os deuses antigos, os deuses da floresta, davam a tudo um sentido e a todo ser um destino”

Por  Alma Acreana

MEMORABILIA

Os deuses antigos, os deuses da floresta,

davam a tudo um sentido e a todo ser um destino.

A alma criadora dos deuses estimava

as fontes que as donzelas acolhiam

e os seus longos cabelos derramados

ao regozijo do vento oferecia.

Mas as dádivas dos deuses são precárias.

A primeira imagem da vida no tempo

ao negro sol da morte está unida, tal como

o ter a água uma essência musical

e terem as pedras a forma do silêncio.

 

VOLUPTATIBUS PERFLUENS

A mão tenho metido no teu seio – Camões

Rapariga das colinas, amada entre as cabras

que a longa memória dos deuses não esquece.

Os frutos cantantes, os cabelos e os seios

e seus abismos brandos florescendo.

Com o sol dos dias longos e os pássaros

dava-se o seu ser como uma fonte.

Primavera de vinho e de loucura

era a respiração e o calor de sua nudez,

como o virtuoso Catulo celebrava.

E a nuvem do púbis tinha a cor da rosa-chá,

ó rapariga das cabras, papoula de fogo.

Seus murmúrios de prazer compunham eternidades

(e a nossa fortuna durou um breve tempo)

que a longa memória dos deuses não esquece.

 

CANÇÃO DO EXÍLIO

a Silvia de Leon Chalréo

Um sabiá cantando

em meu coração.

Mar azul, sol amarelo,

luar, tristeza, violão.

E a Bahia tão longe,

negra minha, meu amor.

Dorme, dorme, meu país,

palmeiras, saudades, calor. p.93

 

O TEMPO NO CAMINHO

Os homens caminhavam mansamente,

pisando a sombra das flores.

Depois, pisaram as flores e os frutos.

Vieram vindo, vieram pisando.

Pisaram terra, povo, coração, rosa.

Pisaram a criança e a mãe.

Pisaram a moça e o que era dela,

o vestido claro, a cabeleira escura.

Pisaram os irmãos, o coração, a rosa.

WILSON ROCHA 

Wilson Rocha nasceu em Cochabamba, Bolívia, em 1921, e faleceu em Salvador-BA, em 2005. Era irmão do também poeta Carlos Eduardo da Rocha, acreano de Brasiléia. Fundou, com outros, a revista Caderno da Bahia, que renovou no após-guerra o panorama das artes e das letras na Bahia.

Dedicou-se à crítica de arte desde 1949 e foi membro da Association Internationale des Critiques d’Art, de Paris, e da Associação Brasileira de Críticos de Arte, do Rio de Janeiro. Tradutor de poetas ingleses, norte-americanos, franceses, italianos e espanhóis.

Colaborou em numerosas publicações literárias do Brasil, Portugal, Suíça, Espanha e outros países, e nos jornais Diário Ilustrado, de Lisboa, O Estado de S. PauloDiário de São PauloCorreio Paulistano e outros. Esteve vinculado ao Clube de Poesia do Brasil e à Revista Brasileira de Poesia e colaborou nas revistas de poesia Távola Redonda e Cadernos do Meio-Dia, de Portugal, Cuadernillos de Poesía, da Argentina, e Papel de Poesía, do Uruguai.

Figura nas antologias Poesía brasileña contemporánea, de Gastón Figueira, Montividéu, 1947; Poemas de amor de poetas brasileiros contemporâneos, de Pedro Moacir Maia, Bahia, 1950; 

Antologia da poesia brasileira moderna, de Carlos Burlamaqui Kopke, São Paulo, 1953; Antologia poética da geração de 45, de Milton de Godói Campos, São Paulo, 1966, e A nova poesia brasileira, de Alberto da Costa e Silva, 1960. Publicou Poemas, Bahia, 1946, Edições Elo; O tempo no caminho, Bahia, 1950 (ilustrado com 10 desenhos do pintor Aldo Bonadei); 

Livro de canções, Bahia, 1960, na antologia 20 anos da coleção Círculo da Poesia, de Pedro Tamen, Lisboa, 1977; 

De tempo soluto, Lisboa, 1963, Livraria Morais Editora, col. Círculo de Poesia, vol. 23, com um retrato do autor reproduzido de uma tela de Pancetti; Carmina Convivalia, Recife, 1980, Edições Pirata (ilustrado com seis desenhos do pintor Ismael Caldas);

 A forma do silêncio: poesia reunida, Rio de Janeiro, 1986, José Olympio Editora, etc. Hernani Cidade em seu livro O conceito de poesia como expressão de cultura (p.318, 2. ed., Coimbra 1957, Armênio Amador Editor) menciona suas “brevíssimas estruturas rítmicas e estróficas” referindo a faculdade sinóptica de sua poesia.

Segundo Murilo Mendes “seus poemas são muito significativos, um verdadeiro oásis neste mundo de máquinas e gigantismo industrial”. “Um poeta autêntico”, afirma Roger Bastide no suplemento literário de O Estado de S. Paulo (13-11-1951).

Clique no link para baixar o PDF: 

ACHILLE MBEMBE: CRÍTICA DA RAZÃO NEGRA

Leitura complementar:

VERSO, POESIA E ESTÉTICA – Wilson Rocha

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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