Reforma Trabalhista: De volta às correntes

Reforma Trabalhista: De volta às correntes

De volta às correntes, aos grilhões e às chibatadas 

Depois da aprovação da “Reforma Trabalhista”, que retira inúmeros direitos trabalhistas, a brasileira esperava um “sossego” na destruição de direitos sociais.

Eis que o Governo Federal, desprovido de qualquer pudor e compromisso com os direitos fundamentais mais básicos do ser humano, edita a Portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, redefinindo o conceito de trabalho em condições análogas às de escravo e impondo uma série de dificuldades para a prevenção, a fiscalização e a punição dessa chaga social que envergonha o país.

Não obstante sua patente ilegalidade, vez que usurpa prerrogativa do , pois o conceito do trabalho escravo é trazido no Código Penal, não podendo ser modificado por ato de infralegal, a portaria em comento esvazia o referido conceito, condicionando sua caracterização à necessidade da existência do cerceamento da liberdade de ir e vir, o que nem sempre ocorre.

O atual conceito de trabalho escravo, e que tornou o referência mundial, busca preservar não apenas a liberdade, mas também a dignidade do trabalhador, que muitas vezes é escravizado sem a restrição da sua liberdade, seja por jornadas exaustivas, em que, por circunstâncias de intensidade e desgaste, há o esgotamento físico e mental do trabalhador, seja por submissão a condições degradantes, em que não lhe é garantido um patamar mínimo de proteção à sua higiene, e no trabalho, com desprezo total de sua dignidade.

Assim, o trabalho escravo contemporâneo evidencia-se quando alguém exerce sobre uma pessoa atributos do direito de propriedade, reduzindo-a à condição de coisa, o que já foi reconhecido pelo STF e pela Corte Internacional de Direitos Humanos que, inclusive, condenou o Brasil no caso da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, em que se previu que não poderia haver retrocessos na de erradicação do trabalho escravo, o que foi desconsiderado pelo Governo, ao reduzir a caracterização do trabalho escravo unicamente a situações de restrição de liberdade e, com isso, retornando ao século XIX, quando tínhamos grilhões, correntes e chibatas.

Ademais, a portaria viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, a exemplo das Convenções 29 e 105 da OIT, o que pode gerar a aplicação de sanções internacionais, comprometendo ainda mais a imagem do país perante o . Mantidas as regras da portaria, em pouco tempo haverá a falsa impressão de que a escravidão acabou no país, com o mascaramento total da realidade social. Ou seja, a escravidão continuaria, mas não apareceria nas estatísticas.

Apesar da forte pressão, o Governo não recuou um milímetro na edição da portaria, demonstrando seu compromisso em atender poderosos interesses empresariais, mesmo que isso cause um retrocesso social e manche a imagem do Brasil.

Essa resistência fez com o que o Partido Rede Sustentabilidade ingressasse com uma ação perante o STF requerendo a imediata suspensão do ato. Distribuída à Ministra Weber, houve deferimento de liminar para suspender a portaria atacada, o que nos deixa esperançosos.

Oxalá permita que esse ato não venha a causar efeitos, livrando-nos de um retrocesso sem precedentes na luta pela erradicação da escravidão contemporânea, chaga social que envergonha todos os brasileiros e que deve ser extirpada de todo o território nacional.

Ângelo Fabiano Farias da Costa – Procurador do Trabalho e presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Fonte: www.anpr.org. Publicado em 12/03/2018. 

[smartslider3 slider=41]
 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!