Amazoniza-te antes que seja tarde

AMAZONIZA-TE ANTES QUE SEJA TARDE

Amazoniza-te antes que seja tarde

Terras indígenas e as Unidades de Conservação são unidades chave na preservação da Amazônia e para evitar o desmatamento. São territórios sob a ameaça da aprovação da Medida Provisória 910/2019, que propõe uma nova regularização fundiária no Brasil, que acaba com a reforma agrária e a regularização de territórios de povos originários e tradicionais.

A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.

O alerta integra a campanha “Amazoniza-te”, lançada em live no dia 27 de julho por organizações sociais e eclesiais que atuam na Amazônia. O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Azevedo, frisou que a campanha convida as pessoas a colocarem na cabeça e no coração um novo verbo: “amazonizar”.

A campanha, segundo dom Walmor, tem um apelo à alteridade. “O sentido de alteridade me permite que, em não sendo da Amazônia e não estando na Amazônia, eu possa amazonizar-me”, disse.

“‘Amazoniza-te’ se torna uma escola para nós aprendermos a respeitar os povos e as culturas diferentes, a preservar o meio ambiente. Que todo mundo entre e matricule-se nesta escola como um caminho de aprendizagem da humildade e de compromisso com os que precisam mais”, conclamou o bispo.

Estudo preparado pela Irmã Célia Guimarães Vieira, ecóloga e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, membro da Coalizão Ciência e Sociedade, assinala que de 1996 a 2005 a Amazônia brasileira apresentou taxa média de desmatamento anual de cerca de 9 mil quilômetros quadrados por ano. Em 2019, o desmatamento na região atingiu 803 mil quilômetros quadrados.

“O aumento da incidência de fogo na Amazônia deve-se à expansão da fronteira agrícola, à fragmentação florestal e à extração da madeira e, ainda, pelos efeitos do aumento da variabilidade do clima”, aponta o estudo.

Historicamente, registra a análise da Irmã Célia Vieira, entre 70% a 80% da área desmatada na Amazônia foi convertida em pasto, “o que indica a pecuária como a causa direta mais importante da destruição”. Até o início dos anos 1970, o desmatamento florestal foi inferior a 1% do territórios amazônico. Em 2019, ele chegou a atingir cerca de 20% da região.

A ecóloga, ancorada em outros pesquisadores, alertou para o perigo de a Amazônia chegar ao tipping point, “o ponto do não retorno”, se o desmatamento alcançar 20% a 25% da floresta original. “Se nada for feito, esse ponto sem retorno pode ocorrer entre 2035 e 2050”, assinalou.

O estudo da pesquisadora do Emílio Goeldi chama a atenção para a importância da Amazônia no ciclo de chuvas. Devido ao desmatamento e à degradação florestal, a região já perdeu 40% a 50% da sua capacidade de bombear e reciclar a água. A evapotranspiração das árvores cria os chamados “rios voadores”, que irrigam áreas agrícolas e mantêm reservatórios urbanos de várias regiões da América do Sul, com especial impacto sobre áreas agrícolas brasileiras. O carbono que a floresta armazena equivale a mais de dez anos das emissões globais de gases de efeito estufa.

A Amazônia também apresenta os piores indicadores sociais do Brasil, com 13 milhões de brasileiros e brasileiras em precaríssimas condições sociais e de saúde. A região abriga 20% das águas dos rios e lagos do planeta, mas tem as taxas mais baixas do acesso à água tratada e coleta de esgoto do país, segundo dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento.

Ainda em maio, os bispos católicos da Amazônia manifestaram preocupação com o “aumento da violência no campo”. Segundo dados do “Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2019”, da Comissão Pastoral da Terra Nacional, 84% dos assassinatos (27 de 32) e 73% das tentativas de assassinato (22 de 30) ocorreram na Amazônia Legal.

“Causas do aumento da violência no campo e do desmatamento da floresta amazônica são sem dúvida a extinção, sucateamento, desestruturação financeira e a instrumentalização política de órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e de órgãos de fiscalização e de controle agrícola, ambiental e trabalhista”, denunciaram os bispos.

A campanha Amazoniza-te traz propostas concretas de defesa da região, como o fortalecimento dos órgãos responsáveis pela gestão ambiental e pela proteção e garantia dos povos tradicionais; proteção desses povos e comunidades indígenas contra a exploração ilegal de suas terras; imediata demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas pendentes de regularização; desmatamento e degradação florestal ZERO da região.

Amazoniza-te propõe que firmas que destroem a Amazônia sejam pressionadas, iniciando uma Campanha de Boicote às empresas que desmatam, e Campanha de Desinvestimento das Empresas de Mineração. No calendário do Amazoniza-te duas datas ganham destaque: 14 de agosto, Dia Nacional de Combate às Queimadas, e 22 de setembro, Dia Mundial de Mobilização para a Amazônia.

Integram a campanha do Amazoniza-te o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Mídia Ninja e o Movimento Humanos Direitos (MHuD).

A iniciativa decorre das mobilizações pós Sínodo para a Amazônia, reunido no Vaticano em outubro de 2019. A secretária executiva da Repam-Brasil, irmã Maria Irene Lopes, informou que a campanha envolverá formadores de opinião, artistas, pesquisadores e cientistas do Brasil e do exterior nas diferentes ações previstas.

O hotsite da campanha – amazoniza-te.org – disponibiliza materiais de apoio, estudos e manifestos das organizações para fundamentar ações e posicionamentos.

Fonte: Unisinos

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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