A poesia que trago
é dura como o coco que eu quebro
Dura
pelo que trago nas mãos
uma cuia de sonhos remendados
um cofo de esperança sangrando
um jacá de desejos peados
Prenhe vou resistindo
acreditando que atrás da cerca do latifúndio
as pindobas cantam
e as velhas palmeiras assoviam
uma canção de liberdade
Lília Diniz (Tuntum/MA). Poeta e atriz brasileira, formada em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduada em Gestão Cultural. É a autora de Babaçu, Cedro e outras poéticas em Tramas, Miolo de pote da cacimba de beber, Sertanejares, Ao que Vai Chegar, Mula sem Cabeça eMundo de Mundim. Membro da Academia Imperatrizense de Letras e da Academia de Letras do Brasil Seccional – DF. Leia mais da/sobre a artista em: liliadiniz
Fonte: Facebook
Os cocos que Nice quebra
Maria Nice Machado Aires, mulher preta, quilombola do Maranhão, extrativista e ex-professora, mora na Reserva Extrativista da Baixada Maranhense, onde exerce a honrosa profissão de quebradeira de cocos. Por Iêda Leal
Para sobreviver, Nice, como é chamada, quebra cocos nos babaçuais do município de Penalva. E é quebrando cocos que ela vai traçando sua trajetória de resistência, a partir dos saberes da territorialidade ouvida de seu pai, Apolônio, de Joana Birgona, sua avó, de Pedro Celestino, seu bisavô, de Sebastiana Ferreira, sua tia, e de Sátiro Costa, seu tio lutador.
São as referências de luta dessa sua ancestralidade negra que fizeram de Nice liderança respeitada na luta pelos direitos territoriais, sociais e ambientais de sua comunidade penalvense do Quilombo Saubeiro, onde ela viveu até os 14 anos de idade.
Do Saubeiro, pelas mãos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Nice alçou voo para atuar, em defesa do povo quilombola, em vasta região da Baixada Maranhense, que inclui os campos de babaçu nativo de Viana, Penalva, Monção, Pedro do Rosário, Santa Helena e Cajari.
Assim, ancorada no norteamento histórico de seu pertencimento, Nice, que se autodefine como quilombola, quebradeira de coco de babaçu e, quando a luta permite, cantora do grupo Encantadeiras, formado por quebradeiras de coco de babaçu do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará.
Sim, quando a luta permite, porque, desde os anos 1970, Nice vem reunindo lideranças de 180 comunidades quilombolas do campo, da floresta e das águas, hoje divididos em quatro territórios: Enseada da mata, Formoso, Monte Cristo e Sansapé.
Com seu povo mobilizado, Nice começa a organizar as primeiras associações da região, sediadas em casas feitas de taipa e cobertas de palha. É por meio dessas associações que o povo de Nice resiste contra a violência agrária, que tenta expulsar as famílias quilombolas de seus territórios.
Nice, eu ainda não conheço você. Sua história me chegou pelas mãos generosas da companheira Edel Moraes, do MMA. Mas eu sei que somos companheiras de luta e de partido. Seus mais de 40 anos de luta merecem respeito e reverência.
Peço sua licença para, em seu nome, homenagear todas as mulheres negras que, como você, quebrando cocos e cantando loas à vida, vão forjando esse Brasil inclusivo e forte que buscamos construir.
A benção, Nice! Iêda Leal – Coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU). Secretária de Gestão do Sistema de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial. Conselheira da Revista Xapuri. Foto: Divulgação.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
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