Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.

Beth Carvalho, potência econômica

Beth Carvalho, potência econômica

Por: Flávia Oliveira, no O Globo
via Portal Geledés geledes
Muito já foi dito e escrito sobre a importância de Beth Carvalho para a , desde sua morte no último dia de abril. A cantora resgatou a obra de Nelson Cavaquinho, ao gravar “Folhas secas”, em 1973, e de Cartola, de quem lançou “As rosas não falam” três anos depois.
Foi reconhecida pela capacidade de identificar e alavancar potências musicais, talento que lhe rendeu a alcunha de Madrinha do Samba. Seu faro legou ao Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Sombrinha, Arlindo Cruz, Luis Carlos da Vila, Jorge Aragão, Dudu Nobre, grupo Fundo de Quintal. Tornou-se um dos ícones do protagonismo num ambiente, até hoje, machista. Ela foi tudo isso. E ainda mais, porque faltou falar de economia.

Beth Carvalho foi faísca desenvolvimentista. Produziu na indústria, no comércio e nos serviços com os 33 álbuns e quatro DVDs que lançou em meio século de carreira. E fez ainda mais via atividade econômica, e gerados pelos nomes que projetou. Além de jovens compositores e cantores, catapultou criações de baluartes da Mangueira e da Velha Guarda da Portela.
Circulou por palcos e rodas de samba atraindo público e consumo, subúrbio e Brasil afora. Quanta gente gastou e ganhou nas estradas que Beth pavimentou? Em tempos de criminalização e asfixia do poder público a personalidades e projetos artísticos, cabe destacar os colaterais benéficos da economia da cultura. Beth fará falta também pelo toque de Midas que muito ministro da Economia gostaria, mas não tem.
A sambista, de quem o Rio de eiroJan se despediu num Primeiro de Maio de desemprego galopante, renda estagnada e intensa informalidade, teve também papel pedagógico no ambiente econômico. Uma canção do LP “Nos botequins da vida”, de 1977, ensinou os brasileiros de forma clara e bem-humorada sobre troca de moeda e perda de poder aquisitivo, às vésperas do ciclo de hiperinflação que massacrou o país da ditadura militar até o início dos anos 1990.
“Saco de feijão” é obra de Francisco Felisberto Santana, celebrado integrante da ala de compositores da Portela. Chico Santana, como ficou conhecido, nasceu em 1911 e morreu em 1988. Testemunhou, ao longo da vida, cinco trocas da moeda nacional. Em 1942, o cruzeiro substituiu o réis, que vigorava desde o Brasil Colônia. Em 1967, foi a vez do cruzeiro novo; três anos depois, o velho cruzeiro retornaria.
Este início dos solavancos econômicos foi parar no samba eternizado na voz da já saudosa cantora — e gravado pela última vez no DVD 2004 “Beth Carvalho, a madrinha do samba”, com participação de Monarco e da Velha Guarda da Portela. A letra debocha da perda de valor da moeda nacional:
“No dos merréis e do vintém
Se vivia muito bem, sem haver reclamação
Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão
Trazia um quilo de feijão
Depois que inventaram o tal cruzeiro
Eu trago um embrulhinho na mão
E deixo um saco de dinheiro”
Aula de economia popular melhor não há. O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, integrou o governo de Ernesto Geisel de 1975 a 1977, quando a escalada de preços internos começou a se intensificar. À custa de altas doses de intervenção estatal, os índices de preços se mantiveram relativamente sob controle durante a primeira crise do , em 1973.
Quando o general autoriza a correção no preço da gasolina, a partir de 1974, mudam de patamar. Em 1976, ano anterior à gravação por Beth, a inflação foi a 46%; e se agravaria nos anos seguintes, até a inflação de 83% em março de 1990, fim da década perdida. Quem ouviu Beth Carvalho cantar não se espantou.
“A música é, de fato, educativa. Expressa a volta da inflação a partir da segunda metade dos anos 1970, mesmo com algumas medidas de controle de preços pelo governo. Fui testemunha ocular dessa ”, atesta o professor.
Em mim, a canção de Beth despertou o interesse em publicar um sobre a história econômica do Brasil à luz do cancioneiro popular. “Saco de feijão”, por óbvio, encabeça a lista de “Economia cantada”, jamais escrito em razão dos direitos autorais das músicas. A obra não saiu, mas lição aprendida com Chico Santana e Beth Carvalho influenciou o compromisso de escrever e explicar de forma clara os caminhos da economia. Cabe num samba.
Fonte: https://www.geledes.org.br/beth-potencia-economica-por-flavia-oliveira/
flaviaFlávia Oliveira – Foto: Marta Azevedo

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


[smartslider3 slider=33]

 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA