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Maria Déa, a bonita Maria de Lampião

de Déa, a bonita Maria de Lampião: Valentia e paixão no cangaço

Por Iêda Vilas-Bôas

“Por que até o cabra mais tinhoso Tem uma pessoa a quem dizer ‘Sim, Senhora’.”

Neste mês de junho, quando as tradições nordestinas são celebradas com intensa alegria, a homenageada é Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida por Maria de Déa. O justo e merecido apelido de Bonita veio depois de sua morte, quando sua saga extrapolou os sertões nordestinos e alcançou os gerais do Brasil.

Falemos primeiro de Maria de Déa. Em 8 de março de 1911, no povoado de Malhada da Caiçara, na época município de Santo Antônio da Glória e hoje município de Paulo Afonso, na Bahia, veio ao mundo mais uma flor na casa de Maria Joaquina da Conceição e de José Gomes de Oliveira.

A gosto do pai seria mais um menino para ajudar no de amansar burros bravos. A gosto da mãe, mais uma menina para dividir o repetitivo trabalho doméstico. Chegou bem formada, traços bem feitos, desde criança era bonita. Cresceu prendada, afeita aos bordados e caprichosa em seus afazeres, porém era brava e geniosa.

Diziam que a menina era aluada, cheia de vontades e, ao ser contrariada, tinha reações por vezes violentas, que descontava em quem estivesse por perto, fosse cachorro, gato ou gente.

Virou moça cobiçada pela sua beleza, com muitos pretendentes, e escolheu por esposo o sapateiro bem apessoado, falante e tocador de sanfona, Zé de Neném. Casou-se muito jovem, aos 15 anos.

Acontece que o moço tocava muito, cantava ainda mais, mas não cumpria muito bem os deveres conjugais. Maria de Déa não era feliz no casamento. Assim, ele saia pra tocar em um forró e ela ia para outro. Ali ela dançava, ria, falava alto, bebia e não se importava com o falatório a seu respeito.

Nesse ponto tornou-se uma empoderada, cheia de si e corajosa, que transgredia os fundamentos da em que vivia. Comentavam a boca miúda que ela tinha amantes, mas tal assunto ficava mesmo no cochicho, ninguém era doido de afrontá-la. Vai lá saber a reação da moça? Entre um forró e outro, o casamento se desmanchou. Dessa união nem filhos restaram.

Numa das brigas entre o casal, Maria de Déa estava na casa de sua mãe e apareceu o Capitão Virgulino, conhecido como Lampião. Seu coração bateu mais forte quando ele lhe perguntou se ela sabia bordar e se podia bordar um lenço com as iniciais de seu nome que ele voltaria para buscar em uma semana.

Demorou trinta dias para retornar, o bordado foi feito no maior capricho e, depois, o Capitão fez-lhe a corte e namoraram por um ano com o apoio dos pais de Maria de Déa. A moça já tinha se decidido: ia embora com o Capitão. Seria uma oportunidade de conhecer outros cantos e de colocar em prática sua valentia e coragem.

Ela sabia que Lampião era o chefe dos cangaceiros e sabia do estilo de vida que ele levava. Era justamente isso que a atraía. O Capitão era famoso, uma grande celebridade naquela época. Tinha dinheiro, poder, e era um valentão. Poderia lhe oferecer e aventuras.

Lampião também ficara atraído por aquele bonito rosto, por aquele corpinho perfeito e harmonioso, da pequena morena (tinha 1,56m) e pediu ajuda à mãe de Maria de Déa para formalizar a ida da moça para seu bando.

Tudo firmado e acordado, o ano era 1929 e Maria de Déa, com 18 anos, acompanhou de livre e espontânea vontade o Capitão Virgulino Ferreira da . Passou a ser a primeira mulher integrante do Cangaço e recebeu o título de D. Maria, a Rainha do Cangaço. Nessa vida viveu oito anos, de acordo com o relato oficial. Tempo de muita aventura, muito sacrifício, muita andança e muita festança também.

D. Maria engravidou quatro vezes, em duas sofreu aborto, os filhos eram natimortos, na terceira, supostamente, foi mãe de gêmeos, que receberam nomes de Ananias Gomes de Oliveira e de Arlindo Gomes de Oliveira, e deles não se soube o paradeiro.

A última gravidez foi de uma menina que recebeu o nome de Expedita de Oliveira Ferreira Nunes. Esta foi entregue com oito dias de vida a um casal de vaqueiros, amigos de Lampião. O choro de uma criança no sertão ecoava mais que uma revoada de pombos, assim explicava Lampião para sua “Santinha”, como se dirigia a D. Maria, que foi obrigada a deixar a menina, ação que muito lhe feriu o coração.

A partir de então, ela passou a pedir que Lampião deixasse aquela vida e passasse a ter uma vida comum, pra criarem Expedita. Lampião era categórico em afirmar e reafirmar seu destino de ser reconhecido como Rei do Cangaço. E não fez a vontade da companheira. Leite do peito secou, as lágrimas também secaram, as balas continuaram zunindo no pé do ouvido de D. Maria e a peleja entre cangaceiros e macacos foi se acirrando. Uma guerra no sertão.

