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15 ANOS DA MORATÓRIA DA SOJA

15 anos da moratória da soja

15 anos da moratória da soja: a mágica que fez o crescer e a floresta desaparecer

Os índices alarmantes de associado à produção de soja na região amazônica no início dos anos 2000 impulsionaram a pressão nacional e internacional para o estabelecimento de regras que garantissem uma produção mais sustentável…

Por Terra de Direitos/ Real

Com a promessa de reduzir o desmatamento na Amazônia ao não comercializar soja produzida em áreas desmatadas, a Moratória da Soja – que completa agora 15 anos – nos revela os limites de um acordo dos quais as companhias se valem das deficiências na fiscalização ambiental para manter uma oportuna narrativa de “empresa sustentável”, o já famoso greenwashing.

A primeira versão do pacto foi firmada em 24 de julho de 2006 entre empresas ligadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e à Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (ANEC). A moratória traz como regra fundamental a não aquisição de soja produzida em áreas desmatadas a partir de 2006 por empresas associadas à ABIOVE e à ANEC.

Em 2008, o Ministério do passou a compor a fiscalização das propriedades de soja via moratória, mas sem trazer um vínculo de responsabilização legal e efetiva ao pacto empresarial.

A data de início do pacto foi logo revista e passou a considerar o controle sobre áreas desmatadas a partir de 2008, em consonância com o Código Florestal de 2012, que garantiu anistia aos desmatadores de vegetação nativa retirada antes de 22 de julho de 2008.

A regra, apesar de parecer simples e concisa, esconde uma série de flexibilizações e rearranjos que deram à moratória o caráter mágico de fazer avançar o agronegócio sobre as florestas e ainda garantir a marca de às empresas.

Passados 15 anos, os dados alarmantes de aumento do desmatamento na Amazônia, a instalação de empreendimentos violadores de direitos que garantiriam estrutura para a produção e escoamento dos grãos (como os portos da Cargill em Santarém e em Itaituba, no Pará) e a franca expansão da monocultura da soja põem em xeque a sustentabilidade deste acordo.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, em 2006, a Amazônia sofria uma média mensal de cerca de 110 mil hectares desmatados. 

Em 2020, os índices de desmatamento ainda foram superiores a 85 mil hectares. De acordo com a ABIOVE, entre julho de 2008 e 2020 foram constatados 88.234 hectares de plantio de soja em desflorestamentos realizados na Amazônia. 

O maior aumento foi registrado na última safra, em que 64.316 hectares de floresta foram perdidos.  No período monitorado pela ABIOVE, o Mato Grosso teve a maior participação no plantio de soja em áreas em desacordo com a moratória (77%), seguido do Pará (14,5%).

Em 2021 foram identificados 108 mil hectares de lavouras de soja em não conformidade com a moratória, que representam 2% de toda a área de soja cultivada no bioma Amazônia na safra 2019/20. De acordo com a ABIOVE, as propriedades identificadas em não conformidade recebem sansões comerciais, sendo impedidas de comercializar sua produção com as empresas signatárias da moratória.

A sustentabilidade associada às empresas signatárias do pacto também pode ser questionada ao olharmos mais de perto suas ações. Em 2008, no período considerado para a moratória, a Cargill já operava há cinco anos a sua primeira Estação de Transbordo de Cargas da Amazônia, em Santarém (PA). 

O empreendimento portuário já havia impulsionado a abertura de plantios de soja no eixo da BR-163 que liga Santarém a Cuiabá (MT). A operação da empresa começou, inclusive, sem a apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental.

O estudo Sem licença para destruição: Cargill e violação de direitos no Tapajós revela como a chegada da multinacional impulsionou a produção de soja na região e mostra como os impactos ambientais acumulados vão para muito além do desmatamento. Até hoje, a empresa negocia soja de invasores de e territórios nos municípios da BR-163, como mencionado em reportagens em mídias especializadas.

Os dados considerados para verificação da conformidade ou não das propriedades produtoras também é questionável. A partir de dados do PRODES/INPE, a ABIOVE e a ANEC fizeram relatórios anuais acionando critérios próprios de monitoramento de propriedades em 95 municípios da Amazônia para verificar o cumprimento da moratória através de Agrosatélite. 

Os polígonos selecionados ano após ano foram alterados, sendo que nos primeiros anos a ABIOVE não verificava imóveis abaixo de 100 hectares, reduzindo esse parâmetro para 25 hectares nos últimos relatórios. Além disso, a Associação das Indústrias de Óleo Vegetal também não verificava inicialmente campos de soja abertos em Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Assentamentos. 

Apesar de ter agora se proposto a monitorar essas áreas, o monitoramento feito pela ABIOVE ainda abre brechas para a produção de soja nesses locais, já que Terras Indígenas ainda não demarcadas – cuja demora no processo muitas vezes está relacionada à pressão feita por sojeiros – ficam fora dessa fiscalização.

  A ABIOVE reconhece o desmatamento, mas informa que as áreas desmatadas não chegam em sua maioria a serem convertidas em campos de soja. Ou seja: o “pouco” que escapa à moratória demonstraria que essa foi uma ferramenta importante. Mas esse “pouco” representa milhares de hectares desmatados e impactos socioambientais relevantes. 

O que não fica calculado dentre tantos instrumentos de monitoramento é que, apesar do principal vetor do desmatamento ser a pecuária, essas áreas de pasto são paulatinamente convertidas em campos de soja. Portanto, a alteração evidente da paisagem do eixo da BR-163, um dos principais corredores da soja no , se dá pela ampliação dos campos de soja sobre passivos ambientais das pastagens e ainda pelo fracionamento das propriedades que passam ao crivo da ABIOVE.

A rastreabilidade da soja não pode depender unicamente do monitoramento das empresas, ainda que acionem instrumentos de georreferenciamento com precisão e sistema de sanção empresarial. É nítido que a soja como commodity, assim com a carne, deve ter regulamentação estatal definida. Sem isso, acordos como a Moratória da Soja não passarão de mecanismos que impulsionam uma imagem ambientalmente amigável às empresas que contribuem para a exploração da Amazônia.

Nota: Este artigo, de autoria da equipe da Terra de Direitos (https://terradedireitos.org.br/), Organização de , com escritórios em Santarém (PA), Brasília (DF) e Curitiba (PR), foi publicado originalmente no site da Amazônia Real (https://amazoniareal.com.br/).


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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