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Carta da 1a Yubaka Hayrá - Conferência Indígena da Ayahuasca

CARTA DA 1a YUBAKA HAYRÁ – CONFERÊNCIA INDÍGENA DA AYAHUASCA

Carta da 1a Yubaka Hayrá – Conferência Indígena da Ayahuasca

Nós, representantes dos Povos Indígenas do Vale do Juruá – Apolima-Arara, Ashaninka, Huni Kuin, Jaminawa, Jaminawa-Arara, Kuntanawa, Nawa, Noke Koi, Nukini, Puyanawa, Shanenawa, Yawanawá e Shawãdawa reunidos na 1ª Yubaka Hayrá – Conferência Indígena da Ayahuasca, realizada de 14 a 17 de dezembro de 2017, na Terra Indígena Poyanawa, no Município de Mâncio Lima, sob a coordenação da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá (OPITAR), Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE), Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ), com a participação das demais organizações presentes, após intensos debates, deliberamos:

A realização de encontros internos de cada povo para nivelar as informações discutidas nesta conferência, bem como para discutir com a base os assuntos encaminhados nesta carta. Esse debate irá subsidiar a realização da 2ª Conferência Indígenada Ayahuasca. A realização destes encontros deverá ser articulada pelas organizaçõesregionais indígenas, com o apoio da FUNAI.

A FUNAI ficará responsável pela articulação com instituições externas, tais como Assessoria Indígena, IPHAN/MINC, CONAD, entre outras, consideradas relevantes neste debate, para a participação em uma reunião preparatória da 2ª Conferência Indígena da Ayahuasca,
inicialmente indicada para acontecer em junho de 2018.

Cada povo deverá se posicionar coletivamente e em seus encontros internos deverão refletir acerca das questões relacionadas abaixo:

 Como era o uso da medicina tradicional no passado, o repasse e a proteção do conhecimento no contexto interno indígena.

 Como é o uso da medicina tradicional, o repasse e a proteção do conhecimento no contexto atual, e como refletem sobre as mudanças observadas nos usos tradicionais.

 Como percebem a situação dos atuais intercâmbios com não indígenas e como está sendo zelado o conhecimento. Pensar sobre quais são as formas de proteção do conhecimento sobre as medicinas tradicionais considerando as mudanças decorrentes desta expansão.

 Possibilidades e limites para compartilhar os conhecimentos tradicionais com não indígenas. Refletir sobre até que ponto é benéfico ou ameaçador transmitir estes conhecimentos para não indígenas e qual será a forma de diálogo e compartilhamento externo. Para subsidiar as reflexões encaminhamos, em anexo, a sistematização dos debates ocorridos ao longo da 1ª Yubaka Hayrá.

Terra Indígena Puyanawa, 16 de dezembro de 2017.

ANEXO
SISTEMATIZAÇÃO DOS DEBATES OCORRIDOS AO LONGO DA 1ª YUBAKA HAYRÁ

Reflexões/Problemas:

* Pesquisadores que estudam a ayahuasca e demais medicinas tradicionais não são comprometidos com os interesses do movimento indígena. Eles têm legitimidade para falar no âmbito acadêmico, mas sobre espiritualidade são os povos indígenas os verdadeiros
conhecedores e estes devem ser os protagonistas.

* Preocupação com cursos de formação para usar medicinas sagradas, principalmente fora do . * Preocupação com o uso inadequado das medicinas pelos nawás/igrejas e a comercialização, podendo gerar situações graves associadas a este uso. Exemplo: uso da ayahuasca pelos nawás em festas diversas e outros espaços, em forma de comprimido, como uma droga psicodélica.

* A ampliação do uso das medicinas fora do contexto indígena fez com que tenha mais nawás do que indígenas usando ayahuasca.

* As medicinas tradicionais têm usos específicos. Se forem usadas fora do contexto, mesmo pelos indígenas, perdem o sentido e deixam de ter eficácia.

* Reflexão sobre a responsabilidade dos próprios indígenas por terem transmitido o conhecimento das medicinas aos nawás.

* Desrespeito de órgãos fiscalizadores e/ou reguladores em relação à circulação de indígenas com a medicina e outros elementos da cultura.

* A noção de direito “difuso”enfraquece os direitos indígenas, colocando a ayahuasca indígena no mesmo patamar do uso por igrejas e outros grupos diversos não indígenas.

Encaminhamentos/Sugestões/Orientações

* Ao invés de usar o nome genérico ayahuasca, é preciso usar as nomenclaturas específicas de cada povo, e também das demais medicinas tradicionais.

