É Perigoso Ser Antirracista

É Perigoso Ser Antirracista

Por JULIANA SANKOFA

A branquitude transformou o antirracismo em mais um estigma e isso é mais uma consequência de seu domínio ideológico, ainda colonialista, da sociedade brasileira. Não é novidade para ninguém, nem mesmo para os brancos, que o racismo é estrutural. Dessa forma, em grande parte das interações sociais, as ideologias racistas integram as práticas discursivas e não discursivas dos indivíduos. No entanto, muitas pessoas pretas vêm reagindo a estas práticas, contra-argumentando e apontando a insensatez do ato racista. Acostumada a ver suas ações toleradas e suas violências naturalizadas ou legitimadas, a bolha branca de privilégios sociais começou a usar outras estratégias para impossibilitar que seja apontada e que sua nudez colonialista seja exposta publicamente. O discurso antirracista, quando enunciado por pessoas negras, constantemente, recebe uma resposta violenta do sistema social, a qual muitas vezes é permeada de distorções, afinidade racial dos desbotados e também da mobilização do status social e econômico dos/das racistas.

A Priori, não cometo um desvio gramatical à toa, distorções discursivas estão presentes em todos os espaços onde há relações de poder. Como uma boa mineira, irei contar um caso. Certa ocasião estive em um evento numa , em uma sala onde pesquisadores brancos estavam apresentando suas perspectivas sobre a escritora maranhense dos Reis, romancista negra. Após a escuta atenta das apresentações, fiz uma pergunta e falei da importância de ter espaços com mais . Um branco, que se dizia afrodescendente, no sentido sinônimo de negro, besteirol branco de primeira, reagiu a minha fala como se eu tivesse lhe dado um tapa na cara e logo me acusou de chamar a grande escritora de racista. Eu, uma preta, solicitando uma atenção para a diversidade de perspectiva no evento, sendo acusada de ter chamado uma escritora negra de racista? A branquitude é cheia das ousadias e situações assombrosas como essa acontecem com muita frequência nos eventos acadêmicos.

Outra situação aconteceu recentemente aqui na cidade onde resido. Um homem  negro e gay, juntamente com seu companheiro, também negro, foi em uma empresa de telefonia trocar o titular da conta de celular. A atendente se recusou a atendê-lo, porque a conta estava no nome da mãe, a qual, devido ao rodízio de CPFs para o atendimento no comércio, medida de quarentena local, não poderia comparecer à loja porque não era o dia referente ao número de seu CPF.

Até aqui tranquilo! Sem problemas! No entanto, a funcionária da empresa fez questão de atender um homem branco fora do seu dia de atendimento, então, ao questionarem isso, a confusão foi estabelecida e o racismo se manifestou. A gerente foi chamada e, mesmo assim, ciente do privilégio racial, justificou incoerentemente a situação. Por conseguinte, os dois homens negros acionaram a PM para realizar um BO, porém não foram tratados de igual valia que a gerente, já que os policiais redigiram o boletim de modo que a situação a favorecesse, além de todo direcionarem expressões do tipo “Não é preciso ”, apesar dos homens negros nem estarem alterados. Aliás, foi nítida a interpretação racista dos corpos negros e também das distorções acerca da condição emocional dos mesmos diante disso. Se chorassem diante da situação, iriam ser lidos como agressivos, se rissem, seriam lidos como loucos etc. O sendo lido pela ótica do racismo transforma todo movimento do nosso corpo em ameaça.

Além disso, nessa situação, a afinidade racial entre os policiais e a gerente possibilitou que toda aquela situação fosse em defesa dessa funcionária, apesar da mesma ter sido contraditória em tudo que falasse. A questão não se resume apenas ao racial, o fato dos homens negros serem gays também interferiu na de seus corpos naquele contexto. Infelizmente, numa situação de racismo como esta, a branquitude tende a ler, sem escuta, interpretando os nossos corpos ainda como peças, anteriormente vendidos e violentados, agora criminalizados e inferiorizados. Decerto, a posição da mulher branca enquanto gerente de uma empresa telefônica, seu status, possibilitou sua arrogância racista.

Apesar dos recursos judiciais e da linguagem para resistir a estas situações, o estigma em torno da reação do negro, tanto pelos posicionamentos antirracistas quanto pela reação ao racismo em determinados contextos, faz com que nossos corpos fiquem suscetíveis a uma semântica racista que banaliza nossa e decreta nosso silêncio. Concomitante, deparamos com uma branquitude autodeclarada desconstruída, nunca autopercebida como branca, no pior sentido da palavra, a falarem sobre antirracista ou anticolonial serem ovacionadas e reconhecidas como vozes legítimas. Ainda, a pálida distorção da noção de lugar de fala –  aliás, prefiro dizer lugares de fala, não temos apenas um lugar de enunciação – que é rotulado pela branquitude, principalmente a acadêmica, como “identitarismo” (impressionante como todo racista ama um -ismo), o qual se refere à exigência de diversidade e à recusa do brancocentrismo, e de tantos outros centrismos coloniais, enquanto um exagero ou uma ignorância. O medo branco em relação às nossas reações em espaço, onde por muito tempo os brancos não foram contestados, transformam-nos, antigas ovelhinhas brancas da igualdade, em lobos brancos famintos em estar no controle social e discursivo de tudo que é referente à negritude.

Enfim, escrevo no intuito de esmagar imaginários brancos! E para dizer às/aos ativistas negras/os que é perigoso ser antirracista, mas independente de sermos ou não, a sociedade nos violenta.  Aquilombemos nossas vozes, isso os assusta…

Fonte: Blogueiras Negras

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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