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Amazônia: Desenvolvimento para Quem?

Amazônia: Desenvolvimento para Quem?

A usina de Tucuruí, no Pará, foi inaugurada nos anos 1980 para gerar energia ao país e à indústria do alumínio. As comunidades do entorno, além de sofrerem com os impactos do empreendimento, só tiveram acesso à luz elétrica vinte e poucos anos depois. Os paraenses seguem pagando a maior tarifa de toda a federação, apesar de o ser o segundo maior produtor de energia do Brasil. E seguimos exportando alumínio para importar bicicletas de alumínio.

Por Caetano Scannavino

 

A visão nacional de desenvolvimento de meio século atrás insiste em ganhar sobrevida nos tempos atuais. A foto do progresso permanece sendo a imagem dos grandes projetos de infraestrutura na Amazônia, sejam minerários, hidrelétricos ou viários. Ou daqueles tratores alinhados nos campos agrícolas, trazendo a soja e o boi para ocupar esse grande vazio, onde não teria nada e ninguém que não fosse a selva e os selvagens — na imagem de olhares míopes dos que pararam no tempo.

São os civilizados chegando, para desbravar um mundo que continuam sem conhecer. Uma liderança Yanomami compara como fazem os índios e os brancos quando estão prospectando na floresta a caminho de um ponto desconhecido: os brancos, com todo aparato tecnológico, seguem em linha reta direto ao ponto e, quando o alcançam, aí vão ver o que destruíram no caminho; já os índios o circundam seguindo uma rota na forma de espiral para que, quando alcançado, já tenham conhecimento de tudo que está ao redor, e então poderem interagir de forma mais harmônica com o entorno.

Em nome da civilização, só no Brasil já se devastou uma área igual a duas Alemanhas de floresta amazônica, para que 63% dela fosse ocupada por pastagens de baixíssima produtividade – com menos de um animal por hectare – e outros 23% fossem abandonados (TerraClass Amazonia / Embrapa e Inpe).

Um modelo que compromete tudo e todos para favorecer só alguns. Se fosse bom, depois de tanto ouro extraído, municípios dentre os mais áureos do mundo como Itaituba ou Jacareacanga, no rio Tapajós, não deveriam ocupar o andar de baixo dos indicadores sociais. Dos nossos 5,5 mil municípios, Itaituba é 4.377º colocada, enquanto Jacareacanga ocupa o 4.418º posto no ranking, entre os 100 piores do país pelo IFDM – Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal.

Desmata-se para ficar ainda mais pobre, monetária e não monetariamente, uma região que há 50 anos não descola dos pífios 7% a 8% de participação no PIB nacional.

Se faz algum sentido, só se for para os que vivem de ilícitos, em uma região onde legal é o ilegal. A sociedade brasileira tem permitido que poucos se apropriem de riquezas que são de todos – o ouro, a madeira, as terras públicas. Não pagam impostos e ainda deixam a conta do estrago. Enquanto criminosos são premiados com seguidas anistias, os que querem fazer a coisa certa acabam punidos. Não conseguem concorrer com o preço baixo da extração ilegal, então quebram ou mudam de lado, desestimulando investimentos responsáveis e a própria existência de um mercado como deveria ser.

As nossas taxas de desmatamento na Amazônia seguem crescentes, em um bioma que começa a sucumbir, com algumas regiões já emitindo mais gás carbônico do que absorvendo, como apontou o estudo que chamou a atenção do mundo, publicado na Nature em meados de 2021, Amazonia as a Carbon Source Linked to Deforestation and Climate Change. Ao invés de se buscar apoio por soluções de vanguarda, o que se vê é a vanguarda do atraso quando algumas das nossas autoridades se limitam a justificar que os países ricos devastaram e agora não querem que a gente se desenvolva”.

Esquecem que proteger a Amazônia, antes de ser coisa de gringo, é interesse nacional. Para o coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases-Estufa (SEEG), Tasso Azevedo, sem o bioma, a temperatura média subiria 0,25 ºC no , mas saltaria 2 ºC no Brasil, onde se perderiam 25% das chuvas, inviabilizando a agricultura e a geração de energia.

