Mana a Mana: “Sua História, Minha Poesia”
Eu sou Jessica Waldino, mulher, preta, militante e convido vocês a conhecerem esse mundo incrível de projetos femininos.
Por Jessica Waldino
A coluna Mana a Mana chegou para apresentar ao mundo projetos independentes criados por mulheres que, na maioria das vezes, não ganham espaço ou visibilidade nessa sociedade que valoriza apenas o gênero masculino.
Aqui, acima de tudo, é um espaço de Sororidade.
Para quem ainda não conhece essa palavra, Sororidade é a aliança entre nós mulheres onde deixamos diferenças de lado (muitas vezes estimuladas pelo machismo), praticando empatia, companheirismo e evitando julgamentos. É uma irmandade onde nos ajudamos a crescer como grupo e não como unidade.
Nessa coluna divulgaremos e fortaleceremos projetos, explicando como funciona, como surgiram e contando um pouco das histórias de suas criadoras.
Eu sou, Jessica Waldino, mulher, preta, militante e convido vocês a conhecerem esse mundo incrível de projetos femininos.
Já pensou em transformar sua vivência em poesia?
Essa semana entrevistei a pernambucana Camila Mendes e ela me contou sobre seu projeto intitulado “Sua História, Minha Poesia”.
A autora
Camila Mendes, é preta, atriz, poetisa e produtora cultural. Formada em administração de empresas e em teatro, se desdobra em todos os campos que a arte alcança. Co-criadora do Coletivo Enlace, ao lado de Bárbara Souza, onde produzem alguns grupos de teatro na cidade do Recife.
Além de tudo isso, ainda participa de uma rede de apoio de mulheres negras chamada Afrocentradas e do Coletivo Abaya com mais 3 mulheres pretas (Brunna Martins, Kadydja Erlen e Luana Vitória).
O coletivo nasceu em 2019 dentro de um curso da Escola de Antropologia Teatral do Poste, a partir do fragmento construído denominado Rainhas. Elas seguiram pesquisando sobre ancestralidade, mulheres pretas e periferia para transformar esse fragmento num espetáculo. Ufa! Quanta força!
A sociedade já não aceita muito mulheres… pretas então? Temos que nos provar constantemente como mulher e como preta, mulher preta! Lutamos diariamente contra a hipersexualização de nossos corpos, lutamos por espaço, lutamos por voz, tudo é luta!
O racismo infelizmente é algo asquerosamente comum na vida de uma pessoa preta. No teatro, Camila, que vive exclusivamente de arte, teve dificuldades de conseguir papéis, pois a maioria deles eram para pessoas brancas. Mocinha delicadinha? Branca. Donzelaindefesa? Branca.
Uma vez foi citado pelo ator Ícaro Silva que todos os papéis são feitos para pessoas brancas. Se na sinopse não tiver especificado que o personagem é preto, não escalam pretos para o papel. Minha entrevistada confirmou ser verdade.
Porém a poesia não conta com exposição, não existe fenótipo, é apenas arte no papel. Difícil dizer se o autor é preto, branco ou azul sem conhece-lo, então o preconceito perde sua fonte de estimulo.
Camila começou a escrever suas primeiras poesias aos 11 anos de idade. Participou de alguns concursos, eventos, mas só lançou seu primeiro livro, Dos Amores, em outubro de 2018.Em meio à pandemia ela teve a ideia de trazer acalento e tocar o coração das pessoas com sua arte.
O Projeto
O projeto consiste em pegar histórias das pessoas que a procuram e transformá-las em poesia. Pode ser sobre namorada(o), amizades, família ou até mesmo umacontecimento pessoal que você apreciar por uma nova perspectiva. Ela traz o olhar poético para sua história, eternizando-a de maneira sensível e única.
Eu diria que foi amor a primeira vista. Eu como amante de arte não pude não me apaixonar pela ideia de ter minha vida contada em uma poesia.
“É você!” – Disse assim que ela me explicou o projeto sem ao menos ter uma amostra do seu trabalho. É preciso ter a arte correndo nas veias para transformar uma história que nem é sua em algo belo e profundo. Não tive duvidas que tinha achado o projeto ideal para estrear a coluna.
As poesias geralmente são procuradas presentear alguém querido. Com a proximidade do dia dos namorados, a procura tem crescido bastante.
Como adquirir?
Para ter a sua poesia basta entrar em contato com a Camila pelos instagrans @dosamorespoesias, @camsmendess, pelo email camilameendess@gmail.com ou pelo whatsapp (81) 9 9950-5902.
Conte a sua história, faça sua contribuição e veja a magia acontecer.
Valor
Definir o valor de seu trabalho foi bastante desafiador, afinal a arte vai muito mais além do dinheiro (SIC). A solução foi colocar como contribuição consciente, com o valor mínimo de R$30. Cada pessoa fica a vontade para pagar o quanto puder e quiser dentro das possibilidades de cada um.
Pedimos à Camila para que fizesse para a coluna Mana a Mana uma poesia com tema Conjuntura atual: Tempos de pandemia, Bolsonarismo e morte de pessoas pretas.
Não poderia ser outro, né? Um tema bastante relevante e que tem afetado toda a população brasileira.
O resultado foi belo, visceral e emocionante:
Eu não consigo respirar
O mundo adoeceu
As máscaras que eram para cobrir os rostos,
Caíram, aconteceu
Fascistas racistas
Escancarados na pista
Genocidas messias
Sem nenhuma empatia
O povo morrendo
Morrendo não, sendo morto
Há quatro anos escrevi
Que as notícias que vi
Faziam-me querer exilar do país
Mas é tudo tão global
Lá nos Estados Unidos
Tá tudo meio igual
João Pedro, George Floyd, Marielle
O que tem de semelhante
É a cor preta da pele
Auxílio é esmola
Tem que ter discernimento
Preto tem que tá na escola
Se armando de conhecimento
Mas só diálogo
Não dá conta de tanta injustiça
É preciso
Taca fogo nos racistas
Queima tudo
Destrói
Chumbo trocado não dói
Famílias choram
Suas perdas diárias
São sempre assim
Cotidianas, hereditárias
Nas costas, cabeça ou pescoço
O alvo do estado
É deixar ignorante
No fundo do poço
Choro e fico engasgada
Parece mais uma piada
Ás vezes é melhor nem olhar
Se tu pisa na comunidade, vai pirar
É fome, gente morrendo e puliça pronta
Mas pra matar!
Ele pediu não só uma vez
Mas seis
Seis minutos de vida indo
Ali a luz do dia
Estampado
A quem queira ver
A covardia
Chega dessa doença
Silenciar a voz
Não compensa
É perigo, risco e linha de frente mesmo
Para salvar nossa carne
Não tem mais apelo
A falta de quem não se educa
É farta
Das tripas se faz oração
Ninguém aguenta mais
Ser tratado que nem lixo
Aberração
Leite sendo tomado em rede nacional
Ofensa pronta
Mundial
Não faz milagre
Mas merda sabe fazer
Não cuida de ninguém
“tô nem aí se morrer’
É muita revolta
Para trazer em poesia
Tento me alienar
Mergulhar na estesia
De olhos fechados
Seguir em frente
Só que a vida
Insiste e pede
Venho hoje
Mas não alegre
Falar de tudo isso
Que tá acontecendo
Preferia tá sonhando
E não morrendo
Os tempos agora mudaram
Não tem passado
Nem futuro
Tem que sair de cima do muro
O presente provoca
E a todes nós
Convoca
Vamos juntes
Fortalecendo
Todo mundo
Mundo todo
Estremecendo
Não deixe de encomendar a sua poesia e contribuir com esse projeto tão lindo e cheio de emoção.
Meus agradecimentos primeiramente à Revista Xapuri pela oportunidade, pelo espaço para escrever sobre o que eu gosto e acredito, e à Camila pela oportunidade de conhecer esse projeto maravilhoso.
Muito sucesso!
Jessica Waldino – @jehws – Foto Prismada: Duda Meirelles
Nota da Redação: A Revista Xapuri agradece a Fernando Neto, Eduardo Meirelles, Jessica e Camila pela pela coluna Mana a Mana, pela live, pela entrevista, pela confiança.