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Vítimas de violência em conflito por terra, quilombolas ainda são “apagados” em decisões políticas

Vítimas de violência em conflito por terra, ainda são “apagados” em decisões políticas

Assassinato de líder quilombola escancara “barreiras cruéis” que descendentes de escravizados precisam transpor para ter suas vidas e territórios reconhecidos. Declaração de Belém não cita movimento.

Por Cristiane Prizibisczki/  O Eco

O assassinato da líder quilombola e coordenadora nacional de Articulação de (CONAQ), Bernadete Pacífico, na noite de quinta-feira (17), é mais uma das muitas injustiças sofridas pelos povos de regiões remanescentes de quilombos do Brasil, disse hoje o movimento

Apesar da representatividade no país e da condição de alvo em recorrentes conflitos por terra, os quilombolas ainda são apagados das decisões políticas sobre suas vidas e seus territórios, decisões estas que poderiam evitar casos como o ocorrido na noite de ontem.

O assassinato da líder, no entanto, se soma a uma outra chaga que desde a última semana o movimento tenta curar: a falta de menção na Declaração de Belém.

Bernadete Pacífico era líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, um território de 854 hectares onde vivem cerca de 290 famílias. Inserido em uma Área de Proteção Ambiental (APA), onde a extração de madeira é proibida, o quilombo vive da produção de farinha, frutas e verduras. 

Segundo investigações preliminares, Pacífico vinha sofrendo constantes ameaças de madeireiros ilegais. Ela estava sob proteção da Polícia Militar, por meio da Secretaria de e Direitos Humanos da Bahia, havia dois anos. Mas a proteção fornecida era “simbólica”, segundo advogado da família. Foi assassinada com mais de 10 tiros no rosto.

“Este acontecimento trágico evidencia a crueldade das barreiras que se colocam no caminho de quem luta”, disse a CONAQ, em nota sobre o falecimento da líder. 

Escudos de proteção

O Brasil possui 1,32 milhão de quilombolas, residentes em 1.696 municípios, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o primeiro a contar o número de descendentes de escravizados no país. Cerca de 400 mil deles vivem na Amazônia. Em termos comparativos, o país possui 1,7 milhão de indígenas.

A área que os quilombolas ocupam ainda é incerta, já que a maioria dos quilombos ainda não foi devidamente titulado. Mas sabe-se que eles são responsáveis por grandes porções de vegetação nativa. 

Somente os quilombos de Cachoeira Porteira, no Pará, possuem cerca de  235 mil hectares, uma área equivalente a duas vezes a cidade do Rio de Janeiro. Este quilombo, assim como outros cerca de 400 inseridos em território paraense, ainda não foram titulados.  

“Somos 600 comunidades [no estado] e não chegamos a ter 200 comunidades tituladas. Para ter a dimensão dessa área, precisamos ter um georreferenciamento muito bem feito, muito bem preparado. Só Cachoeira Porteira tem 235 mil hectares. Agora imagina esse estado inteiro, com 600 comunidades quilombolas, passa de 1 milhão de hectares só no Pará”, diz Hilário Moraes, coordenador-executivo de Articulação da Mulungu, a associação de comunidades quilombolas paraenses.

Segundo informações obtidas via Lei de Acesso à pelo InfoAmazônia, a tem 148 quilombos titulados e outros 583 em processo de titulação. Ainda que cercados por manchas de desmatamento, 99% dos territórios analisados na investigação mantiveram os registros de supressão de praticamente inalterados nos últimos 13 anos. 

“A presença de quilombolas na Amazônia forma verdadeiros escudos de proteção, conservando a floresta, impedindo o avanço do desmatamento e a entrada de invasores”, diz o InfoAmazônia.

Apagamento de direitos 

Os direitos às comunidades quilombolas estão previstos em diferentes normas do Direito brasileiro, incluindo a Constituição Federal, em seu artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, que diz ser dever do Estado reconhecer a propriedade definitiva de comunidades de quilombos que estejam devidamente ocupadas.

Decreto nº 6.040, que Institui a Nacional de Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, cita explicitamente as comunidades, assim como o Estatuto da Igualdade Racial. 

Ainda assim, comunidades ainda são esquecidas em importantes documentos com normas que impactam diretamente suas vidas e uso de seus territórios.

Este é o caso da Declaração de Belém, documento assinado na última semana por líderes de oito países inseridos no bioma amazônico, com o entendimento comum das nações para o futuro da floresta e de seus habitantes. 

A declaração menciona 128 vezes os “povos indígenas” e 19 vezes as “comunidades locais e tradicionais”. Não há nenhuma menção aos quilombolas.

“Somos um dos segmentos dos povos e comunidades tradicionais, mas as comunidades quilombolas têm marcos legais que os povos e comunidades tradicionais não tem. […] Nós sempre defendemos que qualquer documento, ao ser construído, tem que se referendar a povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, porque, senão, você limita direitos”, explicou a ((o))eco, ao final da Cúpula, o coordenador da CONAQ, Denildo Rodrigues.

Segundo ele, assuntos prementes para as comunidades de remanescentes de quilombos, como a defesa de territórios e mudanças climáticas, precisam necessariamente passar por aqueles que preservam tal .

“Nós somos contra qualquer documento que não leve em consideração toda essa riqueza étnica, essa biodiversidade que tem no país”, disse o coordenador.

Para Hilário Moraes, da Mulungu-PA, a ausência de menção foi como “um chicote nas costas”. “Estamos muito tristes, muito feridos por dentro, porque o próprio governo brasileiro, em uma carta tão linda, não menciona nosso povo, o povo quilombola. Para nós foi realmente como se fosse mais um chicote ardendo em nossas costas”.

Segundo Moraes, o  movimento trabalha junto a parceiros na busca de alternativas que solucionem o apagamento dos quilombolas na Declaração de Belém. 

“Estamos estudando o mecanismo para fazermos uma intervenção o quanto antes”, diz.

Cristiane Prizibisczki – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Audiovisual/PR.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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