Cobrar apoio dos países ricos não está errado, afinal, os benefícios gerados pela Amazônia são globais e os custos de permanecem locais. Só que para isso é preciso propor caminhos, e com a floresta em pé. Caso contrário, fica a impressão de que nosso governo sequestrou a Amazônia em chamas e foi ao exterior pedir o resgate.

Se é para falar sério de soberania, a melhor forma de garanti-la é liderando a construção de um projeto para a região que seja pactuado entre os diversos setores, em parceria com nossos vizinhos pan-amazônicos, e com a cooperação do restante do mundo.

Soluções existem, muitas delas construídas a partir da academia, dos povos indígenas, de agroextrativistas, empreendedores responsáveis e projetos demonstrativos do 3º Setor.

Ninguém é contra as facilidades do acesso às energias, transportes e telecomunicações. A questão não é ser contra ou a favor do desenvolvimento. O que está em jogo é qual o modelo que queremos, se para muitos ou para poucos, se só para as atuais gerações ou as futuras, se para a frente ou para trás.

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 JAMAIS SE RESOLVERÁ O AMBIENTAL  SEM RESPOSTAS PARA O SOCIAL

A saúde é vista como o principal problema para três em cada quatro moradores da Amazônia Legal

Os grandes empreendimentos, planejados para atender o resto do país, nem sempre se convertem devidamente em benefícios para os mais de 25 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.

Se comparada com outras regiões do país, há um abismo de infraestrutura gigantesco no acesso dos nortistas às políticas sociais e aos serviços básicos de saúde, educação, energia, transportes, comunicações e saneamento.

A luz elétrica já alcançou 98% dos lares brasileiros, mas é na Amazônia onde se encontra grande parte dos excluídos. Isso traz um limitante para qualidade de vida não apenas pela iluminação, mas também para as telecomunicações, agregação de valor nas cadeias produtivas, conservação de alimentos e medicamentos.

Com a Covid-19, as mazelas sociais da Amazônia ficaram ainda mais escancaradas quando vimos que São Paulo entrou na pandemia com um respirador para cada 2,4 mil habitantes, enquanto em Macapá/AP havia um aparelho para cada 9 mil. Ou em Santarém (PA), um para cada 20 mil. Como agravante, além da insuficiência de respiradores, vimos locais colapsados também pela falta de oxigênio para abastecê-los.

Enquanto mais de 90% da população do Sudeste têm acesso à rede de água, esse número cai para apenas 57% na região Norte, onde somente 10,5% dos seus moradores têm esgoto coletado (Trata Brasil/2020). É um paradoxo que na maior bacia de água doce do mundo, em cima do maior aquífero do Planeta, com reservas que poderiam abastecer a humanidade por 250 anos, os ribeirinhos sofram de estresse hídrico, dependentes das águas contaminadas dos rios. É a origem de boa parte das doenças e maior causa da mortalidade infantil, decorrente das diarreias e da desidratação.

Sem querer desmerecer as devidas preocupações com as florestas e com o desmatamento, o fato é que não basta só o ambiental sem respostas ao social. Segundo a pesquisa Decisores da Amazônia (Institutos Mundo Que Queremos / e Sociedade), a saúde é vista como o principal problema para três em cada quatro moradores da Amazônia Legal, entendida como a área mais carente em infraestrutura nos municípios da região. E num território onde municípios têm o tamanho de países – dos dez mais extensos do mundo, seis estão na Amazônia – o quadro de exclusão é ainda mais agudo nas zonas rurais, com populações dispersas, esparsas, de difícil acesso, e altos custos logísticos.

Como as políticas básicas são de competência dos governos locais, a conta jamais fechará se a equação continuar simplificada ao número de habitantes versus receitas. Não é fácil para uma prefeitura como a de Altamira (PA) distribuir a merenda escolar seguindo o padrão custo-aluno ou implementar a atenção básica via tabela SUS junto aos seus cidadãos espalhados em uma área maior que a Grécia ou Portugal.

