Árvore
Um poema de Manoel de Barros
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.
Manoel de Barros nasceu em Cuiabá-MT, em 1916. Até os 17 anos viveu entre a casa da família e um internato, onde iniciou os estudos. Sua vida acadêmica se passou na cidade do Rio de Janeiro, onde ficou até se formar bacharel em Direito, em 1941. Viveu também em Nova Iorque, Paris, Itália e Portugal.
Conheceu Stella, sua esposa e com ela voltou para o Pantanal-MS, para assumir uma fazenda de gado que recebera de herança, passando a dividir seu tempo entre o Rio de Janeiro e o Pantanal. Ainda que, nesta época, vivesse afastado dos círculos literários, sua poesia já vinha tomando corpo.
Pertencente à geração de 45, onde despontaram os grandes poetas brasileiros da metade do século XX, Manoel constrói uma linguagem inovadora, que chega ao limite da agramaticalidade, cheia de neologismos e, ao mesmo tempo, remetendo a língua portuguesa às suas raízes mais profundas.
A profunda correlação da fala poética com as imagens visuais, vem de sua leitura do Pe. Antonio Vieira: “eu aprendera em Vieira que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir”.
Jorge La Rossa, escritor espanhol e tradutor da obra de Manoel, fala com propriedade de sua criação poética: “A obra de Barros é inexplicável como o milagre, como qualquer obra de arte quando é genuína. É um poeta por necessidade, por dom …
Do estado de ruina do mundo, à inevitável fragmentação do sujeito, sua obra reflete o desmoronamento de uma cultura e de uma forma de humanidade. Seu universo pantaneiro aparece poeticamente filtrado por pontos de vista humanos, animais, vegetais e minerais altamente elaborados: um mundo intocado e profundamente humanizado, um mundo poético, encantado”.
Manoel cria uma relação única com a linguagem e o mundo. Uma linguagem que desobedece, a seu modo, e que tem um mundo concreto que brinca a seu modo. Enfim, um poeta singular!
“O que escrevo resulta de meus armazenamentos ancestrais e de meus envolvimentos com a vida. Sou filho e neto de bugres, andarejos e portugueses melancólicos. Minha infância levei com árvores e bichos do chão.
Penso que a leitura e a frequentação das artes desabrocha a imaginação para um mundo mais puro. Acho que uma inocência infantil nas palavras é salutar diante do mundo tão tecnocrata e impuro. Acho mais pura a palavra do poeta que é sempre inocente e pobre”. – Manoel de Barros.