* Necessidade de conhecer as leis nacionais e internacionais sobre a ayahuasca.

* Importância de uma estrutura de comunicação entre os povos indígenas para se fortalecerem sobre a temática.

* Proposta de criação de uma instância interna indígena para tratar das questões culturais e alinhar os posicionamentos entre os diferentes povos, de forma a assumirem a responsabilidade sobre o uso adequado das medicinas, bem como sua divulgação e
comercialização.

* Criar um conselho de ética indígena sobre as medicinas tradicionais.

* Necessidade de um plano de ação coletiva, para que todos possam ter sua terra e viver com seus costumes. É necessário ter união entre as lideranças para assumirem o compromisso com esta causa para que não haja divisões internas.

* Necessidade da continuidade dessas discussões através de uma agenda de trabalho, com a realização de encontros periódicos, com ampla participação da base, bem como a inclusão de outros povos originários que também fazem uso dessas medicinas.

* Necessidade de organização e orientação interna sobre a questão da circulação e divulgação da cultura pelos indígenas que viajam com medicinas tradicionais.

* Criar documentos de referência de cada povo, como o regimento interno, que regulamente as formas de uso, transmissão de conhecimento e circulação das medicinas. Garantir direito de circulação com ayahuasca e demais medicinas tradicionais de forma responsável.

* Realizar reunião com instituições governamentais para obter e repassar para as bases as informações sobre transporte/translado das medicinas tradicionais e relatar processo em andamento.

* Possibilidade de criação de CNPJ para circular com ayahuasca de acordo com a atual resolução do CONAD.

* Realizar ações educativas nas aldeias, junto aos professores, para conscientizar as crianças e jovens sobre o uso correto das medicinas tradicionais, bem como ensinar o correto cultivo das plantas.

* Criar estratégias, pelos próprios povos, relacionadas ao manejo, cultivo, intercâmbio e conservação das plantas medicinais, integrados aos sistemas agroflorestais, destacando a importância da valorização e proteção dos conhecimentos ancestrais.

* Pesquisar, revitalizar e divulgar as músicas tradicionais nas escolas indígenas, repassando para os jovens na forma específica de cada povo.

* Os direitos autorais (música) devem ser assegurados principalmente pelas lideranças espirituais, mas as associações precisam trabalhar no sentido de fortalecer esses direitos.

* Reflexão sobre inclusão do uso de instrumentos musicais não tradicionais (violão e outros) na música de cada povo, não só da ayahuasca, mas também de caça e outras.

* Criar estratégias para vincular a comercialização do rapé indígena à forma de feitio dos povos originários, rechaçando a vinculação dos nomes dos povos a rapés produzidos fora do contexto indígena.

* Incentivar que as pessoas tomem ayahuasca com quem conhece, para saber a história e sentir como ela é. Importância do comprometimento dos povos indígenas para a realização de trabalhos de cura de forma responsável.

* Incentivar os intercâmbios entre os povos para o fortalecimento da autonomia de cada povo em relação ao conhecimento e cultivo das plantas medicinais, bem como seu uso medicinal e cultural.

* Criar uma estratégia interna para proteção dos direitos indígenas, ampliando a discussão para outros países que possuem povos originários que utilizam a ayahuasca por meio de uma conferência.

* Durante a 2ª Conferência Indígena da Ayahuasca, avaliar a possibilidade do envio de uma carta para o IPHAN/Ministério da Cultura, Ministério Público e demais entidades responsáveis no Brasil, para a ONU e demais instâncias internacionais, apresentando o posicionamento dos povos indígenas sobre a patrimonialização e sobre a questão da difusão do sagrado para o mundo.

* Durante a 2ª Conferência Indígena da Ayahuasca, avaliar a possibilidade de abrir processo em uma corte internacional acusando o Brasil por genocídio cultural. Possibilidade de usar como exemplo a denúncia da Empresa Ayahuasca International, feita pela Colômbia.

* Fortalecer a relação com a FUNAI sobre o controle da entrada de pessoas nas comunidades indígenas que buscam vivências com as medicinas tradicionais.

* Pautar a presença de pajés na comissão do IPHAN/ Ministério da Cultura que avaliará o processo de registro da Ayahuasca como patrimônio cultural brasileiro solicitado pelas igrejas.

* Avaliar a possibilidade de um registro como patrimônio cultural dos povos indígenas.

* Criar processo próprio de reconhecimento do que é patrimônio na visão dos povos indígenas.

* Necessidade de captação de recursos junto a parceiros das associações e ao Ministério da Cultura para realizar a etapa de esclarecimento junto aos povos indígenas, indicada como necessária no processo de registro.