O desafio de conciliar conservação, inclusão social, crescimento econômico e o desenvolvimento da Amazônia permanece. Só não pode mais ser visto apenas de forma unidirecional, para o outro lado da nação, insistindo num modelo que deu errado, justamente nestes tempos em que não há mais tempo para errar. 

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CAMINHOS EXISTEM, SOLUÇÕES TAMBÉM

Estratégias diferenciadas que atendam às peculiaridades amazônicas devem ser priorizadas na formulação de políticas para a região, adaptadas e includentes, assim como o estímulo às alianças, à participação local e ao desenvolvimento de tecnologias sociais apropriadas, demonstrativas e escaláveis para impactar o território como um todo.

Temos visto melhores resultados quando tomadores de decisão adotam uma atitude mais proativa de cooperação e soma de esforços mobilizando comunidades, associações de bairros, academia, organizações do terceiro setor e programas de responsabilidade empresarial.

Já existem algumas iniciativas neste sentido. Um bom exemplo vem do Tapajós, com o modelo de saúde básica através do barco-hospital Abaré tendo virado política pública nacional. A experiência implementada pela ONG Projeto Saúde e Alegria (PSA), junto com as Prefeituras locais e representações comunitárias, inspirou a Estratégia de Saúde da Família Fluvial. Lançada há pouco mais de dez anos pelo Ministério da Saúde, tem apoiado os municípios da Amazônia e do Pantanal, contando hoje com mais de 60 embarcações de atendimento a ribeirinhos de zonas remotas.

Em meio à pandemia, vale destacar também o trabalho da ONG Expedicionários da Saúde, com as Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPI) no apoio aos DSEIs (Distrito Sanitário Especial Indígena). Desenhadas para o enfrentamento das síndromes gripais e da Covid-19, as UAPIs contam com uma configuração de equipamentos que permite inclusive o tratamento de oxigenoterapia nas próprias aldeias, reduzindo assim situações de agravos e remoções para as cidades.

No campo do saneamento, seja através do PSA, no Pará, ou de outras organizações afins, como a Fundação Amazonas Sustentável e o Instituto Mamirauá, no Amazonas, tem-se inovado em tecnologias de captação de chuvas, sistemas de abastecimento e tratamento da água, movidos a energia fotovoltaica, sem necessidade de óleo diesel ou baterias, o que facilita a sustentação pelos próprios moradores.

Outro modelo que merece ser seguido é o Xingu Solar, iniciativa do Instituto Socioambiental com as associações indígenas e parceria do Instituto de Energia e – IEE da USP, com mais de 60 aldeias beneficiadas com energia limpa para as escolas, postos de saúde e outras benfeitorias de uso coletivo, incluindo também a formação de uma rede de eletricistas indígenas capacitados para manutenção e reparos dos sistemas. São investimentos que reduziram de forma significativa a dependência do diesel, diminuindo os gastos públicos para aquisição do combustível, tanto para mover os geradores como para o seu deslocamento até essas áreas remotas.

Empreender em polos isolados e longínquos demanda soluções que tenham resolutividade, garantias de manutenção e que gerem autonomia comunitária. Já que as coisas demoram mais para chegar à Amazônia, que cheguem sendo o que há de mais avançado. Por outro lado, para que se constituam em tecnologias de ponta, na ponta, é preciso desenvolvê-las junto com a comunidade, de forma adequada ao universo cultural e capacidades locais para sua boa gestão. Caso contrário, corre-se o risco de aumentar a manada de elefantes brancos dos tantos empreendimentos que, mesmo bem-intencionados, hoje se encontram abandonados no meio do mato.

Daí a importância dos movimentos de base (indígenas, quilombolas, agroextrativistas), das organizações não governamentais, dos projetos de extensão e das parcerias público-privadas: viabilizam a atuação na ponta, através de metodologias participativas de cocriação, empoderamento e emancipação comunitária.

A cocriação chega a soluções próprias para a realidade da Amazônia e dos seus habitantes, mas em compasso com os rumos do planeta. São modelos de atenção básica e saneamento, de energias renováveis para eletrificação rural, de telecentros de acesso à internet para inclusão digital, de processamento de alimentos, de beneficiamento de produtos florestais para agregação de valor, entre outras infraestruturas para o bem-viver, de menor custo e maior benefício.

Essas experiências estão prontas para ganhar escala, sobretudo via políticas públicas.

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 A EFICIÊNCIA AGRÍCOLA PARA CRESCER PARA CIMA, NÃO PARA O LADO, DESMATANDO

Caso nossos tomadores de decisão quisessem de fato fazer a diferença, estariam blindando as florestas e focando no aumento da eficiência nas zonas agrícolas já consolidadas do bioma, incentivando técnicas modernas para se fazer mais com menos , menos impacto, menos desmatamento, menor pressão sobre as Unidades de Conservação e Territórios Indígenas. Assim, cresce-se para cima, até porque crescer para os lados é caso de polícia, diante do lucro fácil de especuladores e grileiros de terras.

Cabe atenção à experiência da Pecuária Verde de Paragominas (PA), que atualmente vem avançando para conciliar a conservação e a produção, em uma região até pouco tempo entre as vilãs do desmatamento na Amazônia. Após uma forte ação dos órgãos fiscalizadores, estabeleceu-se um pacto intersetorial com os produtores para a redução das derrubadas, cadastramento ambiental das propriedades e uso de práticas mais amigáveis ao meio ambiente.

Com apoio de pesquisadores e organizações não governamentais, iniciou-se um trabalho piloto junto às fazendas, com a recuperação das áreas degradadas, revitalização dos cursos d’água, intensificação da bovinocultura, adoção do pastejo rotacionado e outras novas técnicas que transformaram aquele cenário desolador. Em pouco tempo, a produtividade de carne em arrobas por hectare mais do que triplicou, associada ao aumento da rentabilidade e redução das emissões de CO2 (Silva, D., & Barreto, P. 2014).

Experiências como a de Paragominas deveriam ser regra, não exceção. Nivelar por cima, evidenciando como exemplares os empreendimentos com responsabilidade socioambiental é uma das estratégias que precisam ser reforçadas para torná-los hegemônicos, para enquadrar os que ainda praticam ilegalidades, e até para sensibilizar quadros de acionistas que pressionam pela redução de investimentos sociais na busca por maiores ganhos, como acontece em alguns casos empresariais.

Rumar nesse sentido já seria um passo para ordenar a agricultura de grande escala na região, como estratégia de redução de danos, pois já se sabe que boi e soja não são vocações amazônicas, nem deveriam ser referências como vetor de desenvolvimento no bioma.

Sejamos Floresta

A ECONOMIA COMPATÍVEL COM A FLORESTA E COM AS VOCAÇÕES REGIONAIS

Em tempos de emergência climática onde riquezas determinantes do planeta começam a mudar de cor – do preto do petróleo para o verde da floresta em pé – seria mais inteligente formular estratégias para alavancar atividades econômicas associadas às culturas e potencialidades locais.

Ao contrário do que se imagina, é ínfima a participação da Amazônia brasileira no mercado global de produtos compatíveis com a floresta, oriundos da extração florestal não madeireira, de sistemas agroflorestais, da hortifruticultura e da pesca/piscicultura. Apesar de representar 30% das florestas tropicais do mundo, ela ocupa apenas 0,17% (ou US$ 300 milhões ao ano) de um mercado de quase US$ 200 bilhões.

Os líderes em exportação são países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos das áreas tropicais úmidas. “No triênio 20172019, os maiores exportadores de castanha sem casca foram a Bolívia (52%) e o Peru (13%), enquanto o maior exportador de “grude” foi Uganda (14%). O maior exportador de pimenta seca em grãos e de bagres foi o Vietnã, que respondeu por 42% e 73% desses mercados, respectivamente. No caso dos palmitos, o país campeão de exportações foi o Equador (56%), enquanto para abacaxis frescos, a Costa Rica (50%). Por fim, os líderes do mercado multibilionário do cacau são a Costa do Marfim (40%) e Gana (18%)” – Salo Coslovsky, do Amazonia 2030.

Ainda que sejam produtos in natura ou levemente processados (castanha sem casca, polpa de frutas), a pesquisa demonstra que a Amazônia brasileira tem um espaço enorme para ampliar sua participação em mercados multibilionários que seus entes produtivos já exportam, mesmo que pouco, inclusive com o envolvimento de pequenos, de cooperativas comunitárias e colônias de pescadores.

