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É TEMPO DAS MULHERES: CLAUDIA SHEINBAUM E A TRANSFORMAÇÃO DO MÉXICO

CLAUDIA SHEINBAUM E A TRANSFORMAÇÃO DO MÉXICO

É Tempo das Mulheres: Claudia Sheinbaum e a transformação do México

Em outubro de 2024 o México testemunhou um momento histórico: a posse de sua primeira presidenta, Dra. Claudia Sheinbaum. Depois de 200 anos de república, foi a primeira vez que uma mulher foi eleita no país

Por Pedro Henrichs e Iara Cordero/Via Revista Focus Brasil 

Em seu discurso logo após as votações, Cláudia declarou: “Não chego aqui sozinha. Chegamos todas. Com nossas heroínas que nos deram a pátria, nossas ancestrais, nossas filhas e nossas netas.”. Ser a primeira mulher a ocupar esse posto não é somente um marco e um triunfo pessoal para Sheinbaum, representa também décadas de lutas das mulheres mexicanas por igualdade, direitos políticos e uma participação mais ativa na governança do país.

O caminho para este momento foi longo e árduo. Embora o México tenha uma rica história pré-colombiana, o reconhecimento dos direitos políticos das mulheres ocorreu muito tarde. Apenas em 1953, após uma reforma constitucional promovida pelo governo de Adolfo Ruiz Cortines, as mulheres mexicanas finalmente conquistaram o direito ao sufrágio, apesar da forte resistência social e familiar.

A luta pela emancipação feminina no México teve seus maiores avanços entre 1910 e 1920, durante a Revolução Mexicana. Hermelinda Galindo, uma das pioneiras desse movimento, lançou em 1917 a revista “La Mujer Moderna”, onde defendia abertamente o direito das mulheres à educação e ao voto. Posteriormente, figuras como Elvia Carrillo Puerto enfrentaram repressões políticas, sendo eleita para um cargo público, mas impedida de assumir. Outros passos importantes ocorreram com María Tinoco e Enriqueta de Pulgarín, que em 1936 se candidataram a deputadas locais, desafiando a ordem estabelecida.

Apesar de todos esses avanços, foi apenas na década de 1950 que as mulheres obtiveram o direito pleno ao voto – votar e serem votadas. A luta continuou, a pressão social aumentou e isso pavimentou o caminho para aprovar a Lei de Paridade em 2014 e em 2019 uma reforma constitucional garantiu a paridade de gênero em todos os níveis de governo – um passo decisivo que contribuiu com a eleição de Claudia Sheinbaum.

Antes de entrar de vez na política – já que tinha histórico familiar de  luta popular e ela própria esteve no movimento estudantil, Sheinbaum construiu uma carreira acadêmica. Formada em Física, fez mestrado em Engenharia de Energia e doutorado em Engenharia Ambiental. Também fez parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007.

Doutora Cláudia, como é chamada, tem dezenas de artigos publicados e dois livros sobre energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. O reconhecimento do trabalho sobre mudanças climáticas lhe rendeu o convite para ser assessora do Ministério de Energia e da Comissão Federal de Eletricidade e depois, para atuar como Secretária do Meio Ambiente da Cidade do México de 2000 a 2006, durante o mandato de prefeito de Andrés Manuel López Obrador.

Cláudia comandou um distrito da Cidade do México, de 2015 a 2017 e em seguida se tornou a prefeita da capital, de 2018 a 2023. Em sua gestão, teve que lidar com a pandemia de Covid-19, orientando a população para o uso de máscaras, seu primeiro contraste com López Obrador, que não usava a proteção.

Apesar de ser reconhecida mais no campo do desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas, Cláudia se comprometeu a combater a violência de gênero, criando procuradorias especializadas e oferecendo aconselhamento às vítimas. Sheinbaum teve que conciliar a vida acadêmica com os filhos e antes de ser política, é mulher, e sabe das dificuldades que as mulheres têm que enfrentar, como duplas jornadas, assédio e violência. Nas ruas da Cidade do México é possível ver estampado nos muros ou em cartazes um apelo da população pelo fim da violência contra as mulheres e os feminicídios.

Em 2015 o Brasil, por meio da Presidenta Dilma, sancionou o feminicídio no país. Esse projeto só foi possível depois de uma troca entre as parlamentares da Bancada Feminina do Parlamento brasileiro e as do México, que já havia aprovado a lei. Isso mostra como é importante ter mulheres em espaços eletivos, de poder e decisão, pois somente as que vivem essa realidade podem ter um olhar de mudança. A eleição de Cláudia representa esse olhar.  Sua eleição não é apenas simbólica, representa uma nova era para o México, onde as mulheres finalmente assumem o protagonismo político e social e poderão debater sobre os temas que lhes atinge diretamente.

Um aspecto importante de seu mandato será a continuidade e aprofundamento das políticas sociais e econômicas implementadas por seu antecessor, López Obrador, que foi fundamental na transformação do México nos últimos anos, especialmente com seu foco no combate à pobreza, aumento salarial e na democratização da comunicação política por meio de suas “mañaneras”. O sucesso de seu governo, com uma aprovação de 60% ao final do mandato, pavimentou o caminho para Sheinbaum, que agora tem a responsabilidade de continuar e expandir essas conquistas.

Durante sua posse, Claudia Sheinbaum deixou claro que seu governo será guiado por princípios firmes de justiça social, igualdade de gênero e soberania nacional. Discretamente vestida de branco, com um vestido que carregava nos punhos e na barra o famoso bordado mexicano, com uma serenidade no semblante peculiar que lhe rendeu críticas durante a campanha – pois as mulheres precisam ser doces e amáveis – Cláudia anunciou, rodeada por mulheres de comunidades tradicionais com suas vestimentas características, orações e rituais, diante de uma praça lotada de milhares de pessoas, os 100 pontos de seu governo, dos quais alguns merecem destaque especial:

  1. Independência política e econômica: “Governarei com a divisão obrigatória entre poder político e poder econômico. Nunca me submeterei a qualquer poder econômico, político ou estrangeiro. Trabalharei sempre pelo interesse supremo do povo do México e da Nação.”
  2. Liberdades civis: “Garantimos as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião e de mobilização. Os direitos humanos serão respeitados e nunca utilizaremos a força do Estado para reprimir o povo do México.”
  3. Proteção dos direitos dos migrantes: “Protegeremos e defenderemos os direitos dos nossos compatriotas, heróis e heroínas, do outro lado da fronteira. Coordenação com os Estados Unidos sim, subordinação não.”
  4. Apoio às mulheres mais velhas: “As mulheres de 60 a 64 anos receberão um apoio bimestral equivalente a metade da pensão dos maiores de 65 anos. Um milhão de mulheres se beneficiarão a partir de 2025.”
  5. Igualdade de gênero e combate à violência: “Enviaremos uma proposta ao Congresso para elevar ao status constitucional a igualdade substantiva das mulheres em todas as suas formas e garantir o direito a uma vida livre de violência.”.

De tempos em tempos Sheinbaum parava a leitura dos 100 pontos e perguntava se as pessoas estavam cansadas e recebia de volta gritos de esperança, misturados entre bandeiras e inúmeros itens que levavam o rosto de Cláudia e de Obrador: bonecos de pano, bonés, xícaras, bótons…

Claudia Sheinbaum não é apenas a primeira presidenta do México, mas também uma líder com uma visão clara de transformação profunda. Seu governo promete ser um divisor de águas para as mulheres no México, colocando o país no centro da agenda política global, não apenas pela fronteira com os USA e todos os dramas que existem nessa relação, mas pela oportunidade de ter uma cientista, não negacionista, mãe e lutadora social, como sua referência máxima.

Nos próximos seis anos espera-se que o México continue a ser uma referência em termos de políticas progressistas, especialmente no que tange à igualdade de gênero, ao desenvolvimento econômico inclusivo e principalmente, no debate sobre sustentabilidade e mudanças climáticas, tema que assola todo o planeta.

O mandato de Sheinbaum marca, de fato, o tempo das mulheres. É um período em que as conquistas feministas não serão mais relegadas a segundo plano, mas estarão no centro do poder. O México, sob sua liderança, inicia um novo capítulo de mudanças sociais, onde as mulheres ocupam não apenas mais espaço, mas têm um papel decisivo na construção de um futuro mais justo, igualitário, inclusivo e sustentável.

Pedro Henrichs é Gestor Público formado pelo Instituto de Educação Superior de Brasília IESB, CEO da Henrichs Consultoria, secretário executivo Regenera Brasil, ex-presidente do Fórum de Juventude dos BRICS. Observador eleitoral há 14 anos, 18 países na América, 4 países na Europa, 1 na África, e 3 na Ásia.

Iara Cordero, formada em Administração, pós-graduada em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, com formação no Curso Internacional em Políticas Públicas, Justiça e Autonomia das Mulheres na América Latina e Caribe, pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais – CLACSO. Assessora Técnica da Bancada Feminina na Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Autora do Livro – O que é Violência Política contra a Mulheres.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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