Betinho virou semente

Betinho virou semente – “Meu Brasil/que sonha com a volta do irmão do Henfil/de tanta gente que partiu…” João Bosco – Aldir Blanc

Por Zezé Weiss

Foi em 9 de agosto de 1997 que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, criador e líder da Ação da contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que acabou ficando conhecida como Ação da Cidadania, virou pó de estrela nos mistérios do infinito.

Com Betinho, o irmão do Henfil que, citado nos antológicos versos de João Bosco e Aldir Blanc, imortalizados por Elis Regina na “O Bêbado e a Equilibrista”, para não morrer sob tortura precisou sair do Brasil, exilado, nos tempos bicudos da (1964-1985), o Brasil descobriu o valoroso poder da solidariedade humana no enfrentamento da pobreza e no combate à social.

Para o exílio, o militante da Ação Católica e um dos fundadores da Ação Popular (AP), grupo católico pró-, enquanto era estudante de sociologia na Universidade Federal de , partiu em 1971. O engajamento na pelas reformas de base do governo João Goulart nos anos 1960 o colocaram na mira do golpe militar de 1964. Enquanto exilado, morou no Chile, no Canadá e no México.

Uma intensa campanha pela anistia no final dos anos 1970 trouxe de volta ao Brasil Betinho, em 1979, e “tanta gente que partiu” nos anos seguintes.

Dois anos depois, Betinho cria o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), junto com os companheiros de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda. Em 1990, sob a liderança de Betinho, o Ibase organizou o encontro “Terra e Democracia”, que contou com a presença de 200 mil pessoas no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Diagnosticado como portador do vírus HIV, Betinho ajudou a fundar a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia), em 1986.  Em 1992, fez parte do Movimento pela Ética na , que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. O movimento serviria de base para a mobilização da campanha contra a fome.

BETINHO VIROU SEMENTE

Em 4 de dezembro de 2012, o legado de Betinho foi reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como parte relevante da memória mundial. O arquivo de Betinho está disponível para consulta no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Ao reconhecimento internacional, soma-se a ação cidadã e solidária de milhares de pessoas voluntárias espalhadas Brasil afora, fazendo germinar as sementes deixadas por Betinho.

Entra ano, sai ano, não há lugar do Brasil onde não se saiba de um cuidado, uma atenção, uma cesta básica enviada pela Ação da Cidadania, em gigantesco movimento que move a solidariedade na rota do esperançar. Há 28 anos consecutivos, por conta das sementes que Betinho plantou, a sociedade brasileira se mobiliza por um “Natal Sem Fome”.

QUEM TEM FOME TEM PRESSA

Essa pauta do Betinho quem nos sugeriu foi o Jacy Afonso, conselheiro da Revista Xapuri. Faço, eu lhe disse, mas quero alguém que possa me explicar como funciona o trabalho voluntário da Ação da Cidadania, de preferência aqui na nossa região de Brasília. “Fácil, só falar com o Zé Ivan”, respondeu Jacy.

José Ivan Mayer de Aquino, Especialista em Políticas Públicas e Gestão no Ministério da Cidadania, lotado na Coordenação Geral de Solidária, Associativismo e Cooperativismo e de Educação Física aposentado do GDF é, desde 1993, coordenador voluntário da Ação da Cidadania no Distrito Federal e Entorno.

Pergunto ao Zé Ivan como se envolveu e como funciona a agenda da Ação da Cidadania. Descubro um calendário estruturado:

Comecei, em 1993, por um chamado do Betinho. E desde que, em 1997, Betinho virou beija-flor, aqui na nossa região, tenho organizado a seguinte sequência de eventos e atividades solidárias: 14/07 – Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Equidade, com ações solidárias de distribuição de alimentos e eventos de visibilidade na Esplanada dos Ministérios; 09/08 – Betinho Virou Semente; 23/09 – Betinho Virou Flor; 16/10 – Betinho Virou Fruto (desde 1993), dando início à campanha Natal Sem Fome, por ser o Dia Mundial da Alimentação; 20/11 – Betinho Virou Cidadão do Mundo.”

Neste ano de 2020, além da coordenação do calendário regular, Zé Ivan está especialmente envolvido na Campanha Ação Contra o Corona, em resposta à crise gerada pela pandemia da Covid-19.

Desde março, já ajudei a coordenar a logística da entrega de 330 toneladas de alimentos e itens de higiene e limpeza para comunidades vulneráveis do Distrito Federal e região, Goiás, Acre, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, onde contribuímos com mil cestas básicas para a Campanha SOS Xavante,” conta.

Pergunto, também, ao Zé Ivan o que faz com que um cidadão aposentado de Brasília assuma, por toda uma vida, o compromisso de seguir, como um beija-flor, plantando as sementes de Betinho. “O que me move, a mim e às centenas de voluntários e voluntárias que, junto comigo, organizam e distribuem os alimentos doados por empresas e indivíduos, é a lição aprendida de Betinho: ‘QUEM TEM FOME TEM PRESSA’”.

Jacy tinha razão, o Zé Ivan era quem eu deveria procurar. O problema em achar a pessoa certa para a matéria justa é que, pra nós da Xapuri, o assunto tende a não se encerrar com a publicação da matéria. Dito e feito: essa semana, no meio da produção da edição 70, paramos tudo para ajudar o Zé Ivan a distribuir mil cestas básicas e mil kits de higiene para famílias do nosso nordeste goiano.

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Zezé Weiss – Jornalista.

 

 

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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