É um caminho mais pragmático, que deveria vir antes de proposições legislativas para liberar o agronegócio ou garimpos em Terras Indígenas. Nossos tomadores de decisão deveriam se esforçar em escutar e aprender mais com as experiências já existentes dos povos tradicionais, que conciliam segurança alimentar, renda, e floresta.

Dos Suruí aos Ashaninka, do Xingu ao Negro, são iniciativas premiadas, passíveis de replicação, que estão hoje abastecendo tanto os mercados locais como os de fora, a partir da produção de orgânicos, beneficiamento de frutas, casas de mel e miniusinas extratoras de óleos. São contribuições concretas para inspirar corações e mentes em torno de estratégias econômicas baseadas nos conhecimentos da natureza.

Por exemplo, agroextrativistas da região de Abaetetuba (PA) ganham muito mais dinheiro beneficiando o fruto da Ucuuba – espécie sob risco de extinção – do que os que derrubam a árvore para transformá-la em cabo de vassoura, batente de porta, viga de telhado ou carvão vegetal. A partir de sua semente, se produz uma manteiga leve que serve como matéria-prima para hidratantes mais eficientes, levando vantagem em relação aos demais por não deixar a pele engordurada.

O Murumuru é outra espécie que se descobriu valer muito mais em pé do que caída. Pesquisas confirmaram que a manteiga extraída dos seus frutos é benéfica para o tratamento da fibra capilar, constituindo-se em um produto com alta demanda de mercado para fabricação de xampus, séruns e cremes.

Sistemas agroflorestais com ucuuba, murumuru, açaí, cacau, andiroba, patauá, tucumã, e cumaru são alguns dos tantos arranjos socioprodutivos potenciais, muitos deles empreendidos por coletivos comunitários. Processados na forma de manteigas, polpas, óleos, essências e extratos, trazem muito mais receitas do que se comercializados in natura, podendo se desdobrar tanto em produtos finais (ex.: óleos gourmet, chocolates) como em insumos pré-beneficiados para as indústrias de fármacos, alimentos e cosméticos.

O rendimento com a industrialização pode aumentar em até sete vezes. Os valores flutuam conforme a colheita, mas o quilo da semente do murumuru estava em torno de R$ 3,80, enquanto o quilo da manteiga de murumuru era vendido por R$ 27,50 – disse Cláudio Brito, diretor da Coofruta (Cooperativa Agroextrativista dos Fruticultores de Abaetetuba), ao Portal do UOL.

Natura, gigante do ramo de cosméticos, é uma das empresas que vêm aumentando as compras diretas das cooperativas comunitárias, sem intermediários ou atravessadores. Certificada pelo Sistema B (de Benefícios sociais e ambientais), está investindo em polos tecnológicos na própria Amazônia, como o Ecoparque em Benevides (PA), transferindo para lá parte da fabricação nacional de seus produtos, até então centrados no Cajamar, em São Paulo.

São iniciativas promissoras que deveriam orientar novos rumos de desenvolvimento para a Amazônia. O fato é que, tanto para as associações e cooperativas locais como para os grandes empreendimentos, o país com a maior do planeta não tem até agora uma política robusta de bioeconomia, voltada para o processamento de produtos da floresta.

“Os sistemas agroflorestais com açaí podem render anualmente 200, até 1.500 dólares por hectare, enquanto o gado fica em torno de 100 dólares por hectare. O grande potencial do Brasil é o potencial da biodiversidade, aí nós precisamos de uma indústria da biodiversidade, e de uma ciência e tecnologia que desenvolva esse potencial” – reforça o cientista Carlos Nobre.

Só na Amazônia, a ciência vem descobrindo nos últimos anos uma nova espécie a cada dois dias (Relatório Novas Espécies – WWF/Mamirauá). Faz todo sentido quando dizem que desmatar uma floresta primária é como deletar um HD sem saber o que tem dentro, inclusive eventuais descobertas de tratamentos para doenças até então sem cura.

Se nos faltam recursos para investir, para desenvolver produtos a partir do conhecimento produzido pelos próprios brasileiros, parcerias são bem-vindas. Nem é o caso de barrar o acesso dos laboratórios internacionais às nossas riquezas, precisa-se é de regras claras de cooperação, que compensem adequadamente o país (e, quando for o caso, os povos indígenas, respeitando direitos e protocolos), que transfiram tecnologia aos nossos pesquisadores, que estabeleçam mecanismos justos e rentáveis de modo a proteger e manejar adequadamente todos esses ativos e saberes a serviço da humanidade.

As universidades da região têm formado gente para ir embora. Em uma Amazônia mais de 70% urbana, não seria proibitivo vislumbrar polos estratégicos com plantas industriais de baixo carbono, que gerem empregos e qualifiquem a mão-de-obra local, com foco em inovação, pesquisa, tecnologia, biotecnologia, e processamento de insumos da sociobiodiversidade – produtos Made in Brazil, com alta agregação de valor. Se é para fazer valer as benesses fiscais da Zona Franca de Manaus, porque não a tornar por exemplo um Vale do Silício da Floresta em Pé, um centro mundial da bioeconomia e da biodiversidade?

Só não podemos, em nome de um novo modelo, querer trocar boi por monoculturas de açaí ou cacau, tampouco replicar a lógica obsessiva por escala e toneladas, passando por cima do que o bom manejo pode comportar. Em se tratando de sociobiodiversidade amazônica, a ambição não deve ser movida meramente por quantidades, mas sim por qualidade e valor econômico dos produtos.

 

BRASIL, PAÍS DO FUTURO

 

Muitos cresceram ouvindo o Brasil como “país do futuro”. Faz todo sentido quando esta é a nação da Amazônia. Resta saber aproveitá-la para fazer a hora sem esperar acontecer.

Para isso, é necessária uma sociedade antenada com o futuro. Os povos indígenas sempre estiveram. Ao defenderem a vida como a maior , economistas de vanguarda se uniram a eles quando passaram a mensurar a qualidade de uma massa de terra do nosso Planeta.

Por essa métrica, pode-se dizer que o Brasil está entre os países mais ricos do mundo, como mostrado no mapa de GPP (Gross Primary Productivity). Ele mede a síntese de matéria orgânica gerada a partir de água, luz e ar, em outras palavras, a capacidade de gerar vida.

Uma fábrica de vida que, só com a proteção das terras indígenas brasileiras como medida de combate às mudanças climáticas, pode render em 20 anos de US$ 523 bilhões a US$ 1,165 trilhão com os benefícios globais do carbono e a conservação do ecossistema, como água limpa, solo, polinização, biodiversidade e controle de inundações (estudo do WRI – Climate Benefits, Tenure Costs).

Triste é deixarmos que nossos povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos, ao mesmo tempo que prestam um serviço voluntário como guardiões dos ativos naturais que nos mantêm vivos, recebam em troca bala, mercúrio e doença de branco ao invés de políticas de bem-viver.

Para guinarmos rumo ao futuro, a cobrança tem que vir de dentro também. A sociedade brasileira precisa assumir a Amazônia, chamar para si essa agenda. Nosso eixo RJ-SP, principal centro econômico e formador de opinião do país, precisa se esforçar mais para compreender suas realidades, culturas, desafios e potencialidades.

Só assim o Brasil deixará de enxergar a Amazônia como um ônus de conflitos e desmates e perceberá o bônus que tem nas mãos, uma floresta que guarda as sementes da regeneração, que pode nos levar a pautar ao invés de ser pautado, a liderar novos paradigmas, a um futuro de bem-viver, a partir da nossa Amazônia para todos.

 

Caetano ScannavinoEmpreendedor Social, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria com atuação há mais de 30 anos na Amazônia. [Esse texto é um dos capítulos do livro Desenvolvimento Sustentável: Urgência e Complexidade, Cadernos Adenauer XXII, Nº 3. RJ: KAS, outubro 2021. Fotos desta matéria: Acervo gentilmente cedido por Caetano Scannavino. 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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