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As Paixões 3

As Paixões 3

As Paixões 3

Ele foi paciente comigo, com todas as minhas contradições, inseguranças e a tentativa de esconder o que sentia, sempre me mostrava seus sentimentos em atitudes e falas, mas eu não conseguia me abrir, ao mesmo que também me declarava, endurecia e me tornava distante, exigia dele o comportamento do macho encarcerador, quando tudo que me oferecia era a que nunca tinha experimentado, era o estarmos juntos, compreendendo e apoiando um ao outro, vendo e vivendo toda a nossa

Por Giselle Mathias

Definitivamente, não estava preparada, não sabia lidar com tudo que acontecia e lhe disse que não poderia mais estar ao seu lado, mas não tive a coragem de dizer que era o meu medo do novo, da realização do que sempre desejara que me afastava dele. Covardemente disse que já me entendia e estava em um momento em que precisava estar só, não desejava nada que me tirasse do meu eixo ou do caminho que decidira seguir, e talvez pudéssemos voltar algum dia a nos encontrar.

Acredito que naquele instante ele desistira de continuar tentando me mostrar que era possível vivermos toda a intensidade do que sentíamos, simplesmente se calou. Eu o havia silenciado, com a vilania da minha insegurança e a negação de todo o que sentia por ele, me entreguei ao cárcere dos meus padrões, voltei a cela do que rejeitava e impedi a mim mesma uma relação verdadeira.

O final de semana após as palavras ditas por mim foi torturante, mas não poderia mostrá-lo, agi como se nada tivesse acontecido, aparecia altiva e com um sorriso no rosto, mas estava destroçada por dentro. A lição de minha mãe em esconder minhas emoções em público foi muito bem aprendida, não deixava transparecer toda a dor instalada no meu ser após a decisão que havia tomado, elas apareceram em hematomas no meu .

Após alguns dias ele me procurou, não para falar sobre nós, apenas me perguntou sobre uma questão profissional. Aproveitei a deixa para tentar me reaproximar, mas dessa vez como uma caçadora, eu seria a conquistadora, as regras seriam impostas por mim; queria fazer algo que não fazia nenhum sentido naquela relação, em nenhum momento esse formato havia sido proposto, ele jamais me tratara como território a ser conquistado, havia me proposto uma relação igualitária, recíproca, e eu estava totalmente aprisionada no que dizia repelir, não conseguia me libertar.

Dizem que os sofrimentos e as dores nos fazem aprender e amadurecer, não sei se é sempre assim, mas nesse caso foi o que me fez enxergar que só poderia ser livre quando abandonasse todos os conceitos e modos introjetados pelo modelo do que é ser mulher, seja a frágil caça ou o da devoradora de homens.

Descobri que não sou nenhuma das duas, mas ainda tentam me colocar em estereótipos, nos moldes impostos pelo processo cultural, e por mais que tente mostrar a minha essência ainda escondo algo de mim. Entendo que preciso me desconstruir para que possa me reconstruir enquanto humana, sei que aprendi com todo o sofrimento que passei por não ter conseguido me despir dos meus grilhões e viver toda a humanidade que me fora proposta.

Não encontrei mais o Avassalador depois do fim. Confesso que não sei como me sentiria se o reencontra-se, como eu o olharia e o desejo que se sobressairia ao vê-lo, mas percebo hoje o quanto cresci, me desenvolvi. Toda a dor que passei por causa da minha incompreensão, do medo que sentia e da minha insegurança me fizeram ver a possibilidade do novo, me permitiram derrubar os muros, arrancar os grilhões e saber que estou me tornando cada vez mais livre e preparada para viver a intensidade do que possa ser apresentado como real e verdadeiro, assim como me fora um dia.

[authorbox authorid=”” title=”Sobre o Autor”]


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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