Maria de Déa, a “Santinha” de Lampião, foi mulher vanguardista. Estava mesmo “à frente do seu tempo” em muitos aspectos, mas não a podemos considerar uma feminista, na medida em que ela apoiava e ratificava o brutal comportamento masculino dos cangaceiros em relação às outras mulheres.

Apoiou a morte de Lídia, que traiu João Baiano, apoiou raptos, como o de Dadá de Corisco, quando esta tinha somente treze anos, e não se incomodava com a opressão e violência física em que viviam suas colegas de cangaço.

Era uma líder que seguia os ditames machistas de seu bando. Por exemplo, apoiava e achava que as mulheres não deveriam participar das lutas armadas, no máximo que possuíssem um revólver e o punhal para defesa de sua honra.

Era adepta de que as mulheres do bando cumprissem certa rotina familiar e fizessem o básico de uma casa como cozinhar, cozer, bordar, organizar os coitos, amolar e limpar os instrumentos etc. Para ela, a Rainha, algumas funções de destaque. Ela sabia e atirava.

Convém que destaquemos um aspecto importante de sua personalidade: a vaidade. Seu cabelo era penteado com esmero e grampos e fitas eram colocados em pontos minuciosamente escolhidos. A Rainha Maria adorava adornos de ouro, batom, pó de arroz, perfumes e cinema.

Ciumenta e rancorosa, Maria de Déa não raro apresentava comportamento violento, e é famoso o caso em que tirou o brinco com orelha e tudo da fazendeira que se engraçou com Lampião.

No contexto da construção da força feminina tem papel de destaque, pois agiu a favor da própria liberdade e estimulou outras mulheres a seguirem seu exemplo, mesmo em tempos futuros.

Entretanto, D. Maria não possuía consciência política de gênero e não conhecia o poder da sororidade. Se tivesse tido a chance de seus horizontes terem alcançado essa perspectiva, com certeza o Cangaço teria muito mais para ser contada sob a liderança de Maria de Déa, porque a seu modo ela foi uma insurgente, aquela que acreditava ser capaz de construir seu próprio caminho juntamente com seu companheiro, o Capitão Virgulino, e seu Bando.

A noite do dia 27 de julho havia sido de baile e alegria na gruta de Angicos, muitos cangaceiros dormiram por ali mesmo, a Rainha e o Rei do Cangaço preferiram dormir, como de costume, um pouco mais afastados do Poço Redondo, em Sergipe.

O dia 28 de julho de 1938 dava os primeiros sinais de clareamento, nhambu piava no escuro, Maria de Déa, já havia acendido o fogo e colocava a chaleira para fazer o café. De repente um baque, um estalido seco. A sua mão instintivamente tenta cobrir o rombo feito em seu estômago.

Ela olha para o lado e vê o Capitão que foi morto enquanto dormia, tenta correr, não há mais tempo. É segurada pelos cabelos que cuidou tanto e sente, ainda viva, o fio do facão a rasgar sua pele macia. Dói. Ela se contorce e grita: – Macacos, desgraçados! Tenente Bezerra de merda! Volante do Demônio! Fomos traídos!

Quem pôde correu e fugiu na capoeira. D. Maria perdeu a guerra. Foi degolada por “Sebastião do Facão” ainda viva, assim como Lampião, porém este já estava morto; outros nove cangaceiros foram degolados também e as cabeças todas expostas na escadaria da Prefeitura de Piranhas (AL). 

O apelido Maria Bonita só se difundiu após sua morte. Conta-se que os seus algozes ficaram impressionados com sua beleza e, assim, deram a ela essa soberba alcunha.

Repórteres dos jornais do Rio de Janeiro passaram também a tratá-la por Maria Bonita, inspirados no filme Maria Bonita, lançado em 1937 e baseado na obra de mesmo nome de Afrânio Peixoto, de 1921.

Em reconhecimento ao valor histórico dessa personagem feminina, em 2006, a Prefeitura de Paulo Afonso restaurou a casa de de Maria Bonita, instalando ali o Museu Casa de Maria Bonita.

Essa é a história oficial, existe outra que hora dessas vamos contar. Uma em que ouvindo o sexto sentido de Maria Bonita, Lampião deixa em sua tenda dois de seus companheiros que foram abatidos em seus lugares e que essa emboscada foi planejada.

Maria Bonita e Lampião tomaram canoa pelas águas tranquilas do , descendo, descendo até aportar-se em terras mineiras. O desmonte do Bando teria sido somente uma vírgula no meio de outra fantástica história do sertão.

O que importa é que celebremos a coragem, a valentia e a paixão de Maria Bonita pelo perigo, pela aventura e por seu : Lampião. Salve, Maria Bonita!

Iêda Vilas-Boas – Escritora

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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