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Incêndios, pistolas e sangue…

Incêndios, pistolas e sangue: no campo brasileiro cresce e ameaça comunidades tradicionais

Em 2017 foram registrados 70 homicídios em conflitos territoriais segundo a Comissão Pastoral da Terra: nove a mais que em 2016 e mais que o dobro do registrado em 2013. Mais pobres e minorias étnicas são as principais vítimas

Fátima Barros, de 42 anos, é antes de tudo quilombola. É a primeira coisa que diz, com uma voz que normalmente é aguda, mas que hoje, depois de horas expondo injustiças em uma reunião de comunidades tradicionais do Cerrado, em Balsas (Maranhão), está rouca: “Eu construí minha identidade em torno da causa quilombola”. Essa mulher negra, de feições arredondadas e olhar duro, poderia ter construído sua identidade em torno de, por exemplo, o fato de ser a primeira mulher de sua família, descendente de escravos do Tocantins, a ir à universidade. Mas, em 2010, um fazendeiro queimou o quilombo de São Vicente, que tinha sido o lar de sua família desde que seu tataravô foi libertado da escravidão em 1888, e depois entendeu que sua vida seria uma luta onde quer que estivesse. “Eu não podia escolher não lutar porque sou mulher, negra e quilombola: sou o que o Brasil não quer ver”, disse.

As zonas rurais brasileiras sempre foram lugares violentos, onde os problemas, sobretudo territoriais, são resolvidos com pistolas, incêndios e sangue, e não com uma sentença judicial. Mas fazia tempo que não corria tanto sangue quanto agora. De acordo com o relatório recém-publicado pelo observatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017 foram registrados 70 homicídios em conflitos territoriais: nove a mais que em 2016 e mais que o dobro do registrado em 2013. Embora os números gerais de violência tenham aumentado no maior país da América Latina, em poucos lugares ela cresceu como no campo. Devemos recuar a 2003 para encontrar um número tão alto. As piores matanças aconteceram nos estados do Pará, Rondônia e Bahia.
As vítimas são geralmente pobres e de alguma minoria étnica. A CPT calcula que os mortos que inflam os números são, ao menos desde 2015, pessoas sem terra que trabalhavam para outros temporariamente, indígenas, , ocupantes de terras abandonadas e pescadores. Alguns enfrentamentos são autênticas batalhas, como a chacina contra os índios Gamela que aconteceu em Viana () em abril do ano passado: 13 índios ficaram feridos – cinco por balas – e dois tiveram a mão decepada. Mas a maioria das vítimas se deve a enfrentamentos menos dramáticos e que, portanto, têm menos repercussão. Como o que teve a comunidade de Aliene Barbosa, uma jovem das margens do rio Arrojado (Bahia). Um dia, em 2015, descobriram que sua terra havia sido ocupada por pistoleiros, que tinham até montado barracas durante a noite para ficar de guarda.
“Éramos 80 pessoas para enfrentá-los”, lembra Aliene agora. “Eles ameaçaram atirar e quebraram o braço de um companheiro, mas não fomos embora. Ficamos e batemos neles”, diz, encolhendo os ombros na lógica cristalina entre uma ação e outra. “Quase todos fugiram, menos um. Nós o capturamos e o amarramos em um poste. Cortamos as cercas que tinham colocado, queimamos seus carros e derrubamos as casas. E então, com tudo em ordem, já respondemos à justiça”.

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Comunidades rurais fazem protesto em Balsas (Maranhão) FELIPE FITTIPALDI
Muitos dos entrevistados concordam que a violência é consequência do apoio do Governo de Michel Temer à bancada do agronegócio. E a verdade é que há vítimas em ambos os lados. Mas é também verdade que, quanto mais branco alguém for e quanto mais dinheiro tiver, menos possibilidades tem de ser uma vítima. “Gente como eu não é bem atendida em hospitais, também não ensinam para nós nas escolas”, explica Cristina, uma das poucas indígenas que restam da tribo Itay, a etnia de Douradina (Mato Grosso do Sul).

Eles retomaram suas terras quatro vezes desde 2011 e ainda têm que lidar com os pistoleiros de vez em quando. Vivem em um ciclo de violência e ameaças do qual suspeitam que não sairão. Mas pior seria não lutar. Fátima Barros tem isso bem claro. Ela foi ameaçada de morte, como todos de sua família. Mas, sentada em sua mesa de pedra, com a voz rouca depois de ter falado a 700 pessoas de comunidades tradicionais do em Balsas, ela sabe por que está ali: “Essa luta não é tanto pela terra, mas pelo respeito pelo passado. A vida que meus ancestrais levaram. O quilombo de São Vicente foi dado ao meu tataravô por seu dono, Vicente Bernardinho, por ser seu escravo preferido. Eles o tiraram de nós sem razão alguma. Em 2010, provamos diante dos tribunais que era nosso legalmente, mas se não tivéssemos conseguido teríamos perdido tudo. Isso está errado. Nossa história é importante. O povo negro é bom contando histórias, as mulheres as contam enquanto quebram babaçu. Temos que conseguir que as escutem”.
Publicação original no site El País (Brasil), por TOM C. AVENDAÑO


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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