CARNAVAL E POLÍTICA: UMA SIMBIOSE SEM VOLTA

CARNAVAL E POLÍTICA: UMA SIMBIOSE SEM VOLTA

Carnaval e Política: Uma simbiose sem volta

Os 10 momentos mais politizados das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (1960 – 2019)

Racismo, exploração, escravidão, desigualdade e luta – todos esses são temas necessariamente presentes, direta ou indiretamente, nos carnavais e desfiles. Assim, o Portal Geledés introduz matéria de Vitor Paiva, publicada originalmente no Hypeness, no ano de 2018, sobre os 10 momentos mais politizados da história das escolas de samba do Rio de Janeiro. Complementamos (e editamos, por limitação de espaço) a lista de Paiva com a inclusão do samba-enredo da Mangueira, de 2019. Vale a pena conferir:

  1. ZUMBI DOS PALMARES (Salgueiro – 1960): Até 1960, a história da resistência à escravidão jamais tinha sido contada em um desfile de escola de Naquele ano, o carnavalesco Fernando Pamplona colocou na Avenida figurantes vestidos de escravos, para contar a história de Zumbi dos Palmares.  Os  jurados tentaram dar o título à Portela, mas a pressão popular foi tão grande que acabaram obrigados a dividir o campeonato entre as cinco primeiras escolas – e assim, com muita luta e justiça, o Salgueiro conquistou seu primeiro título e seu lugar na história.
  2. IEMANJÁ (Império Serrano e São Clemente – 1966): O racismo que imperou na elite brasileira desde a tardia abolição da escravatura (1888), colocou também as afirmações culturais negras marginalizadas e perseguidas. Por muitos anos, falar em candomblé ou orixás era proibido em um desfile. Em 1966, mais de 30 anos depois dos primeiros desfiles, pela primeira vez um orixá foi citado em um samba-enredo, por um gesto corajoso por parte das escolas Império Serrano e São Clemente – que vinham com enredos homenageando a Bahia e citaram Iemanjá.
  3. HERÓIS DA LIBERDADE (Império Serrano – 1969): Nesse ano, o Império Serrano desafiou abertamente a ditadura militar. Poucos meses após o AI-5 (que empurrou o país para o buraco sem fundo das torturas, mortes, e da corrupção da fase mais autoritária e terrível da ditadura), a escola saiu com o enredo Heróis da Liberdade, numa clara posição crítica ao regime. Mesmo tendo de ser alterado – a palavra “revolução” teve de ser trocada, por exemplo, por “evolução”, o samba de Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira tornou-se um hino de celebração à liberdade e de homenagem a outros sambistas.
  4. MACOBEBA (Tijuca – 1981): O carnavalesco Renato Lage homenageou o livro “Manuscrito Holandês”, de Manoel Cavalcanti Proença. A história da luta do herói caboclo Mitavaí contra o terrível Macobeba tornou-se metáfora para falar do povo oprimido e pobre, da repressão política e da luta desse No início da década de 1980, a abertura já havia começado, mas a ditadura ainda não havia chegado ao fim, e Macobeba, no desfile, foi visto como o dinheiro, o poder, o regime. O verso final do samba, que diz: “Maldito bicho/ se me ouviu/ e não gostou do meu samba/ vai pra longe do Brasil”, era invariavelmente substituído por um sonoro palavrão pelo público na Avenida.
  5. RATOS E URUBUS (Beija-Flor – 1989): Joãozinho Trinta levou para a Avenida o enredo Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia, em um dos mais belos, icônicos e politizados momentos da história dos desfiles. Em meio ao luxo, Joãozinho colocou um Cristo Redentor vestido de mendigo em meio à miséria. A arquidiocese do Rio de Janeiro recorreu à justiça para proibir o Cristo O carnavalesco decidiu que seu Cristo sairia mesmo assim – ainda que coberto por um saco preto de lixo –, com uma placa em que se lia: “Mesmo proibido, rogai por nós”. A Beija-Flor não ganhou o título daquele ano, mas é esse o desfile que a história lembrará como, talvez, o mais icônico momento político de todos os desfiles.
  6. BETINHO (Império Serrano – 1996): As políticas econômicas do governo FHC, que afetavam direitos  trabalhistas,  agravavam  a fome  e  a  desigualdade de  renda  brasileira, eram a  pauta do  dia, e Betinho, oriundo da luta contra o regime militar, representava justamente a guerra contra a fome no país. “Democracia e miséria são incompatíveis”, dizia Betinho, denunciando também a falta de compromisso do então governo com as classes mais A escola ficou em sexto lugar, mas esse foi provavelmente o momento mais politizado da década de 1990 no Sambódromo carioca.
  7. XINGU X AGRONEGÓCIO (Imperatriz – 2017): O enredo Xingu– o clamor que vem da floresta fez justas críticas às investidas das elites contra a demarcação de terras indígenas e os direitos das populações originárias, citando o agronegócio como “o monstro que roubou as terras dos seus filhos, devora as matas e seca os rios, tanta riqueza que a cobiça destruiu”, como diz o samba de 2017. Diversas associações ligadas ao agronegócio e até senadores tentaram proibir e mesmo censurar de modo geral os desfiles.
  8. PRESIDENTE VAMPIRO (Tuiuti – 2018): Com um enredo contundente: Meu deus, meu deus, está extinta a escravidão? A Tuituti mostrou como a escravidão e seus efeitos permanecem até hoje. Além de uma sucessão de carteiras de trabalho desfilando, como crítica às impopulares reformas trabalhista e da previdência do governo,  no final do desfile o presidente Michel Temer veio caracterizado como um “vampiro neoliberalista” – como o vampiro da escravidão moderna.
  9. MANIFESTOCHES (Tuiuti – 2018): Os “Manifestoches” do Tuiuti entraram, para a iconografia crítica dos   Fantasiados como o pato de borracha da FIESP, com camisas aludindo ao verde  e amarelo da CBF e panelas nas mãos (símbolos das manifestações que pressionaram pelo impeachment da presidenta Dilma), grandes mãos sobre os foliões, manipulando as cordas que os conduziam como fantoches, simbolizaram a grande mídia e as elites.
  10. SANGUE RETINTO (Mangueira – 2019): Com “Canção para ninar gente grande”, a campeã Mangueira conta a História que a História não conta sobre a luta do negro, do índio, da mulher, do  pobre. Assim, a escola não somente homenageia Marielle Franco como tira, na Avenida, a máscara dos assassinos e mandantes dos heróis e heroínas do Brasil nesses mais de 500 anos de Resistência.

Foto de capa: Em 2018, o desfile da Paraíso da Tuiuti fez história, ao levar para avenida a crítica a reforma Trabalhista de Temer – Foto: Tânia Rego / Agência Brasil

 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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