40 Anos das Diretas Já: A resistência que moldou a democracia

40 Anos das Diretas Já: A resistência que moldou a democracia

O histórico comício pró-diretas realizado em 27 de novembro de 1983, no Estádio do Pacaembu, em , reuniu mais de dez mil pessoas e acendeu uma faísca que transformou a ditadura em cinzas.

Por Cezar Xavier/Portal Vermelho

Quatro décadas se passaram desde o fervoroso movimento das Diretas Já, que deixou marcas indeléveis na do Brasil. A jornada da “distensão” de Geisel para a “abertura” de Figueiredo, iniciada em 1979, não foi uma concessão graciosa da , mas sim um desdobramento da resistência incansável e da luta pela restauração da democracia.

O cenário político caótico que levou à eclosão do imenso movimento popular foi inevitável, porque o país se encontrava imerso na luta pela redemocratização, marcando um capítulo crucial na história brasileira. A população brasileira, cansada do regime militar e seus desdobramentos, demandava uma democracia efetiva e participativa.

A desordem que permeava o Palácio do Planalto, com o presidente da República, João Figueiredo, vistos por todos como perdido no “labirinto da desorientação oficial”, demonstrava que todas as tentativas de equacionar os problemas sucessórios falharam. O cenário era de uma liderança que, entre as exigências militares de direita e a repulsa popular, via-se sem saídas.

O conjunto ministerial de Figueiredo era descrito como um verdadeiro pandemônio. As disputas internas entre os titulares, chegando ao ponto de aconselhamentos extremos por parte do terceiro homem do setor financeiro, refletiam a desconexão e a desordem governamental. A convocação ameaçadora do ministro do Exército e a demissão do representante da Marinha por discordar das práticas autoritárias, ressaltando a incapacidade do governo de manter coesão.

O partido que dava suporte ao governo, o PDS, também era alvo do descontentamento. Membros que não seguiam a subserviência tradicional aos interesses do governo evidenciavam a rebelião interna. O sublinha a decadência do barco governamental afundando nos próprios erros e na resistência popular.

O isolamento dos generais se apresentava como resultado da diminuição de sua margem de manobra tática. A maioria da nação clamava pelo fim do regime militar, que, ao longo de vinte anos, produziu líderes desastrosos, corruptos e entreguistas. A soberania nacional estava comprometida, e a população rejeitava a escolha de presidentes restrita às Forças Armadas.

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Comício por eleições diretas em Goiânia, na praça Cívica, em 15 de junho de 1983

O Movimento das Diretas, Já!

O gigantesco movimento em prol das eleições diretas, que ecoava nas ruas com comícios e manifestações reivindicava o direito elementar de votar para presidente, demonstrando uma consciência cívica elevada. A resistência reacionária, representada pelos resmungos dos generais, estava isolada, enquanto a nação exigia novos rumos democráticos.

O regime militar estava completamente esgotado, incapaz de atender às demandas da . A inflação disparou, as dívidas interna e externa tornaram-se insustentáveis, e a soberania nacional estava em frangalhos. Representantes estrangeiros infiltraram-se na Administração para monitorar os setores financeiros do governo, evidenciando a perda de autonomia.

A nação clamava por novos rumos democráticos, e o movimento das eleições diretas se tornava uma expressão popular unânime. Nesse movimento se depositava a oportunidade de um rompimento definitivo com o sistema arbitrário. Destacava-se a necessidade imediata de convocar uma Assembleia Constituinte livre e soberana, bem como a formulação de um plano de emergência por um governo nacional, democrático e popular.

A direita mobilizava-se contra as diretas, mas o movimento popular prevalecia. As eleições diretas não eram o objetivo final, mas um passo crucial para mudanças mais profundas, indicando a urgência de uma transformação política e social.

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A primeira faísca visível dessa resistência foi o histórico comício pró-diretas realizado em 27 de novembro de 1983, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Dez mil pessoas se reuniram, demonstrando coragem diante da repressão, para clamar por eleições diretas e marcar o início de uma jornada que mudaria o curso da história brasileira.

A Campanha das “Diretas-Já” oficialmente começou em 12 de janeiro de 1984, com um gigantesco comício em Curitiba, que reuniu sessenta mil pessoas. O movimento adotou o amarelo como sua cor-símbolo, simbolizando a por um Brasil democrático. A reação da Ditadura não se fez esperar, lançando a candidatura de Paulo Maluf à presidência. A resposta da oposição foi retumbante, com trezentas mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro.

A confiança e a mobilização cresceram, manifestando-se em comícios e passeatas por todo o país. Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Goiânia e São Paulo testemunharam multidões que clamavam por eleições diretas. O ápice ocorreu em 16 de abril, quando um milhão e setecentas mil pessoas se reuniram no Anhangabaú, em São Paulo. Era o auge do movimento, e dois dias depois, Figueiredo decretou Estado de Emergência no Distrito Federal, revelando o desespero da Ditadura.

Derrota formal, vitória moral

A mobilização culminou na votação da Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidente. Apesar de não ter sido aprovada na Câmara dos Deputados, o movimento não foi em vão. O brasileiro, mesmo derrotado no parlamento, havia vencido politicamente.

A Ditadura, ao negar as Diretas, mostrava sua força repressora, mas ao mesmo evidenciava sua fragilidade política diante da mobilização popular. A grande vitória indireta ocorreu em 15 de janeiro de 1985, com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. O Brasil, apesar de não ter alcançado as eleições diretas, caminhava para a superação do regime autoritário.

As eleições de 1986 para deputados constituintes consolidaram avanços democráticos. A Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, trouxe conquistas significativas: qualificação da tortura como crime inafiançável, bloqueio de golpes como o de 1964, direito de voto para analfabetos e voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos.

Em 1989, a primeira eleição presidencial após a Ditadura testemunhou a vitória de Fernando Collor, que, apesar de seu posterior impeachment, marcou o início da era democrática no Brasil. As forças políticas de esquerda, lideradas por Luiz Inácio da Silva, emergiram como protagonistas, apontando para uma mudança na cena política.

O legado das Diretas Já transcendeu a derrota da emenda no Congresso. Representou um momento de ruptura com o autoritarismo e pavimentou o caminho para a construção de uma democracia mais inclusiva. A resistência persistente e a mobilização popular pavimentaram o terreno para as mudanças que definiriam os rumos do Brasil nas décadas seguintes.

A luta pela democracia continua, e as Diretas Já permanecem como um farol. Uma luz que aqueceu o sentimento de esperança em 2022, quando as forças democráticas se uniram para derrotar Jair Bolsonaro e eleger Lula para um terceiro mandato. Naquela eleição, quase 40 aos depois, o sentimento popular que mobilizou tantos de 1983 em diante, contagiou novamente os brasileiros para superar um dos momentos mais sombrios da sua história recente.

Fonte: Portal Vermelho Capa: Reprodução


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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