A força das Ikamiabas, as mulheres guerreiras da Amazônia
O mito das Ykamiabas (Icamiabas) reforça a união entre as mulheres, o apoio e a superação das mazelas femininas, revivendo na memória coletiva os ideais de liberdade, igualdade e independência. Esse mito celebra o triunfo da mulher alcançado na batalha por dias melhores.
Por Iêda Vilas-Bôas
O que é um mito? É um relato fantástico, de tradição oral, transmitido através da cultura de um povo; mitos são seres que encarnam as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana. O mito é uma narrativa, comum, de lastro épico, acerca dos tempos heroicos, que consegue trazer para a realidade atual um fundo de verdade.
Ressaltaremos um que não figura entre os mais conhecidos, mas é de suprema necessidade para a valorização da mulher e do Sagrado Feminino. Afinal, a vida, a natureza, a lua, a chuva, as crias… Grande parte do mundo é feminino.
O mito das Ykamiabas (Icamiabas) reforça a união entre as mulheres, o apoio e a superação das mazelas femininas, revivendo na memória coletiva os ideais de liberdade, igualdade e independência. Esse mito celebra o triunfo da mulher alcançado na batalha por dias melhores.
As Ykamiabas (em Tupi) eram mulheres guerreiras que viveram na Amazônia, na região que se estende entre os Rios Xingu e Juruá, num período bem anterior à era Cristã, e encontraram sua derrocada com a invasão de Orellana em suas terras.
Para ligar o mito à Teoria Literária, projeta-se o pensamento de feministas como Gloria Anzaldúa, Julia Kristeva, Simone de Beauvoir, Andrea Nye, entre outras, para compreender e analisar o comportamento das fortes guerreiras e entender a força e o isolamento sem a presença do espécime masculino em uma vida de estrutura matriarcal.
As Icamiabas descendiam de povos de uma dinastia lunar e vieram do velho continente Asiático para o Novo Mundo por meio da ação da natureza, trabalhando por milênios na abertura de passagens, como o estreito de Bering. Elas dominaram todo o vale do Amazonas.
Existia na região Amazônica, próximo às cabeceiras do rio Nhamundá, um reino formado somente por mulheres guerreiras, conhecidas como Icamiabas, isto é, mulheres sem homens ou ainda mulheres sem maridos e, ainda, com uma terceira interpretação, mulheres que viviam escondidas dos homens, com quem mantinham contatos esporádicos e com fins bem definidos: a procriação de meninas.
Em certas épocas do ano estas mulheres belas e guerreiras celebravam suas vitórias sobre o sexo oposto. O parceiro era escolhido por elas, sem muitas delongas e num ritual dentro do Lago Sagrado. Então, começava a grande festa, A festa da Fertilidade, que durava vários dias, durante os quais as mulheres recebiam índios da aldeia dos Guacaris, tribo mais próxima, com os quais mantinham relações sexuais e procriavam.
Terminado esse período, elas abandonavam seus eleitos e se retiravam para sua moradia em um lugar sagrado, onde prestavam culto feminino à deusa Mãe-Terra e à Lua. As morenas Icamiabas presenteavam os Guacaris com os quais se acasalavam com um amuleto, o que os faria serem bem recebidos onde o exibissem.
Essas mulheres possuíam imensa força física e política em suas mãos. Conquistavam terras e mantinham-se em isolamento. Estabeleciam relações amistosas com algumas tribos vizinhas e escolhiam seus parceiros, para que fossem fecundadas.
Ao darem à luz, se nascesse uma menina, esta permaneceria para sempre com a mãe e se tornaria também uma Icamiaba. Se o rebento fosse um menino, este esperaria o tempo do aleitamento e no ano seguinte, na festa do ritual, era devolvido à tribo do pai. Numa outra versão, não tão arraigada às convenções maternais vigentes, diz-se que, se dessa união nascessem filhos masculinos, estes seriam sacrificados.
Suas tradições eram mantidas e repassadas às futuras gerações através da oralidade em forma de contação de histórias, de declamação e cantoria de poesias épicas. Assim ficaram conhecidas as Ykamiabas, as “cunhãs-teco-imãs”, mulheres doidas, temidas, ousadas, corajosas. As Ykamiabas representam o arquétipo mais puro e primitivo da feminilidade, santificavam a solidão, a vida natural, e possuíam um amor intenso pela liberdade, pela independência e pela autonomia.
O Muyraquitã (Muiraquitã)
Essas mulheres presenteavam seus eleitos com o Muiraquitã, o que selava um acordo tácito de fidelidade. A entidade dona das águas e dos muiraquitãs entregava a cada uma daquelas mulheres uma pedra de cor verde. Nesta pedra encontravam-se esculpidos estranhos símbolos que eram entregues às Icamiabas ainda moles, porém, logo que saíam da água eles endureciam. Segundo o Mito, os amuletos eram vivos e ficavam no fundo do Lago e, para apanhá-los, as índias feriam-se e deixavam cair uma gota de sangue sobre a pedra que tomava o formato de um animal que simbolizava toda a força desejada.
O Muiraquitã era em pedra Jade, de maior significância ritualística, e se destacava pelo fascínio, pelo mistério e pela controvérsia que envolvia o mineral. O amuleto possuía formas variadas: cilíndricas, antropomórficas e zoomórficas, sendo os mais afamados os de forma batraquiana (sapo). O que importava era a magia do amuleto e seus dotes terapêuticos que atraia sorte aos seus detentores e promovia a cura de doenças.
A fama e o exotismo do amuleto tornaram-no cobiçado desde os primórdios da colonização da Amazônia. Poucos são os exemplares que podem ser apreciados atualmente, principalmente em sua região originária. Eles estão espalhados pelos principais museus do mundo e em coleções particulares. O Museu de Santarém, em Belém, exibe mostra do raro artefato.
A vida moderna e consumista também cuidou de cultivar o talismã na bela arte da joalheria, desenvolvendo um gosto pelo mistério e pelo mito ao alcance da população.
MELO, Regina. Ykamiabas: Filhas da Lua, Mulheres da Terra. Editora Travessia, 2004.
VOLPATTO, Rosane. Brasil. Mitos e Lendas, 2000.
Fotos: Brasil Cultural
Dana