* Proposta da criação de um GT das organizações ou outra instância para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos junto ao IPHAN e outras pesquisas relacionadas às medicinas tradicionais.

* Ampliar a segunda conferência para debater também sobre outras medicinas, assim como ampliar os espaços de debate.

Carta da 1a Yubaka Hayrá - Conferência Indígena da Ayahuasca

Imagem que ilustra esta matéria: Foto do Dr. Joaquim Maná Kaxinawá, fornecida por nosso parceiro Jairo Lima  cronicasindigenistas

Matéria atualizada em 10/09/2024, com inclusão da Carta da  4a Conferência Indígena da Ayahuasca: 

Carta da IV Conferência Indígena da Ayahuasca

Nós, indígenas dos Povos: Apolima-Arara, Huni Kuĩ, Jaminawa-Arara, Kuntanawa, Nawa, Noke Koi, Nukini, Puyanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Yawanawá, Apurinã (Pupykary), Manchineri, Ashaninka, Ashaninka del Alto Perene, Yanesha del Puerto Yunnako, Nomatsiguenka, Ashaninka y Machiguenga del Rio Apurimac-Cusco, Yaminawa, Marubo, Yepá Mahsã-Tukano, Anishinaabe, Arhuaco, Tubú Hʉmmʉrimasa, Inga/Union de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonia Colombiana (UMIYAC), Kichwa de Sarayaku, Kofan, Jiaki, Wixárika, Potiguara, Omágua Kambeba, Shipibo-Konibo, Yanomami, Mbyá, Siona, reunidos na IV Conferência Indígena da Ayahuasca, realizada de 25 a 29 de setembro de 2022, no Instituto Yorenka Tasorentsi, no município de Marechal Thaumaturgo, Acre, Brasil, sob a coordenação do Instituto Yorenka Tasorentsi (IYT) e da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), após intensos debates, por meio desta:

Afirmamos que a Ayahuasca é o fio condutor da vida, um conhecimento ancestral que resistiu à colonização e permanece vivo na cultura de diversos povos indígenas, seus guardiões desde os tempos imemoriais. Ressaltamos que os ensinamentos indígenas são uma inspiração diante das mudanças necessárias para proteger a vida no planeta e para revisar a própria ideia de humanidade.

*Afirmamos que a Ayahuasca é o fio condutor da vida, um conhecimento ancestral que resistiu à colonização e permanece vivo na cultura de diversos povos indígenas, seus guardiões desde os tempos imemoriais. Ressaltamos que os ensinamentos indígenas são uma inspiração diante das mudanças necessárias para proteger a vida no planeta e para revisar a própria ideia de humanidade.

*Conclamamos o reconhecimento e respeito de todos os nossos territórios: físicos, materiais e imateriais, a demarcação das e o respeito aos saberes que as sustentam.

*Destacamos que a espiritualidade dos povos indígenas não se limita a curar o corpo e a mente de indivíduos, mas é um veículo de cura, proteção e comunicação com os territórios e todos os seres que neles habitam, nossos ancestrais, suas histórias, cantos e sonhos. Assim, cuidamos dos seres em todas as suas formas de vida.

Chamamos atenção sobre o papel da juventude de fortalecer os conhecimentos sobre as medicinas indígenas com responsabilidade e criatividade.

*Nos questionamos sobre os desafios e as oportunidades do momento atual que vivemos no mundo. Chamamos atenção sobre o papel da juventude de fortalecer os conhecimentos sobre as medicinas indígenas com responsabilidade e criatividade. Lamentamos que os jovens não possam ter a mesma relação íntima que tiveram nossos avós, sabemos que temos profundas dores a sanar coletivamente e homenageamos nossas medicinas ancestrais por sua força de cura, ensinamento e de comunicação com os territórios.

*A contra as é um sintoma da doença colonial em nossos territórios. Neste encontro, marcado pela força da presença delas, assumimos um compromisso de cuidar com amor e defender a integridade de nossas crianças, jovens, mães e avós, nos posicionando contra qualquer tipo de violação de seus direitos. Também nos comprometemos com os cuidados com os mais velhos e mais velhas, com nossos anciões.

*Avaliamos os impactos que existem sobre as dinâmicas culturais, políticas e ecológicas de nossas comunidades, vindos da comercialização da e da expansão da ayahuasca e medicinas associadas a ela entre os não indígenas, no presente e no futuro. Estamos atentos para a importância do reflorestamento e a conservação das medicinas indígenas.

*Promoveremos intercâmbios entre os povos indígenas com o objetivo de trocar experiências e orientações sobre a ética dos cuidados e dietas, da alimentação, do respeito aos princípios, da conservação dos nossos diferentes modos de vida, do manejo dos ecossistemas, do fortalecimento de direitos coletivos e da luta pelo fim das violências contra nossas culturas.

Apesar das diferenças territoriais e da distância, a ayahuasca fala a língua de cada um dos povos e revitaliza cada cultura.

*Promoveremos intercâmbios com povos indígenas que buscam a ayahuasca como meio de se reconectar com suas espiritualidades e medicinas próprias, com orientação e ensinamento de líderes indígenas espirituais experientes. Apesar das diferenças territoriais e da distância, a ayahuasca fala a língua de cada um dos povos e revitaliza cada cultura.

*Promoveremos intercâmbios entre os espaços e organizações indígenas que estiveram presentes nesta conferência, para conhecermos melhor cada experiência e articularmos ações conjuntas. Reuniremos as experiências de institutos e centros indígenas já existentes para dialogar sobre nossas práticas e desafios, alinhadas às reflexões internas de cada povo ou comunidade sobre as formas de uso das medicinas.

*Promoveremos novos encontros sobre o uso de medicinas indígenas.

Nos preocupa o uso indevido de nossos nomes, nossas palavras e nossos itens de vestimentas tradicionais. Diante desses casos, exigimos o cumprimento da legislação sobre apropriação cultural e o desenvolvimento de novos instrumentos de proteção intelectual e direitos de imagem.

*Nos preocupa o uso indevido de nossos nomes, nossas palavras e nossos itens de vestimentas tradicionais. Diante desses casos, exigimos o cumprimento da legislação sobre apropriação cultural e o desenvolvimento de novos instrumentos de proteção intelectual e direitos de imagem.

*Refletimos sobre a construção de um código de ética que possa sugerir formas legítimas de compartilhar as medicinas indígenas com o mundo não indígena, de acordo com os ensinamentos dos mais velhos, aliadas a um trabalho diplomático em nome da justiça e do bem-estar para toda a humanidade.

Afirmamos que a espiritualidade dos povos indígenas não está à venda, mas pode ser compartilhada com uma profunda ética alinhada ao convívio, aos ensinamentos, às formas de se relacionar com os territórios de onde nascem nossos conhecimentos.

*Afirmamos que a espiritualidade dos povos indígenas não está à venda, mas pode ser compartilhada com uma profunda ética alinhada ao convívio, aos ensinamentos, às formas de se relacionar com os territórios de onde nascem nossos conhecimentos. E quando isso aconteça, deverão ser respeitadas as legislações vigentes.

*Daremos continuidade ao processo de criação do Conselho de Líderes Espirituais Indígenas, de forma a aperfeiçoar o que já temos feito. O conselho terá como uma de suas premissas ser uma instância orientadora e mediadora com o mundo não indígena, capaz de agregar e difundir a mensagem de paz e de proteção da vida, com um compromisso de garantir o respeito aos conhecimentos, ciências e medicinas indígenas.

Identificamos a necessidade de elaboração de contratos claros e de maior atenção voltada a atividades comerciais que envolvam as medicinas tradicionais indígenas.

*Identificamos a necessidade de elaboração de contratos claros e de maior atenção voltada a atividades comerciais que envolvam as medicinas tradicionais indígenas.

*Notamos a importância de incorporar novas tecnologias sociais de gestão de projetos para qualificar o efetivo uso de recursos e financiamento de processos nas comunidades.

*Salientamos a importância de se ter espaços sagrados específicos para realização de cerimônias, onde seja feita previamente a limpeza espiritual, pois assim fortalecemos as práticas culturais e espirituais em harmonia com os seres do lugar, tanto nas aldeias quanto em comunidades indígenas urbanas.

Vamos preparar as crianças para defender os territórios e incentivar a aprendizagem das línguas maternas e demais elementos culturais de nossos povos, para pensarem de forma crítica e criativa a sua conexão com a ancestralidade.

*Nos inspiramos com experiências de criação de espaços para a formação integral de jovens que possam atuar em processos culturais, econômicos, políticos e espirituais, bem como conhecer as medicinas. Vamos preparar as crianças para defender os territórios e incentivar a aprendizagem das línguas maternas e demais elementos culturais de nossos povos, para pensarem de forma crítica e criativa a sua conexão com a ancestralidade.

*Consideramos que a proteção de plantas e animais está vinculada à soberania alimentar de nossos povos, sempre de forma integrada à escola e demais ações comunitárias, conforme as reflexões de cada comunidade.

Buscaremos nos aproximar de um diálogo entre as medicinas tradicionais indígenas e a medicina não indígena, para que sejam reconhecidas e valorizadas, com a indicação de integrá-las em sistemas públicos de física, emocional e mental.

*Buscaremos nos aproximar de um diálogo entre as medicinas tradicionais indígenas e a medicina não indígena, para que sejam reconhecidas e valorizadas, com a indicação de integrá-las em sistemas públicos de saúde física, emocional e mental.

*Buscaremos meios de proteger as riquezas abundantes de nossos territórios, unindo-nos como povos irmãos com segurança e autonomia, nos aliando a parceiros não indígenas que trabalham em diálogo verdadeiro com os nossos pensamentos de viver bem. Vemos essa união como um caminho de superação dos crimes contra a memória e as culturas de nossos povos.

*Estamos atentos ao contexto das fronteiras entre diferentes países que envolvem nossos territórios na Amazônia continental, aos desafios colocados para nossa articulação enquanto povos irmãos, pois para nós os nossos territórios não possuem fronteiras. As florestas tropicais são sistemas de vida que se estendem também a outros territórios, e o compromisso com o seu equilíbrio envolve visibilizar nossos conhecimentos originários. Enfrentaremos as situações locais de ameaças diversas para proteger a terra e a floresta e precisamos de apoio para o acesso às tecnologias necessárias para registrar e monitorar invasões nos territórios.

*Reforçamos a necessidade de tecer alianças entre os povos nessa faixa de fronteira e da realização de etnozoneamento de todas as terras indígenas.

*Afirmamos que a separação do conhecimento em áreas e a diferenciação entre moléculas, substâncias, plantas e produtos não corresponde ao pensamento indígena sobre o espírito e a vida dos seres que nos curam. Alertamos sobre os e graves consequências da morte de nossos territórios, do mal uso de nossas medicinas e da apropriação cultural. Ressaltamos a importância da consulta prévia e informada, da violência do extrativismo de nossos conhecimentos, da biopirataria e nos posicionamos contrários às ameaças de exploração e exclusão de nossos povos.

*Alertamos que as ameaças à vida e aos territórios não provêm somente de madeireiras, garimpeiros e do narcotráfico, pois também podem estar camufladas em narrativas bonitas de organizações não-governamentais, empresas e missionários. Portanto, nossos líderes e sábios devem ser protegidos.

Convocamos técnicos e acadêmicos indígenas e não indígenas a combater a desinformação, a falta de consciência nas instituições, a apropriação cultural e uso inadequado de nossas medicinas.

INSTITUTO YORENKA TASORENTSI

*Convocamos técnicos e acadêmicos indígenas e não indígenas a combater a desinformação, a falta de consciência nas instituições, a apropriação cultural e uso inadequado de nossas medicinas. Os convocamos para serem pontes para a revisão de antigos paradigmas, criação de novos modelos, assessoria jurídica, desenvolvimento de instrumentos, de e interlocução institucional, a partir de nossas demandas, com respeito às identidades culturais, às ciências indígenas e respeito de seus métodos de pesquisa e ensino.

*Enfrentaremos a criminalização da ayahuasca em seu uso por líderes espirituais indígenas fora de seus territórios de origem, pois somos todos uma família.

Enfrentaremos a criminalização da ayahuasca em seu uso por líderes espirituais indígenas fora de seus territórios de origem, pois somos todos uma família.

*Exigimos a liberação imediata de pessoas presas por transportar e usar a ayahuasca em países como o México e a Espanha, em casos em que nossos líderes estão sendo denunciados como criminosos e traficantes de substâncias ilícitas. Nos posicionamos a favor da autonomia dos povos originários para lidar com suas medicinas tradicionais.

*Não aceitamos registros de patente da ayahuasca e outras medicinas indígenas, assim como desautorizamos qualquer apropriação para fins de desenvolvimento de produtos comerciais que desconsiderem nossos direitos relacionados ao conhecimento tradicional associado. Nos comprometemos a lutar para quebrar essas patentes ilegítimas.

Observação: O termo Ayahuasca não substitui as terminologias apresentadas por cada povo participante, tais como Kamarãpi, Uni, Huni, Dispãnī hew, Tsĩbu, Yage, Gaapi, Caapi, Hayakwaska, entre outras. No entanto, desde a primeira Conferência foi acordada a utilização deste termo de forma genérica, compreendendo todas as demais nomenclaturas.

Instituto Yorenka Tasorentsi, Marechal Thaumaturgo-Acre, Brasil, setembro de 2022.

Este artigo foi publicado originalmente em: .


 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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