Marco Temporal: ameaça aos povos indígenas
“A proposta é flagrantemente inconstitucional”, de acordo com o ex-ministro da Justiça e ex-procurador da República Eugênio Aragão
Por Revista Focus Brasil
Ele declara que a proposta aprovada pela Câmara e pelo Senado Federal fere a Constituição de 1988, lembrando que a Carta Política estabeleceu um marco temporal para as terras ocupadas por quilombolas até a promulgação, em 5 de outubro de 1988. “Mas para os indígenas, não. A única condição para a caracterização das terras indígenas é sua ocupação tradicional ou imemorial. E isso daí é qualquer tempo, desde que se consiga mostrar que é imemorial”, disse o jurista.
Ele aponta que o PL 490 representa uma cobiça sobre as riquezas das terras indígenas. “As reservas fundiárias no Brasil são muito restritas hoje. Se você quiser avançar, ou tem as terras devolutas, que são da União, ou as terras protegidas pelo meio ambiente, ou as terras indígenas. Então, a cobiça sobre estas terras é muito grande, principalmente quando elas estão incrustadas em áreas valorizadas por causa do agronegócio, ou áreas urbanas”, afirmou, em entrevista ao Brasil 247. “Na verdade, o que se quer é expulsar os indígenas das terras que são preciosas”.
O projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O projeto, relatado por Arthur Maia (União-BA), flexibiliza o uso exclusivo de terras pelas comunidades e permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços culturais da comunidade.
A repercussão internacional do ataque aos direitos dos povos indígenas foi imediata. Na quarta-feira, o jornal inglês The Guardian denunciou “mentiras, ódio e racismo” enquanto a proposta de legislação segue para o Senado, depois de ser endossada de forma esmagadora pela Câmara dos Deputados. O jornal destacou a crítica feita pela deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG): “vocês terão sangue indígena nas mãos”.
O projeto é descrito pelo diário britânico como uma série de ameaças profundas às comunidades indígenas e ao meio ambiente. “Ele potencialmente abre as portas para a construção de estradas, mineração, construção de barragens, projetos agrícolas e uso de culturas geneticamente modificadas em terras indígenas protegidas, além de autorizar o contato com grupos indígenas isolados em certas circunstâncias”, aponta.
O Observatório do Clima disse que o parlamento brasileiro testemunhou “seu dia mais vergonhoso desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016” – uma “demonstração de mentiras, ódio e racismo”. O caos ambiental causado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro está longe de terminar. Os legisladores enviaram “uma mensagem clara ao país e ao mundo: Bolsonaro se foi, mas o extermínio [das comunidades indígenas e do meio ambiente] continua”.
ATUALIZAÇÃO: “Embora o STF já tenha afastado o marco temporal por inconstitucionalidade, o assunto volta à análise da Corte. E, desta vez, o relator das ações, Gilmar Mendes, decidiu pela constituição de uma comissão especial de conciliação formada por órgãos do governo e diversos setores da sociedade.
Mais uma vez, a Corte tem nas suas mãos as condições de, em primeiro lugar, manter a decisão de setembro de 2023; depois, de não permitir que se negociem direitos indisponíveis dos povos indígenas. O STF não pode deixar prevalecer os interesses dos mais apoderados sobre a singela gente da terra.”
DIGA NÃO AO MARCO TEMPORAL!
Fonte: Fpabramo – A Editora da Fundação Perseu Abramo tem seu marco inicial em 1997, lançando o livro em homenagem a Perseu Abramo (1929-1996), sociólogo, jornalista e companheiro que militou no Partido dos Trabalhadores (PT) desde sua formação, nos anos 1980.
Capa: Leandro Couri/EM/D.A Pres.